Quando o designer industrial e artista de tokens não fungíveis (ou NFTs, na sigla em inglês) Joshua Skirtich faz esculturas em realidade virtual (ou VR), ele se desvincula das limitações do mundo real. Pode sonhar com coisas que não são inspiradas no ambiente físico ao seu redor, e sim com uma tela digital e infinita que pode ser usada como ele quiser.
Esse é um detalhe fundamental pois, quando remove seu headset “Meta Quest 2”, ele volta para seu quarto quase vazio de 100 metros quadrados no Queens, em Nova York, com um pouco mais do que uma mesa de computador em um canto.
As paredes são intencionalmente brancas e o chão é coberto por borrachas de espuma de EVA macias e encaixadas, como a entressola de um tênis.
“Todo o meu chão é basicamente um grande tênis agora”, disse Skirtich ao Decrypt. “É muito confortável quando estou esculpindo em VR e meu único contato com o mundo externo é por meio dos meus pés.”
Skirtich tomou uma decisão consciente de remover qualquer coisa que o fizesse se lembrar do mundo físico de seu lar — um pequeno quarto em um apartamento que ele aluga todo mês — para tentar desbloquear as possibilidades criativas de criação no e para o metaverso.
Decidi colocar Jenesis no Guggenheim, no Museu Metropolitano de Arte [MET] e no MoMa [Museu de Arte Moderna de Nova York] para fragmentar minha percepção de arte física como a arte dominante e digital, como algo sem valor/secundário.
Acredito que memes, a arte digital e conteúdo sejam a arte relevante da nossa época.
Não acredito que a arte digital precise ser feita à mão para gerar mérito adicional mas, para esse projeto, todas as figuras foram esculpidas à mão via VR, priorizando a melhor experiência visual em futuras aplicações de realidades virtual/aumentada.
[8/9] I don’t believe digital art needs to be handmade to earn additional merit, but for this project, all figures were hand-sculpted in VR, prioritizing the best viewing experience in VR/AR/future applications. pic.twitter.com/LpY6EfKahK
— Joshua (@JoshuaSkirtich) March 3, 2022
“Removi virtualmente tudo o que faço, então eu não seria influenciado pela forma como tradicionalmente vivemos”, disse.
“Esse quarto parece vazio, mas na VR [ou realidade aumentada], tenho espaço e material infinitos com os quais trabalhar. De certa forma, esse quarto me faz sentir como se eu estivesse em uma espaçonave e permite que eu leve minhas ideias malucas mais a sério.”
Skirtich é o designer de Jenesis, uma série de esculturas digitais vendidas na forma de NFTs desenvolvidos no Ethereum. Um NFT atua como uma prova de propriedade sobre um item e, nesse caso, cada NFT Jenesis representa uma figura única em 3D que ele esculpiu à mão via VR.
As esculturas podem ser digitalmente inseridas em ambientes físicos via realidade aumentada (ou AR) ou impressas em 3D.
Jenesis é o primeiro produto da tentativa de Skirtich em viver no metaverso, por assim dizer — um conceito que até ele admite ser “cômico” agora, pois “não temos ideia do que é”.
O metaverso se refere a uma versão futura e mais imersiva da internet que as pessoas vão usar para trabalhar, jogar e socializar via avatares em ambientes 3D.
A expectativa é que a tecnologia blockchain impulsione o futuro metaverso, em que NFTs serão usados para representar coisas, como avatares e vestuários, que poderão ser acessados em diversos espaços on-line e interoperáveis.
Porém, neste momento, o termo “metaverso” pode ser vago. O Facebook está desenvolvendo com foco no metaverso, mas este não pode ser tão aberto ou favorável a cripto como outras visões para o setor.
Quando grandes empresas de tecnologia falam sobre o metaverso, seu foco poderá ser em experiências de VR e AR em vez de ambientes e espaços com NFTs.
Jogos de metaverso desenvolvidos no Ethereum, como Decentraland e The Sandbox (que ainda não estão finalizados) são atuais exemplos do que poderá ser o metaverso, mas poderá demorar anos até que essa visão tome forma em grande escala.
Enquanto isso, Skirtich está considerando as possibilidades para criadores com NFTs e em mundos digitais.
O gênese do Jenesis
Esse não é o primeiro pequeno apartamento de Skirtich em Nova York, mas ele tinha bem mais coisas no antigo apartamento.
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Anteriormente, ele morava em um local extremamente organizado de 88 m² no Brooklyn, que havia aparecido na revista Dwell em 2021, com ferramentas bem-organizadas em um painel e roupas penduradas e próximas ao teto, acessíveis via um sistema de roldanas.
Ele admite que “ficou tão obcecado com o design” do espaço — ele criou um catálogo de todas as coisas que possuía —, mas depois percebeu que não sentia o mesmo apego pelos itens. Em seguida, vendeu quase tudo o que tinha via Instagram e decidiu viver uma vida cada vez mais minimalista e digital.
“O problema dos objetos físicos é que você se cerca deles e, daqui a um ano ou dois, você realmente não os ‘sente’ mais”, explicou Skirtich sobre as memórias e emoções ligadas aos bens físicos. “Você talvez queira explorar outra coisa, mas você terá o fardo desses objetos e eles meio que te mantém como seu ‘eu’ anterior.”
Essa mudança de perspectiva foi bastante importante para Skirtich como um designer industrial que estava imerso no mundo dos bens físicos, variando de brinquedos, relógios, jarros a eletrodomésticos.
Antes de a pandemia começar, ele fazia o design de produtos para a loja de presentes do “Museu do Sorvete”, cuja forma era descrita por ele como uma “quase escultura”.
Em 2021, com o amadurecimento da indústria NFT e o debate sobre o futuro metaverso, Skirtich começou a explorar a possibilidade de criar e vender arte puramente digital — esculturas que não são necessariamente conscientes de dimensões realísticas e características de inspirações no mundo físico.
Jenesis possui 103 esculturas digitais que Skirtich descreve como a “criação de pinturas rupestres” no metaverso.
Ele chamou Jenesis de seu primeiro passo em direção à elaboração de seu próprio mundo no metaverso, o que explica o nome — uma referência à criação de histórias e mitos, além do “J” de seu primeiro nome para representar seu papel pessoal como criador.
Cada obra NFT é, sem dúvidas, inspirada em formas humanas, apesar de estarem em diversas poses e dimensões que sugerem linguagens corporais — e com um acabamento brilhante e desprovido de texturas ou detalhes claros. Cabe à interpretação do público e dos colecionadores, afirmou.
“O que a escultura digital e os NFTs serão capazes de fazer é fornecer às pessoas formas que nunca poderiam existir no mundo físico”, afirmou, notando que tais criações não precisam ser ligadas a materiais físicos ou fazer considerações. “Quero que mais pessoas pensem sobre a sutileza do quanto podemos fazer.”
A arte no metaverso
O mercado NFT explodiu em 2021, gerando cerca de US$ 25 bilhões de volume negociado tanto para obras de arte, colecionáveis, itens de videogame e mais — e, este ano, poderá quebrar ainda mais recordes, pois o primeiro trimestre gerou US$ 12 bilhões, segundo dados do DappRadar.
Muitos criadores voltaram sua atenção aos NFTs, que não apenas comprovam propriedade sobre o ativo original, mas também permitem a escassez de bens digitais que podem ser facilmente copiados e compartilhados.
Skirtich reconheceu o impacto de projetos iniciais e influentes de fotos de perfil, como os CryptoPunks, mas afirmou que o setor agora está repleto de coleções plagiadas.
“Chegou a um ponto em que muitas delas são derivativas, onde você tem pessoas apenas copiando umas às outras e criando objetos sem alma”, afirmou. “Olho para elas e não consigo dizer se foi uma pessoa que realmente as criou.”
Skirtich, que também foi o responsável pelo design de some.place, os recentes NFTs de acesso ao aplicativo de metaverso desenvolvido na blockchain Flow (que também conta com a atriz Brie Larson como fã), sugeriu que existe uma abundância de tecnólogos direcionando o setor NFT agora e que ainda é muito cedo para que artistas deem um passo e recorram ao meio.
Mas alguns artistas notáveis estão pensando sobre o metaverso. O artista e escultor Daniel Arsham contou recentemente ao Decrypt que utiliza NFTs para fazer arte que “não seria possível” de realizar com materiais e obstáculos físicos e que grande parte dos conceitos que ele imagina para a criação do metaverso será “bem mágica”.
printed my @0xf6ae Jenesis 58 for a nice little paper weight pic.twitter.com/9vrLLFqvF0
— Nicholas Baker (@nickpbaker) March 10, 2022
Embora possamos ver cada vez mais artistas tradicionais e bem-estabelecidos migrarem para o mundo dos NFTs — como Arsham, Damien Hirst e outros —, Skirtich também acredita que a tela digital e infinita, bem como as ferramentas e infraestrutura melhoradas vão “democratizar a imaginação”, permitindo que qualquer pessoa traga suas ideias criativas à vida e as compartilhe com o mundo via NFTs.
“Sempre haverá alguns artistas inovadores, mas acredito que as melhores artes virão quando os meios de distribuição estiverem bastante definidos para que pessoas comuns possam exibir [suas artes]”, explicou.
“Vamos chegar em um ponto em que qualquer pessoa poderá exibir suas ideias virtualmente e isso irá equilibrar as coisas, dando a todos uma chance de expressar suas ideias”, acrescentou Skirtich.
“Qualquer um que puder pegar um headset ou algum tipo de ferramenta de criação poderá dizer: ‘É isso o que está em minha mente. Aqui está. Veja.’ Estou tão empolgado com isso.”
*Traduzido por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co.