Após ter o serviço de saques e depósitos em reais suspenso por três semanas, a corretora Binance buscou meios de contornar um eventual novo problema de natureza similar. Trata-se da SafetyPay, uma empresa que dá opções ao cliente para fazer os depósitos em reais em contas vinculadas a quatro bancos tradicionais.
O Portal do Bitcoin apurou que a exchange usou esse sistema de pagamentos paralelo, independentemente daquele mantido atualmente junto à Latam Gateway e ao banco BS2 e que é usado para processar as operações regulares da companhia. Na quarta-feira (21) o serviço foi retirado do ar, após o Portal do Bitcoin ter feito perguntas à empresa sobre o sistema.
O sistema alternativo usava grandes bancos — Bradesco, Santander, Banrisul e Banco do Brasil — para que um cliente pudesse realizar operações como, por exemplo, a compra de tokens da stablecoin BUSD — a criptomoeda da Binance pareada ao dólar americano — na plataforma corretora.
Depois dessa transação, a própria SafetyPay compra criptomoedas — como as stablecoins BUSD — e as deposita na conta do cliente na Binance. A transação é cara frente aos valores normalmente praticados no mercado de criptomoedas, com taxas de quase 5% para o cliente.
A reportagem do Portal do Bitcoin realizou uma operação através do sistema antes dele ser retirado do ar e teve os tokens da stablecoin BUSD depositados em uma conta na exchange. O documento abaixo é a comprovação da operação realizada na Binance através da SafetyPay.
Um executivo que atua no mercado de criptomoedas acredita que esse sistema seja uma espécie de back-up da Binance: a corretora estaria estaria tentando garantir uma alternativa para realizar pagamentos para o caso do sistema Latam Gateway/BS2 ser suspenso, como ocorreu no episódio Capitual/Acesso.
Esquiva da Binance
Já um advogado especializado em meios de pagamento e mercado financeiro afirma que esse tipo de estrutura tem implicações mais graves, podendo potencialmente ser usada como uma forma de contornar regulamentações do Banco Central (BC).
Segundo as regras do BC, Instituição de Pagamentos Emissora de Moeda Eletrônica precisam de licença prévia e seguir obrigações relacionadas à prevenção à lavagem de dinheiro, segurança da informação e regras operacionais. Além disso, contas de pagamentos, que armazenam moedas eletrônicas, têm que ser individualizadas pelos operadores.
O estopim para a crise entre a exchange e suas antigas parceiras Capitual e Acesso foi exatamente o desentendimento sobre regulações do BC, que emitiu uma determinação para que as companhias adotassem procedimentos para a coleta e registros de informações cadastrais individuais sobre os clientes. Esse cadastro deveria incluir dados sobre nacionalidade, local de nascimento, endereço, valor da renda mensal, patrimônio e profissão dos clientes.
A empresa se posicionou contra tais exigências. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, a corretora diz no processo que, por ser uma corretora internacional, não seria capaz de conseguir permissão de seus superiores fora do Brasil em 45 dias — prazo dado pelo BC — para seguir tais obrigações.
No caso do novo sistema, operações como o uso das stablecoins BUSD poderiam eventualmente abrir caminho para uma eventual contestação da classificação da exchange como Instituição de Pagamentos Emissora de Moeda Eletrônica e uma alegação de que, portanto, essas regras não seriam aplicáveis a ela.
Leia Também
De acordo com o advogado, “a Binance pode alegar que o BUSD é uma unidade de conta própria e que, apesar de ser um ativo de baixo risco, ele não é sem riscos e não corresponde a guarda de moeda nacional ou estrangeira”, analisa o especialista.
Questionada pelo Portal do Bitcoin sobre a nova parceria comercial, a Binance enviou uma nota na qual não nega o novo procedimento, se limitando a repete o comunicado feito sobre o acordo feito com a Latam Gateway. No texto, se limita a dizer que escolheu a Latam como sua nova parceira de pagamentos – “uma instituição mais comprometida com seus valores” -, mas não cita a SafetyPay. O comunicado reforça que “o Brasil é um mercado extremamente relevante para a empresa” e que ela pretende “contribuir para o desenvolvimento do ecossistema blockchain e cripto no país”.
Ruptura com a Capitual
Até 17 de junho quem operacionalizava os saques e depósitos em reais da Binance no Brasil era a empresa de meios de pagamento Capitual, que por sua vez utilizava a estrutura do Acesso Bank.
O desacordo comercial foi parar na Justiça. O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou o bloqueio de R$ 450 milhões que são de clientes da Binance e estavam em contas da Capitual.
A origem do problema está em como as instituições de pagamento são reguladas pelo Banco Central (Bacen). O Capitual, embora gire um grande volume financeiro, não é uma Instituição de Pagamento (IP) homologada. Por isso, a empresa usava os serviços da Acesso Bank, que é uma empresa de pagamentos regulada pelo Bacen.
O Capitual lucrava com os saques dos clientes da Binance e a Acesso, com as taxas de PIX e TEDs e mais as operações com dinheiro que ‘dormia’ na empresa, como é comum nesse segmento.
O problema é o que o Capitual chamou, em nota à imprensa, de uma atualização solicitada pelo Bacen ao Acesso que pedia “contas individualizadas” para a empresa.
O Capitual lucrava com os saques dos clientes da Binance e a Acesso, com as taxas de PIX e TEDs e mais as operações com dinheiro que ‘dormia’ na empresa, como é comum nesse segmento.
O problema é o que o Capitual chamou, em nota à imprensa, de uma atualização solicitada pelo Bacen ao Acesso que pedia “contas individualizadas” para a empresa.
Essa distinção de contas individualizadas é importante: antes, a Binance tinha junto ao Capitual e à Acesso diversas ‘contas-mãe’, onde operavam milhares de CPFs — mas os CPFs de cada cliente não estavam registrados na Instituição de Pagamento regulada. Segundo um funcionário ligado ao Banco Central que pediu para não ter o nome revelado, o procedimento é irregular.
Na prática, as contas da Binance dentro do Acesso não estavam individualizadas por cliente, mas agrupadas em um grande número de pessoas — como fossem grandes aviões nos quais não é possível saber quem é o passageiro.
Caso a Binance adotasse a nova regra, todos os seus milhões de clientes no Brasil precisariam criar uma conta na Acesso e fazer um novo KYC. As corretoras Huobi e Kucoin se adaptaram à nova regra, mas a corretora de Changpeng “CZ” Zhao disse que iria procurar outro parceiro para operar os saques e depósitos em BRL. Eventualmente, fechou parceria com a Latam Gateway.