Binance processa Capitual, mas perde ação que obrigava a empresa a manter os saques em reais na corretora

Binance conseguiu em primeira instância que Capitual seguisse com serviços; empresa de pagamentos diz que cumpriu regra do BC ao parar
Imagem da matéria: Binance processa Capitual, mas perde ação que obrigava a empresa a manter os saques em reais na corretora

Foto: Shutterstock

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) suspendeu uma decisão de primeira instância que obrigava a Capitual a seguir prestando serviços para a Binance, sob pena de multa de R$ 10 mil por dia. O processo corre em segredo de Justiça, mas a decisão da corte foi publicada no Diário Oficial na quarta-feira (22).

Em primeira instância, a Binance obteve com o juiz Caramuru Afonso Francisco, da 18ª Vara Cível, uma decisão que obrigava a Capitual a continuar fornecendo o serviços de saques e depósitos em reais — interrompidos desde o dia 17 de junho.

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Na segunda instância, o desembargador Caio Marcelo Mendes de Oliveira, da 2ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), acolheu um Agravo de Instrumento da Capitual e suspendeu a decisão, afirmando apenas que estão presentes os requisitos legais para o pedido.

O processo tramita na Justiça Estadual de São Paulo com o número 1061302 38.2022.8.26.0100.

Exigência do BC no centro do debate

Pelo que se entende dos fragmentos públicos do processo entre Binance e Capitual aos quais a reportagem teve acesso, a corretora pediu na Justiça que o serviço fosse mantido. A gateway de pagamentos argumenta que, para isso, precisa de informações detalhadas sobre os clientes — algo que aparentemente a exchange não está disposta a conceder.

Na sua decisão, o juiz Caramuru determinou que a Capitual continue “fornecendo uma plataforma para aceitar e identificar depósitos, bem como realizar saques em reais por meio de diferentes métodos, realizando análises de conheça seu cliente (KYC) e conheça sua transação (KYT) para usuários da autora e relatórios em tempo real assim que as transações forem recebidas, manter acessível a pilha tecnológica necessária para que a plataforma funcione”.

Logo que os saques e depósitos na Binance foram travados, a Capitual divulgou uma nota deixando claro que o serviço não seguia por estar infringindo uma regra o Banco Central.

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“O Capitual pauta sua atuação pelo cumprimento da legislação e requisições dos órgãos reguladores e está comprometido com as medidas de combate à lavagem de dinheiro e financiamento de atividades ilícitas no mercado de criptomoedas. Desta forma, entende que as exigências de órgãos regulatórios, como o Banco Central, são mandatórias para sua operação e de seus parceiros comerciais”, diz um trecho da nota.

Segredo de Justiça

Alguns elementos no processo judicial chamam atenção. Um é o fato de tramitar em segredo de Justiça: a regra geral no Brasil é que os processos judiciais são públicos, sendo que o sigilo é guardado para algumas poucas ocasiões.

Em geral tramitam em segredo de Justiça processos vinculados ao Direito de Família, processos que contenham dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade e processos que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral.

Outro é o fato de a empresa ter aberto a ação como Bifinity, que é sua empresa de meio de pagamentos, e não com o CNPJ que a Binanceque registrou no dia 4 de fevereiro. Desse modo, quem procura por “Binance” nos Diários Oficiais não encontra sequer as informações básicas.

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A oficialização da pessoa jurídica consta na ficha do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica registrado pela corretora na Receita Federal. O documento mostra que a empresa se apresenta como domiciliada no exterior — especificamente em Dublin, capital da Irlanda.

O registro data da mesma época em que exchange anunciou que estava negociando a compra de uma corretora brasileira de investimentos tradicionais e à espera de uma autorização do Banco Central.

Disputa pública e judicial

O caso mostra que além da esfera pública, o caso Binance e Capitual envolve agora também uma disputa judicial.

Publicamente, a Binance diz que houve um problema e que já achou um novo parceiro, a Latam Gateway. Já a Capitual diz que não há nenhum problema e que segue prestando serviços normalmente para outras corretoras, como a Huobi.

Conforme o Portal do Bitcoin apurou, os atritos começaram após o Banco Central ter exigido do Acesso (Instituição de Pagamentos regulada pelo Bacen que fazia a ponte entre Binance e Capitual) que fossem feitas “contas individualizadas”.

Essa distinção de contas individualizadas é importante: antes, a Binance tinha junto ao Capitual e à Acesso diversas ‘contas-mãe’, onde operavam milhares de CPFs — mas os CPFs de cada cliente não estavam registrados na Instituição de Pagamento regulada. Segundo um funcionário ligado ao Banco Central que pediu para não ter o nome revelado, o procedimento é irregular.

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Na prática, caso a Binance adotasse a nova regra, todos os seus milhões de clientes no Brasil precisariam criar uma conta na Acesso e fazer um novo KYC. As corretoras Huobi e Kucoin se adaptaram à nova regra, mas a corretora de Changpeng “CZ” Zhao disse que iria procurar outro parceiro para operar os saques e depósitos em BRL.

Ligação com o Faraó

Na terça-feira (28), reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo afirmava que uma empresa que tem como sócio um dos fundadores da Capitual teria auxiliado Glaidson Acácio dos Santos – fundador da GAS Consultoria e conhecido como o “Faraó do Bitcoin” – a vender criptomoedas, mesmo após sua prisão.

De acordo com a reportagem, as transações de criptomoedas teriam sido feitas por meio da advogada Eliane Medeiros de Lima, que é apontada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como braço direito de Glaidson Acácio dos Santos e responsável pro grande parte da lavagem de dinheiro das GAS Consultoria. Ela teria atuado como laranja de Glaidson nas negociações dos ativos.

As vendas de cripto, com o Faraó já preso, teriam sido feitas por Eliane com auxílio da empresa Malta Intermediação de Negócios e Consultoria Ltda. Ela tem como sócios Rogério Rosendo da Silva e Guilherme Silva Nunes. Segundo a Folha, Guilherme é fundador, sócio e diretor da Capitual.

Nota da Binance

A Binance enviou uma nota de contraponto ao Portal do Bitcoin, mas não explicou o motivo de estar buscando na Justiça que a Capitual siga prestando serviços.

“A Binance destaca que a Capitual não é mais sua provedora de pagamentos devido a ações da empresa que conflitam com os seus valores. Em 24 de junho, a Binance anunciou que fechou contrato com um parceiro local mais comprometido com esses valores e com os usuários brasileiros. Com a mudança, a Binance vai oferecer uma solução melhor para os clientes enquanto conduz o processo de aquisição da corretora local Sim;paul, empresa autorizada pelo Banco Central e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

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O processo de integração com a Latam Gateway será concluído em breve, quando as transações (depósitos e saques) serão totalmente normalizadas. A Binance vai manter a comunidade informada. Enquanto isso, a exchange continua oferecendo opções. Tanto para depósitos quanto para saques, os usuários podem realizar transações através do sistema P2P da Binance (mais informações aqui). Para compra direta de criptomoedas, a Binance tem Pix e transferências bancárias disponíveis por meio de um provedor alternativo. Para saques, existe a opção “vender para cartão” disponível para o Visa. Em caso de dúvidas, os usuários podem acessar o suporte da Binance nesta página ou via chat oficial.”

*A Capitual só foi procurada para contraponto após a publicação da matéria; assim que a empresa enviar um esclarecimento ele será incluído no texto