Bitcoin Banco: a história da falsa empresa que foi da ostentação à falência

Conglomerado, criado pelo falso Rei do Bitcoin, é acusado de golpe de R$ 1,5 bilhão
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Lucinara e Claudio Oliveira (Foto: Divulgação)

Das promessa de lucros exorbitantes a um rombo bilionário. De empresa que movimentava bilhões de reais em bitcoin à falência. Dos eventos luxuosos em hotéis a ameaças e ordens de despejo. De mansões de US$ 6 milhões a uma sala de menos de 15 metros quadrados na custódia da Superintendência da Polícia Federal do Paraná.

Essa sucessão de quedas livres está presente na trajetória do grupo Bitcoin Banco, conglomerado chefiado por Claudio Oliveira, o falso ‘Rei do Bitcoin’, que foi preso no início desta semana em Curitiba (PR), acusado de estelionato, lavagem de capitais e organização criminosa, além de delitos contra a economia popular e o sistema financeiro nacional

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É uma história digna de terra arrasada, orquestrada por um estilonado que, segundo a Polícia Federal (PF), usava de ‘técnicas avançadas de embuste’ para enganar suas vítimas. Abaixo, o Portal do Bitcoin resgata a linha do tempo do esquema, que deixou um prejuízo de R$ 1,5 bilhão a pelo menos 7 mil pessoas.

Parte 1 – ostentação e início da queda

Até abril de 2019 – Nessa época, o Bitcoin Banco promovia eventos cheios de pompa, como o Universo Bitcoin, no Hotel Unique, em São Paulo. A atividade contou até mesmo com a presença do economista Ricardo Amorim em seu encerramento, além de celebridades como o apresentador Amaury Jr. e o humorista Marcelo Madureira.

A exchange brasileira NegocieCoins, um dos braços do grupo, chegou a movimentar 100 mil Bitcoins em 24 horas. O valor equivalia a mais de R$ 2 bilhões na cotação da época, segundos dados próprios da API da corretora.

Maio de 2019 – começam os primeiros passos do que marcaria a derrocada do Bitcoin Banco. Após seguidas reclamações quanto a saques, a NegocieCoins estabeleceu um limite para essa operação e travou reais e bitcoin de seus clientes.

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A empresa afirmou que a crise ocorreu devido a uma invasão hacker, que gerou R$ 50 milhões de prejuízo — tese que mais tarde seria desmontada pela Polícia Civil.

De quebra, esse fato também ajudaria pouco depois a revelar o “segredo” para a alta movimentação entre as exchanges do grupo: um esquema de arbitragem infinita.

Nele, os clientes ficavam comprando e vendendo criptomoedas entre as duas exchanges (de maneira infinita) e gerando altíssimos lucros e um curto período de tempo. Um dos clientes relatou no Portal do Bitcoin ter feito mais de 3.000% em cima do seu investimento, mas perdeu tudo.

Também começou nessa época a temporada de desculpas e promessas quebradas de Cláudio Oliveira, dono do GBB. “Compreendo que está complicado, mas vamos resolver. Tá todo mundo reclamando dos saques em criptomoedas, está certo. Mas nós estamos fazendo saques manuais e mexendo na plataforma”, disse ele na época sobre os problemas de saques.

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Parte 2 – Crise se acentua

Junho e julho de 2019 – com a persistência dos saques travados, Oliveira repetiu a estratégia da Minerworld, acusada de ser uma pirâmide financeira, e anunciou uma criptomoeda para resolver os pagamentos pendentes.

Essa reportagem, inclusive, foi alvo de tentativa de censura do Bitcoin Banco em relação ao Portal do Bitcoin, o que foi negado Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR).

Datam de junho ainda algumas das primeiras decisões judiciais contra as empresas do conglomerado GBB, estabelecendo bloqueios de contas e prazos para liberar saques de clientes.

Em uma tentativa de demonstrar força, o GBB ainda anunciou a compra de um banco digital chamado Audax Bank, sobre o qual nada constava junto ao Banco Central.

Agosto a outubro de 2019 — Em agosto, o Bitcoin Banco foi alvo de um mandado de busca e apreensão em sua sede, em Curitiba. O ato foi referente ao processo de dois clientes que, juntos, possuíam mais de R$ 1,4 milhão travados nas corretoras do grupo. Semanas depois, já em outubro, o grupo passou a correr risco de despejo da própria sede por falta de pagamento de aluguel, condomínio e IPTU.

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Em mais uma promessa infundada, Oliveira anunciou em setembro que iria renegociar o dinheiro que os clientes tinham nas plataformas. Na mesma ocasião, chamou de “benefícios” os lucros obtidos nas transações.

Somente em outubro, após quase cinco meses do início da crise dos saques, o outrora “Rei do Bitcoin” admitiu ao jornal Valor Econômico que o grupo Bitcoin Banco tinha problemas de liquidez. No entanto, não deu maiores detalhes de como o negócio desandou e nem o que faria para restabelecer os fundos.

Também em outubro o GBB foi alvo de um “stop order” da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que informou que o grupo não se encontrava habilitado para ofertar investimentos publicamente.

Parte 3 — Recuperação judicial e rombo bilionário

Novembro de 2019 a fevereiro de 2020 — Em resposta a pedidos de falência do Bitcoin Banco por conta dos saques bloqueados, o grupo entrou com pedido de recuperação judicial de todas as suas empresas no começo de novembro. A chamada RJ foi aceita pela Justiça do Paraná no final do mesmo mês, suspendendo todas as ações contra o grupo.

A concessão da recuperação judicial foi criticada duramente por credores das empresas do grupo de Claudio Oliveira. O processo foi visto como uma forma de anular quaisquer negociações feitas anteriormente e invalidar todos os pedidos de falência do grupo econômico. O conglomerado alegou se tratar de empresas viáveis economicamente.

O grupo alegava dever mais de R$ 600 milhões aos clientes. No entanto, a EXM, empresa designada para a Recuperação Judicial encontrou um rombo muito maior, de quase R$ 2,7 bilhões, além de uma série de problemas nas contas do Bitcoin Banco.

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Junto com o rombo veio à luz ainda a lista de credores do Bitcoin Banco, que inclui líderes da empresa, grandes empresas e até celebridades como o apresentador e empresário Roberto Justus.

Em fevereiro, a Justiça do Paraná chegou a suspender a Recuperação Judicial do Bitcoin Banco, retomada no mês seguinte.

Parte 4 —Novas desculpas e novas irregularidades

Março a maio de 2020 — Somente no final de março o grupo de Cláudio Oliveira apresentou seu plano de recuperação judicial. Afirmou que pagaria para cada pessoa física o valor equivalente a 0,1 Bitcoin no prazo de até 90 dias e para as empresas, 0,33 Bitcoin em até 30 dias após a homologação do processamento da recuperação judicial. Casos com pendências maiores, no entanto, seriam quitados em um prazo que poderia chegar a sete anos.

Segundo o GBB, as medidas do plano de recuperação se justificariam para a manutenção do “soerguimento das empresas”. O grupo pretendia com isso “continuar suas negociações de criptomoedas nas suas plataformas.

Naquele mês, Oliveira também resolveu optar por uma postura agressiva contra aqueles que considera culpados pelos problemas de seu conglomerado. Ele atribuiu ao ex-diretor jurídico Ismair Couto as irregularidades atribuídas ao grupo econômico e levou o caso à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Por outro lado, continuaram os calotes a clientes e seus efeitos. Além de travar saques da plataforma Zater Capital — por onde o grupo diz tentar “ressurgir” —, o GBB se viu despejado de seu escritório em São Paulo por falta de pagamento do aluguel

A Recuperação Judicial continua a revelar novas irregularidades dentro do GBB. Dentre elas estão a transferência sem explicação de supostos 7 mil bitcoins para outras carteiras, divulgada em maio.

A EXM, administradora judicial do GBB, pediu para a Justiça que as recuperandas fossem intimadas para apresentar os devidos esclarecimentos. E mencionou sobre a possibilidade de o GBB e seus responsáveis responderem por crimes apontados na Lei de Falências, como fraude a credores (previsto no artigo 168).

Do lado da Polícia Civil do Paraná, foi ainda desmontada a tese defendida pelo grupo sobre o suposto ataque hacker que teria motivado a crise de saques. A conclusão dos investigadores é que tudo não passou de uma estratégia para não pagar milhares de clientes por todo o país.

Parte 5 – Mais mentiras

De junho de 2020 até dezembro de 2020 – Nesse período, a EXM continou apontando irregularidades do grupo, como falta de informações contábeis, fiscais e financeiras pendentes, que seriam essenciais para a elaboração dos relatórios mensais de atividades.

“Há quase 7 meses da decisão que determinou a apresentação dos balanços com as notas explicativas, as recuperandas continuam se utilizando de expedientes diversos, buscando se furtar da responsabilidade de apresentação dos documentos que já deveriam estar em sua guarda desde o início deste procedimento Recuperacional”, disse a administradora judicial em relatório recente.

Em julho daquele ano, a Justiça do Paraná expediu uma ordem de despejo contra o conglomerado, que funcionava nos quatro andares do Edifício Tiemann Headquarters, no centro de Curitiba, por causa de uma dívida de R$ 266.664,00 em aluguel.

Em agosto, a juíza Camile Santos de Souza Siqueira, da 3ª Vara Criminal de Curitiba (PR), disse que o caso deveria ser investigado pela Polícia Federal, visto que “por qualquer ângulo que se examine, conclui-se que está caracterizada a prática de crime contra a sistema financeiro nacional”, falou.

Daquele mês para cá, o falso Rei do Bitcoin esvaziou o patrimônio da empresa, demitiu os antigos funcionários (sem pagar as verbas rescisórias) e deu novos calotes nos prestadores serviços, inclusive na própria administradora judicial. A dívida contraída após a aprovação do processo de recuperação judicial foi de R$ 20 milhões.

Parte 6 – Prisão e falência

A partir de janeiro de 2020 – A EXM Partners, os credores e o Ministério Público pediram para a Justiça determinar a falência do grupo. “As recuperandas vêm usando-o (processo) para postergação infinita de dívidas em prejuízo deliberado aos credores de forma cada vez mais clara e evidente, mas, também, com fortes indícios da prática de crimes falimentare”, disse a administradora judicial em maio.

Nesta semana, dois anos depois do início do golpe, o falso do Rei do Bitcoin, sua esposa, Lucinara Silva, e outros integrantes do esquema foram presos pela PF. Na operação, 90 policiais federais cumpriram, em Curitiba e Região Metropolitana, um mandado de prisão preventiva, quatro mandados de prisão temporária e vinte e dois mandados de busca e apreensão.

Bolos de dinheiro, joias, carros de luxo e carteiras físicas de criptomoedas foram apreendidas durante a operação. A Justiça também decretou o sequestro de valores e imóveis, entre eles uma mansão de US$ 6 milhões na Grande Curitiba, comprada com dinheiro desviado de investidores.

Na terça-feira (8), a 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de Curitiba decretou a falência do Grupo Bitcoin Banco. Na decisão, a juíza responsável pelo caso reconheceu que “o administrador judicial e o Poder Judiciário, assim como o processo de recuperação judicial, foram utilizados para ganhar tempo para ocultar bens, em desfavor dos credores”.