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Antônio Neto Ais e Fabrícia Campos, casal que lidera a Braiscompany (Foto: Reprodução/Instagram)

 A Braiscompany, empresa suspeita de criar um esquema de pirâmide financeira com criptomoedas que movimentou R$ 1,5 bilhão, foi alvo de uma operação da Polícia Federal nesta quinta-feira, 16 de fevereiro.

Antônio Neto Ais e Fabrícia Campos, o casal que criou a empresa, foram alvos de mandados de prisão temporária, mas seguem foragidos. A PF realizou buscas e apreensões na sede da Braiscompany em João Pessoa e Campina Grande na Paraíba, e em São Paulo, bem como sequestro de bens e a determinação da suspensão parcial das atividades da Braiscompany.

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A empresa paraibana é o nome mais recente de uma longa lista de esquemas suspeitos de operarem no Brasil com o dinheiro de novos clientes para pagar os altos rendimentos dos investidores mais antigos. Fazem parte dessa lista outros nomes como GAS Consultoria, Rental Coins, Atlas Quantum, Trust Investing, BlueBenx e várias outras.

Como funciona a Braiscompany?

A Braiscompany é uma empresa fundada na Paraíba em 2018 que capta criptomoedas dos investidores por meio de um propalado serviço de “aluguel de criptoativos”, que promete pagar retornos na faixa de 8% ao mês sobre o capital investido — uma taxa muito superior ao da grande maioria das aplicações financeiras existentes no mercado. 

A empresa realiza contratos com investidores que transferem valores em Bitcoin para que a Braiscompany faça gestão desses ativos por um ano. Neste intervalo de tempo, o Bitcoin do cliente fica “travado” na empresa e eles recebem todo mês uma porcentagem de lucro obtido pelo suposto trade feito com essas criptomoedas.

Recentemente, o Portal do Bitcoin também teve acesso, de forma inédita, ao cenário interno da empresa. Pessoas que passaram pela Braiscompany — e que pediram para não ter seus nomes divulgados para evitar represálias — resolveram falar sobre as situações que presenciaram na companhia durante o tempo que trabalharam lá, entre 2019 e 2022.

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Segundo os ex-funcionários, uma das marcas registradas da cultura de trabalho da Braiscompany é uma verdadeira obsessão em atrair novos clientes. Todos os funcionários, mesmo os que não são brokers — como são chamados os encarregados de fechar contratos — são incentivados o tempo todo a fisgar investidores.

Coincidência ou não, metas agressivas de captação de novos recursos são uma característica de pirâmides financeiras. Esse tipo de esquema depende do dinheiro de novos clientes para pagar os investidores que já estão no sistema.

De acordo com uma fonte, o grupo de clientes mais importantes da Braiscompany é formado pela elite de Campina Grande: “Desembargador, juiz, promotor, policiais, advogados… tudo que é tipo de pessoa que você imaginar tem contrato na Braiscompany na cidade. Já vi gente do alto escalão da justiça paraibana fazendo contrato lá, tomando uísque na sede”, relembra uma ex-funcionária.

Quem são os donos da Braiscompany?

A Braiscompany foi criada pelo casal Antônio Neto Ais e Fabrícia Campos. Antes de abrir o negócio, o casal já se envolveu com outras pirâmides financeiras no passado. Eles são conhecidos principalmente por captar clientes para a D9 Club, pirâmide criada por Danilo Dubaiano, um foragido da Polícia Federal que atualmente vive uma vida de luxo em Dubai.

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No histórico de Antônio Neto também há passagens pela Dreams Place e i9Life, outros dois negócios de marketing multinível, característico de pirâmides financeiras.

O dinheiro claramente abriu muitas portas para Neto Ais. Além de ter participado de jogos de futebol contra Ronaldinho Gaúcho, ele já dividiu os gramados com Romário, Falcão, D’Alessandro e outros. Quando Messi venceu a Copa do Mundo de 2022, o criador da Braiscompany logo postou uma foto abraçado ao argentino. O mesmo com Neymar, quando este se machucou no início do torneio.

Antônio Neto Ais posa ao lado de Messi (Reprodução/Instagram)

O perfil no Instagram é uma vitrine na qual Neto Ais exibe muito mais do que suas aventuras futebolísticas. É um bombardeio de vaidade, frases de autoajuda e demarcação de território: fotos viajando pelo mundo, na frente de um jato de sua companhia, com políticos, autoridades e empresários, sempre trajando roupas de marca, na maioria das vezes ternos caros.

Segundo seu LinkedIn, Nerto Ais se formou em Direito pela Universidade de Fortaleza em 2006. Atuou como advogado no escritório Marcos Inácio Advocacia até 2016.

Claramente, a construção de imagem é um ponto fundamental de toda sua empreitada. Ele mesmo disse recentemente aos clientes que questionava a falta de pagamentos: “A garantia sou eu”.

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Embora Antônio seja o rosto da Braiscompany, é a sua esposa Fabrícia quem de fato toca o dia a dia empresa. Seria ela quem decide qual a porcentagem de lucro mensal que a Braiscompany vai distribuir aos clientes, além de controlar toda a parte de trade da empresa.

“Quem faz tudo acontecer ali é ela. O Antônio só assina e faz vídeo”, diz uma ex-funcionária da companhia ouvida pelo Portal do Bitcoin. “Ele é espertinho, mas quem é mais esperta é ela… muito mais.”

A profissional relembra também um caso polêmico que presenciou dentro da Braiscompany, que foi quando foi descoberto que Fabrícia recebia Bolsa Família enquanto ostentava uma vida de luxo.

Dados mostram que dinheiro do Bolsa Família fluiu para os bolsos da empresária, mesmo após ela ter fundado a Braiscompany com o marido, em junho de 2018. No total, ela recebeu do programa R$ 15.556, entre julho de 2014 e setembro de 2019.

Quando o Portal do Bitcoin repercutiu essa descoberta em matéria de 2020, o advogado da empresária disse que ela era do “sertão da Paraíba, desempregada, sem dinheiro e com necessidades” e, por isso, “fez uso de um direito como todo cidadão do Brasil”.

Por que a Braiscompany começou a ruir?

A Braiscompany começou a ruir em dezembro de 2022, quando passou a atrasar os pagamentos mensais que deveria fazer aos clientes do serviço de aluguel de criptomoedas.

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A empresa deveria fazer pagamentos todos os dias 10, 20 e 30 do mês para a sua base de clientes. Ao não ser capaz de cumprir com as obrigações determinadas nos contratos, passou a dar diferentes desculpas para tentar explica a falta de dinheiro.

A Brais disse que o primeiro atraso aconteceu porque o grupo estava atualizando seu sistema interno para se preparar para o lançamento do aplicativo Brais App, um projeto que nunca saiu do papel.

Em seguida, a empresa justificou que os atrasos continuaram por culpa dos próprios investidores, citando supostas inconsistências nos endereços de criptomoedas fornecidos por eles.

No início de 2023, a empresa mudou a narrativa e passou a jogar a culpa na corretora de criptomoedas Binance. Segundo a Braiscompany, a exchange estava bloqueando os fundos da empresa, o que a impossibilitou de realizar os pagamentos em dia.

Neto revelou que 80% de todo o capital investido na empresa, estimado por ele na época em cerca de R$ 600 milhões, está dentro da Binance. 

Com a incapacidade de resolver o problema, a situação da Brais foi se agravando e os investidores ficando cada vez mais desconfiados.

O coro de clientes indignados com os atrasos cresceu tanto que a Braiscompany desativou os comentários no seu Instagram — isso depois de excluir das postagens quaisquer críticas à empresa.

Isso não impediu que investidores procurassem outros canais para demonstrar insatisfação, como o site Reclame Aqui e grupos de Telegram e WhatsApp.

Em Janeiro, reportagem do Portal do Bitcoin mostrou que cerca de 30 pessoas estavam na sede da empresa em Campina Grande. O motivo do “acampamento” era justamente o medo do prejuízo causado pelos atrasos nos pagamentos.

Muitas afirmaram: “Não vamos sair daqui até a empresa nos dar alguma garantia ou pagar o que nos deve”. Marileide — que não quis revelar o sobrenome —, 46 anos, tinha duas parcelas de pagamentos atrasadas. “A gente têm medo de falar, se expor na mídia e a empresa não gostar e ‘marcar’ a gente”, disse a investidora na época. 

Quando a Braiscompany começou a ser investigada?

Embora a Braiscompany tenha começado a ruir no final do ano passado, especialistas do mercado viam indícios de pirâmide financeira nas operações da empresa desde 2020.

Naquele ano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Ministério Público começaram a investigar a empresa, mas os processos não avançaram. Na época, o MP alegou que não havia consumidores lesados e por isso o caso não foi adiante.

Em setembro de 2022, o MP da Paraíba arquivou a investigação contra a Braiscompany para, apenas quatro meses depois, a empresa começar a parar de pagar os clientes — forçando o MP a reatar as investigações.

“O procedimento foi instaurado no último dia 26 de janeiro, tendo o representante do Ministério Público da Paraíba (MPPB) tomado as providências extrajudiciais com vistas à conciliação, inclusive, com a designação de audiência na última quinta-feira (2/2), à qual a Braiscompany não compareceu”, disse o órgão a respeito da retomada das investigações.

À frente das análises está o promotor de Justiça de Campina Grande e diretor-regional do MP-Procon, Sócrates da Costa Agra, que havia afirmado “estar apurando denúncias de alguns investidores que não estariam recebendo as remunerações acordadas em contratos com a empresa Braiscompany”.

Com a operação Halving deflagrada pela Polícia Federal nesta quinta-feira (16), foi descoberto que as autoridades policiais também estavam investigando a Braiscompany nos últimos tempos.

Do que a Braiscompany é acusada?  

De acordo com os mandados de prisão de Antônio e Fabrícia, aos quais o Portal do Bitcoin teve acesso, o casal é suspeito de ter cometido pelo menos cinco crimes.

A lista começa com a infração à Lei nº 1.521, ligada aos crimes contra a economia popular. Trata-se da forma como as pirâmides financeiras geralmente são enquadradas pela lei brasileira.

O art. 2º descreve ser crime “obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos”. Outro trecho do artigo enquadra na lei também a violação de “contrato de venda a prestações, fraudando sorteios ou deixando de entregar a coisa vendida, sem devolução das prestações pagas”.

A lista de acusações contra os donos da Braiscompany continua com a infração ao artigo 296 da Lei nº 2.848, que trata sobre falsidade documental. 

O artigo em questão diz ser crime “falsificar, fabricando-os ou alterando-os: I – selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município; II – selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião”.

A Braiscompany já foi denunciada no passado por mentir sobre ter vínculos com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA). Em 2020, a entidade precisou vir a público desmentir a Braiscompany, que dizia possuir o selo da ANBIMA. Não só a empresa não era associada, como também não era aderente aos Códigos de Melhores Práticas da ANBIMA.

Os outros três crimes que os donos da Braiscompany são acusados de terem cometido estão baseados na Lei nº 7.492, que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional. No mandado de prisão, constam as infrações aos artigos 4, 7 e 16 da lei.

O art. 4º diz ser crime gerir fraudulentamente instituição financeira, com o art. 7º condenando a emissão, oferta ou negociação de títulos ou valores mobiliários sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente. 

Já o art 16º estabelece ser crime operar, sem a devida autorização, uma instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio.

A Braiscompany nunca teve autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou do Banco Central para captar e fazer gestão de dinheiro de investidores. O uso de Bitcoin para captar fundos dos clientes era inclusive considerado por ex-funcionários como uma estratégia da empresa para tentar escapar da vigilância dos reguladores.

As penas apenas dos crimes contra o sistema financeiro nacional passam dos 12 anos de reclusão e multa.

Os clientes da Braiscompany poderão receber o dinheiro de volta?

Não será algo fácil. Outras pirâmides que desmoronaram — como a GAS Consultoria, criada por Glaidson Acácio dos Santos, o chamado Faraó do Bitcoin — deixaram milhares de pessoas Brasil afora com prejuízo no bolso.

No processo da GAS, os ativos da empresa, tanto físicos quanto digitais, seguem bloqueados pela Justiça enquanto prossegue a discussão judicial que envolve a companhia.

O advogado Sergio Zveiter, nomeado administrador judicial do processo da GAS, abriu um cadastro para inscrição dos credores da empresa. Constam até o momento mais de 122 mil investidores que fizeram a inscrição em um site, cuja soma dos valores informados é de cerca de R$ 9 bilhões.

Já no caso da Braiscompany, um problema extra é que os balanços da empresa estão repletos de imprecisões e dados duvidosos, segundo artigo escrito ao Portal do Bitcoin por Felipe Pontes, COO da Economatica e doutor em contabilidade.

“Eu acredito que é extremamente improvável que o dinheiro seja recuperado“, escreveu Pontes. “Com base nas informações contidas nas demonstrações contábeis, aparentemente a Braiscompany, no período analisado, nunca teve efetiva capacidade de pagar o ‘aluguel’ dos bitcoins de seus clientes”.

Um ponto em comum entre os dois casos é que os credores precisam torcer que o patrimônio financeiro das empresas tenha sido formado de forma lícita. Caso contrário, parte ou todo dinheiro que poderá ser tomado pela Justiça corre o risco de ir para a União.

Isso porque, em junho, a juíza Rosália Moneiro Figueira, titular da 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, considerou a possibilidade da Justiça enviar os bens da GAS aos cofres do governo caso não seja comprovada a origem dos ativos, pois, segundo investigadores federais, os bens podem pertencer a criminosos.

Caso essa mesma tese seja adotada no caso da Braiscompany, pode dificultar ainda mais a vida de quem investiu seu patrimônio no negócio.

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