Em dezembro de 2022 foi sancionada a Lei 14.478/22, que passou a ser chamada de Marco Legal das Criptomoedas. Após um longo percurso na Câmara dos Deputados e no Senado, o texto assinado pelo então presidente Jair Bolsonaro estabelecia parâmetros gerais e abria caminho para que detalhes fossem definidos de forma infralegal pelo Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Porém, os legisladores não estão satisfeitos: mais de dois anos depois, o Congresso tem na mesa diversos projetos para regulamentação do setor cripto.
De todos os textos apresentados, o mais profundo é um Projeto de Lei Complementar ainda sem número do deputado Lafayette de Andrada (PL-MG). O parlamentar é presidente da Comissão Especial sobre Direito Digital e o grupo de trabalho abriu uma consulta pública para debater o novo texto. O prazo para contribuições seria encerrado em 20 de dezembro, mas foi prorrogado para o dia 16 de março.
O PL de Lafayette de Andrada tem o espírito oposto ao do Marco Legal das Criptomoedas, buscando normatizar via lei conceitos específicos como contratos inteligentes (smart contract), os diferentes tipos de token, regras de funcionamento de corretoras e de processos de tokenização e até mesmo estipula os direitos dos investidores neste mercado.
Em suas justificativas, o PL reconhece que já existe uma lei normatizadora do setor, mas afirma que é necessário ir além: ““A Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022, introduziu algumas diretrizes gerais sobre o mercado de criptoativos. Porém, com a evolução das tecnologias, é hora de avançarmos na normatização para lidar com a complexidade e especificidade que o mercado atual demanda. A ausência de uma regulamentação detalhada, que englobe diferentes tipos de tokens e ativos digitais, limita a inovação e a proteção dos participantes do mercado.”
Um ponto de claro conflito entre o projeto de lei e o Marco Legal já aprovado é a definição de regras para corretoras de criptomoedas. O Banco Central foi escolhido pelo Poder Executivo para normatizar o tema e está conduzindo desde novembro do ano uma consulta pública para opiniões da sociedade sobre como devem ser as regras paras as Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (PASVs).
Já Lafayette de Andrada aponta no artigo 10 de seu projeto as regras para as empresas: necessidade de registro na CVM, segregação patrimonial, garantias de liquidez, auditorias frequentes e outros elementos.
Segregação Patrimonial em debate
Um dos pontos do projeto de Lafayette que deve entrar em conflito com outros textos é o fixação da necessidade de que as empresas do setor façam a segregação patrimonial dos ativos. Isso porque o tema está sendo tratado em um projeto de lei específico que já está em fase avançada de tramitação.
O Projeto de Lei 4932/23 foi proposto pela CPI das Pirâmides Financeiras e já foi aprovado na Câmara dos Deputados. No momento se encontra na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e está nas mãos do relator, senador Irajá (PSD-TO).
A segregação patrimonial faz com que o patrimônio dos clientes da empresa não possam ser objeto de arresto, sequestro, busca e apreensão judicial para cobrir obrigações de responsabilidade da prestadora de serviços de ativos virtuais, inclusive em casos de falência ou liquidação judicial ou extrajudicial.
Além da segregação patrimonial e da exigência de estar constituída no Brasil, o projeto de lei fixa que qualquer empresa que ofereça serviços de negociação de criptoativos deverá cumprir outras obrigações, como identificar seus clientes e manter cadastros atualizados, adotar políticas e controles internos adequados ao seu porte e volume de operações, e registrar-se no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
Outros Projeto de Lei da CPI
O PL da Segregação Patrimonial não é o único projeto proposto no relatório final da CPI das Pirâmides Financeiras. A Comissão também propôs o PL 4.931/2023, que quer mudar a legislação penal para endurecer o combate aos crimes com cripto. Uma das mudanças é promover a tipificação de pirâmides financeiras, esquemas ponzi e outros processos fraudulentos “que devem ser tratados com o rigor condizente com os atos perpetrados”.
O outro projeto de lei proposto pela CPI é o PL 4.933/2023 quer regulamentar a contratação de influenciadores digitais para qualquer tipo de ação de publicidade relativo a ativos virtuais.
O PL 4.931/2023 foi apensado ao PL 2512/2021 e está aguardando Criação de Comissão Temporária pela Mesa Diretora. O PL 4.933/2023 foi apensado ao PL 4302/2023 e agora espera um parecer do relator na Comissão de Finanças e Tributação (CFT).
PL das stablecoins
O relator do PL da Segregação Patrimonial na Câmara foi o deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), que foi presidente da CPI das Pirâmides Financeiras. O parlamentar do Rio de Janeiro é também autor do Projeto de Lei 4308/2024, que busca regulamentar o mercado de stablecoins no Brasil.
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Entre os principais pontos, destaca-se a definição de stablecoins como ativos virtuais projetados para manter um valor estável em relação a um ativo de referência, como moedas fiduciárias.
O PL de Aureo fixa que a emissão de stablecoins atreladas a moedas estrangeiras fica restrita a instituições autorizadas pelo Banco Central, reforçando a segurança e a legalidade das operações. Além disso, as stablecoins deverão ser integralmente lastreadas por ativos reais, vedando a utilização de derivativos ou instrumentos financeiros semelhantes, com auditorias trimestrais obrigatórias realizadas por auditores independentes.
No momento, o PL 4308/2024 está aguardando designação de relator na Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação (CCTI).
Zanatta mira Drex e autocustódia
Uma parlamentar que vem se interessando pelo setor cripto é a deputada Júlia Zanatta (PL/SC), que tem dois projetos para o setor. Um é bastante ambicioso: ela quer mudar a Constituição do Brasil para que haja uma disposição na lei maior proibindo a criação de uma CBDC, como são conhecidas as moedas digitais de bancos centrais.
Leia também: O que é uma moeda digital de banco central (CBDC)?
O Projeto de Emenda à Constituição de Zanatta tem 129 assinaturas de deputados e precisa de no mínimo 171 para começar a tramitar, conforme informações do jornal Folha de S. Paulo. O objetivo dela é interromper o desenvolvimento do Drex, projeto de infraestrutura que está sendo desenvolvido pelo Banco Central.
“Com o Drex, cada movimento seu será rastreado, e bastará um clique para bloquearem sua conta ou sumirem com seus recursos — seja qual for a desculpa. Estamos falando de controle total sobre a sua vida financeira!”, afirma Zanatta em um texto de um abaixo-assinado no qual pede apoio da população.
Zanatta é também autora do PL 311/2025, que estabelece o direito da população a fazer autocustódia de ativos digitais. A parlamentar defende que os brasileiros “não devem depender da intermediação de corretoras ou outras instituições financeiras”. O projeto está aguardando despacho do Presidente da Câmara dos Deputados.
O PL 311/2025 foi uma reação à minuta do Banco Central aberta para debate púbica que prevê a proibição de autocustódia de stablecoins. O tema gerou polêmica e o BC já disse que não é um ponto que está definido.
Reserva nacional de Bitcoin
Por fim, o PL 4501/2024, de autoria do deputado Eros Biondini (PL-MG), quer criar uma reserva nacional de Bitcoin. Conforme a proposta, o fundo se chamaria Reserva Estratégica Soberana de Bitcoins (RESBit) e teria como objetivo principal diversificar os ativos financeiros do Tesouro Nacional.
Além disso, segundo Biondini, a RESBit também serviria para proteger as reservas internacionais contra flutuações cambiais e riscos geopolíticos, fomentar o uso de tecnologias blockchain no setor público e privado e garantir lastro para a emissão do Drex.
“A formação da RESBit é uma medida estratégica que posiciona o Brasil na liderança da nova economia digital, reduzindo riscos econômicos e ampliando as oportunidades de desenvolvimento tecnológico e financeiro. A aprovação deste projeto é essencial para garantir a soberania econômica do país e alinhar o Brasil às tendências globais de inovação”, escreveu o deputado na justificativa para o projeto de lei.
O texto estipula uma aquisição planejada e gradual de criptomoedas, limitada a até 5% das reservas internacionais brasileiras. O PL 4501/2024 está aguardando designação de relator na Comissão de Desenvolvimento Econômico (CDE).
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