O programador americano Neel Somani parece ter como lema o ditado “se a vida te der ovos quebrados, faça um omelete”. Ele está tentando usar a própria desgraça e transformá-la em um trampolim para futuros voos, após ter a carreira atingida em cheio pelo derretimento das criptomoedas LUNA e UST, do projeto Terra.
Em abril deste ano, o jovem de 24 anos largou o emprego na Citadel, uma das maiores firmas de investimento do mundo, para se dedicar em tempo integral a um projeto baseado na blockchain criada pelo empresário sul-coreano Do Kwon. Na ocasião, tuitou: Larguei meu emprego na Citadel para empreender na Web 3, no Terra”.
Pouco depois, em maio, o mundo das criptomoedas veio abaixo. O projeto Terra desabou – o token LUNA, que valia quase US$ 90, foi para virtualmente zero em poucos dias – e levou junto o mercado, com perdas superiores a R$ 1 trilhão. Somani então tuitou novamente: “Larguei meu emprego na Citadel e me ferrei na Web 3”.
O tweet viralizou e Somani rapidamente virou o personagem simbólico do colapso. Foi entrevistado pelo The New York Times e sua história foi contada pelo portal Market Watch – e agora pelo Portal do Bitcoin. Catapultado do anonimato para a fama pela tragédia, ironicamente, ele agora tenta transformar o protagonismo em uma nova oportunidade.
I quit my job at Citadel to get wrecked in web3 https://t.co/qQQ6oDVZK2
— neel (@neelsalami) May 13, 2022
Sonho e pesadelo
Formado em Ciência da Computação pela Universidade de Berkeley, Somani estagiou no Google em 2017 e passou por diversas companhias até chegar na Airbnb em 2019 como engenheiro de software. Daí deu o pulo para o mercado financeiro: em setembro de 2020 entrou para a Citadel e, em julho do ano seguinte, virou analista de pesquisas quantitativas.
Mas sua atenção estava focada na Web3. “Gosto muito da visão da Web3, acho que grande parte dos sistemas atuais serão substituídos por projetos cripto. Por isso queria participar disso”, afirma. E ele tinha olhos especialmente para a blockchain Terra e para o token UST: “Eu gosto muito da ideia de stablecoins algorítmicas e acho que há uma grande necessidade delas”.
Dessa forma, Somani deixou a zona de conforto e pediu demissão da Citadel para trabalhar em um projeto próprio, chamado Terranova. A ideia era uma ferramenta que permitisse que aplicações desenvolvidas para blockchain da Ethereum pudessem rodar na Terra sem necessidade de recriar o código – ambas usam linguagem de programação muito diferentes.
O situação melhorou quando, dois meses depois, ele foi selecionado para uma bolsa na Terra Hacker House, uma incubadora de projetos financiada pelo próprio Terra. O dinheiro da bolsa lhe permitia cobrir seus custos de vida e focar no projeto. Logo depois, o futuro ficou ainda mais brilhante: investidores se dispuseram a colocar US$ 10 milhões no projeto Terranova.
Quando parecia que tudo ia dar certo, o sonho virou pesadelo: UST e LUNA derreteram, causaram uma das piores crises da história do mercado cripto e, de repente, viraram uma espécie de ativo tóxico: ninguém queria ter mais nada a ver com essas criptomoedas. Os investidores retiraram a oferta e Somani se viu sem dinheiro e com um projeto baseado em uma blockchain da qual todos queriam distância. A solução foi desabafar no Twitter – e se tornar uma quase celebridade, sem querer.
Após a tempestade
Passada a tempestade, o programador diz que não sente rancor de Do Kwon, fundador do projeto. Para ele, o derretimento do Terra foi um problema econômico e não o resultado de um golpe, da criação de uma pirâmide financeira ou de um esquema Ponzi, como defendem vários investidores.
“Foi um problema econômico por trás do sistema de lastro no qual o projeto era baseado. Não houve ataque coordenado ou um problema de software. Os incentivos não estavam lá para evitar a perda de lastro do UST”, justifica.
Ao contrário do que se poderia imaginar, Somani não se diz amargurado ou com rancor. Seu novo objetivo é atrair os holofotes da fama para conseguir construir um novo projeto – longe da blockchain do Terra – sobre o qual ele ainda não quer revelar detalhes. “Eu levo tudo de uma forma leve”, garante.