Moeda de bitcoin sob base de martelo de juiz
Foto: Shutterstock

Qualquer discussão sobre regulação de criptoativos precisa reconhecer sua eficácia limitada, dado que a tecnologia subjacente dificulta a intervenção estatal nas transações realizadas. Contudo, o mercado cripto é caracterizado pela presença de prestadores de serviços muito semelhantes ao do mercado financeiro tradicional, com uma centralização que destoa da promessa original de desintermediação. Os esforços regulatórios dos Estados têm sido direcionados a essas empresas.

Nesse ano, observamos iniciativas regulatórias importantes, vejamos as principais a seguir.

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A lei brasileira, enfim

O ano termina com o PL 4.401/21 aprovado e remetido à sanção presidencial, criando uma disciplina jurídica para ativos virtuais. O Poder Executivo federal designará um regulador para instituir um regime de autorização para prestadores de serviços de ativos virtuais e sujeição à fiscalização e penalidades, além do dever de comunicação obrigatória ao COAF de operações suspeitas de lavagem de dinheiro. As reações ao texto aprovado foram diversas.

No próximo ano, haverá um debate intenso sobre os requisitos para a autorização, regras de conduta e, ainda, alguns pontos que ficaram de fora, principalmente a segregação entre o patrimônio da empresa e dos seus clientes, de modo a restringir o mau uso dos recursos, prevenindo colapsos como os da Celsius e FTX.

Enquanto a não lei produz efeitos, as autoridades têm atuado de forma repressiva e com hesitação, muitas vezes quando os danos são irreversíveis. Por ora, não há como saber se o novo regime ajudará efetivamente a prevenir pirâmides, manipulação de preços, insider trading e outras disfunções típicas do mercado de capitais.

A CVM entra em cena

Após proferir alertas ao mercado desde 2017, a CVM tornou-se mais presente no debate regulatório sobre o tema com o Parecer de Orientação nº 40/22, sistematizando entendimentos, notadamente quando a CVM tem competência para exigir o registro prévio à emissão de um token, trazendo algumas diretrizes sobre a atuação futura da autarquia sobre o tema.

Em 2022, também merecem destaque as empresas participantes do sandbox regulatório da CVM – BEE4, QR Vortx e SMU – seguiram desenvolvendo seus projetos de emissão de tokens sob a supervisão do regulador brasileiro. Um novo edital deve sair em 2023, conforme divulgado pela CVM.

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Outras questões no Brasil

Apesar das iniciativas mencionadas, ainda persistem discussões sobre a penhora de criptoativos, a sucessão envolvendo ativos digitais, tokenização imobiliária e tributação, seja sobre quais impostos incidem em determinadas transações, seja sobre o ganho de capital na permuta entre criptoativos.

Em outubro, o COAF descontinuou o acesso ao Siscoaf que fora fornecido a exchanges brasileiras para reportar operações suspeitas de lavagem de dinheiro. O acesso só será restabelecido após a futura autorização.

Europa

Na União Europeia, houve avanços no processo legislativo da diretiva Market in Crypto Assets (MiCA), uma regulação abrangente com foco principal na negociação e na prevenção e repressão a abusos de mercado. A norma também institui um regime de aprovação prévia para prestadores de serviços envolvendo criptoativos, regras para a governança, organização e operações de empresas que emitem criptoativos e medidas para proteger o investidor-consumidor e reprimir abusos no mercado, garantindo a sua integridade.

Um ponto importante da norma é a exigência da identificação das partes nas transações de qualquer valor, mas sem a proibição ou rastreio a carteiras privadas ou autocustodiadas, como chegou a ser proposto e uma ideia que foi abandonada também pelo Reino Unido, onde há expectativa de criação de uma regulação amigável.

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Em março, uma emenda que proibiria tokens que utilizassem proof-of-work como mecanismo de consenso foi rejeitada, aliviando o receito de muitos de que o bitcoin poderia ser banido da União Europeia.

Em abril, foram impostas diversas restrições a transações com criptoativos para residentes na Rússia, no bojo de sanções econômicas àquele país em virtude da guerra contra a Ucrânia, culminando em uma proibição total em outubro.

Com NFTs e stablecoins na mira dos reguladores, participantes do mercado discutem se a regulação sufocará a inovação.

EUA

Nos Estados Unidos, alguns projetos de lei foram apresentados, com destaque para o projeto da Senadora Cynthia Lummins. Desde o ano passado, o lobby pró-regulação em Washington foi intensificado, tendo Coinbase, a16z e FTX como protagonistas. O objetivo dessas iniciativas é acomodar algumas empresas aos serviços já regulados e criar regras especiais envolvendo não só um regime de autorização, mas também sua tributação específica. Diversos comandos do Poder Executivo federal dos EUA (executive orders) têm impulsionado a criação de grupos de trabalho e divisões de enforcement para a intervenção estatal na criptoeconomia naquele país.

Merece destaque a atuação da SEC (regulador norte-americano do mercado de capitais) sobre diversos projetos cripto, junto com iniciativas para expandir a interpretação de termos das normas vigentes para autorizar medidas de enforcement no setor.

Outros países

Em 2022, também merecem menção iniciativas na Argentina (sob grave crise monetária), Uruguai, Colômbia, Panamá e Japão (no âmbito das stablecoins). Após o colapso do projeto Terra/Luna, entidades como o Financial Stability Board (FSB) e o Bank of International Settlements (BIS) têm se voltado às stablecoins, mas sem a edição de norma específica sobre o tema.

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Dificuldades à vista

O mercado cripto é global. Se alguns países estabelecem um padrão rígido, surgirão paraísos regulatórios. Não adianta olhar apenas a regulação em um único país e, ainda assim, sempre haverá o risco de que algumas empresas fujam, estabelecendo-se em países menores e continuem a ofertar seus serviços, conduta conhecida como “arbitragem regulatória”.

Apesar do clamor por regulação, além da dificuldade que os Estados têm de acompanhar o ritmo da inovação, ainda há a grande probabilidade de que as normas editadas tenham pouca eficácia e sirvam apenas de “espantalhos” para gerar a impressão de alguma segurança jurídica e atrair investimentos para o setor. O futuro da regulação cripto dependerá da efetividade da aplicação das normas criadas. Seguimos oscilando entre a esperança e a angústia.

Sobre o autor

Isac Costa é sócio de Warde Advogados e professor do Ibmec e do Insper. Doutorando (USP), mestre (FGV) e bacharel (USP) em Direito e Engenheiro de Computação (ITA). Ex-Analista da CVM, onde também atuou como assessor do Colegiado.

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