“O inimigo de meu inimigo é meu amigo”, escreveu na terça-feira (17) o entusiasta de criptomoedas e criador da casa de análises Messari, Ryan Selkis, em um pedido final para que a comunidade cripto cesse a constante troca de farpas sobre quem é melhor: Bitcoin ou Ethereum.
As brigas entre os maximalistas de BTC e os fãs do Ether não surgem de um evento isolado, mas circulam na comunidade de forma constante há um longo tempo.
De um lado os maximalistas argumentam que o Bitcoin é a moeda nativa da internet, o primeiro e o melhor criptoativo que existe. Do outro lado, há quem defenda a superioridade do Ethereum por criar os contratos inteligentes e sustentar as principais inovações que são construídas no mercado cripto, desde outras criptomoedas como projetos descentralizados.
“Está muito cedo para dizer f***-se para os reguladores dos Estados Unidos e da União Europeia. A situação é precária. Há muitas pessoas de quem não gosto e com quem trabalho diariamente na missão muito maior de longo prazo de ajudar esta indústria a prosperar. Acho enlouquecedor que escolham lutar entre si ao invés de trabalhar para reformar o governo, big tech e os grandes bancos”, desabafou Selkis.
A moeda nativa da internet
Os ânimos da comunidade cripto se exaltaram na semana passada, quando Jack Dorsey, CEO do Twitter e maximalista do Bitcoin, postou um screenshot de um tweet que dizia: “A Fundação Ethereum é financiada por sua pré-mineração. O fato de eles pagarem a um pesquisador se exibir em podcasts proclamando que Ethereum é Bitcoin é exatamente porque os consideramos uma fraude”.
Apesar do contexto da mensagem ter sido outro — Dorsey falava sobre uma ferramenta do Twitter — a comunidade do Ethereum interpretou o ato como uma afronta. A esperança de que tudo não passou de um mal-entendido caiu por terra quando o empresário confirmou a alfinetada dizendo que “não existem coincidências” em relação à mensagem.
Embora já tenha afirmado que nunca investiria em ETH, Dorsey tentou amenizar a situação dizendo que não odeia o Ethereum, mas que prefere apenas focar na moeda nativa da internet: “concentrar-se nos princípios e na estrutura por trás de qualquer moeda é o que importa. Portanto, para mim, o Bitcoin”.
As discussões se espalharam pela rede social, com o cofundador do Ethereum e da Cardano, Charles Hoskinson, dizendo que o ETH é melhor que Bitcoin.
O foco exclusivo no BTC é compartilhado por outros maximalistas da moeda, como o CEO da MicroStrategy, Michael Saylor, que já chegou a dizer que diversificar é “vender o vencedor para comprar os perdedores”.
De forma geral, as críticas dos maximalistas do Bitcoin tendem a residir no fato de que o Ethereum, por mais incrível que seja, não é o BTC e não compartilha de suas melhores características como escassez, popularidade e total descentralização. Já os mais extremos do lado do ETH tendem a se concentrar na suposição de que o Bitcoin está ficando para trás por não se adaptar as inovações do mercado.
Os problemas do Bitcoin
A participação do pesquisador do Ethereum Foundation, Justin Drake, no podcast da jornalista Laura Shin na última quarta-feira (11), resumiu bem os principais problemas que os defensores de Ether têm contra o Bitcoin. O episódio, inclusive, foi o que motivou o tweet polêmico compartilhado por Jack Dorsey.
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Na ocasião, Drake se aprofundou nas razões pelas quais teme que o BTC terá problemas no futuro, motivado pela falta de proatividade em implementar melhorias na rede. O ponto central na visão do desenvolvedor é a falta de garantia de que a blockchain se manterá segura quando o Bitcoin deixar de ser gerado e os mineradores passarem a ser recompensados apenas com as taxas de transação.
O controle inflacionário do BTC, que determina que apenas 21 milhões de tokens existam no mercado, é visto como um dos pontos mais atraentes da moeda. Para chegar a esse limite, a cada quatro anos acontece o halving, que corta pela metade a quantidade de tokens gerados a cada bloco minerado.
De acordo com Drake, quando os mineradores deixarem de ser recompensados com novas moedas no futuro, apenas as taxas de transações não serão suficientes para incentivar a comunidade a continuar dedicando poder computacional para a rede, algo essencial para garantir a segurança de uma blockchain baseada no consenso de prova de trabalho, como a do BTC.
“Assim você percebe que muito em breve o Bitcoin vai se tornar um sistema muito instável, e não vai acontecer daqui 100 anos, vai acontecer daqui 20 ou 30 anos, quando a emissão for perto o suficiente de zero, insuficiente para proteger a blockchain do Bitcoin”.
O “problema” é que o Bitcoin é um projeto totalmente descentralizado, sem uma fundação por trás ou líderes com nome e rosto — diferente do Ethereum —, de tal forma que atingir um consenso na comunidade sobre qualquer mudança importante na rede é uma grande dificuldade.
A Taproot, por exemplo, vai ser a primeira atualização que a criptomoeda recebe em quatro anos e, mesmo sem contar com uma melhoria polêmica, sua implementação não foi pacífica.
Justin Drake aponta três mudanças que o Bitcoin poderia adotar para contornar uma possível instabilidade no futuro:
A primeira — e o menos provável de acontecer — seria a comunidade abandonar o limite de 21 milhões de tokens emitidos, ou criar um novo mecanismo para controlar a inflação da moeda, capaz de garantir que a rede continue segura — como fez o Ethereum com a EIP-1559, que diminui a oferta da moeda através da queima de taxas.
O segundo cenário seria desacoplar o Bitcoin “blockchain” do Bitcoin “ativo financeiro”, para garantir a escassez do BTC e permitir que o ativo continue vivendo numa rede separada.
Em terceiro lugar, seria adotar o consenso de prova de participação.
“O Bitcoin adotou uma abordagem de curto prazo de previsibilidade, eles decidiram não mudar”, disse Justin Drake. Já o Ethereum, disse ele, trocou a previsibilidade a curto prazo para garantir que a moeda sobreviva a longo prazo no futuro.