O que é um título de bitcoin?
Em 20 de novembro, Nayib Bukele, presidente de El Salvador, anunciou, durante a conferência bitcoin (BTC) LABITCONF, que o país irá emitir um título de US$ 1 bilhão com validade de dez anos a um retorno de 6,5%.
Os fundos arrecadados pelo título serão usados para construir a “Cidade de Bitcoin”, também conhecida como “Título do Vulcão” por conta do uso de energia termal de vulcão usada pela cidade para gerar energia.
Enquanto isso, El Salvador firmou uma parceria com a Blockstream e iFinex (ou seja, Tether e Bitfinex), em que os títulos serão emitidos no blockchain Liquid da Blockstream e vendidos na corretora Bitfinex da iFinex.
Metade dos fundos arrecadados por meio da venda dos títulos será usada para a construção da Cidade de Bitcoin e a outra metade será usada para adquirir bitcoins. Além disso, metade dos títulos é “lastreada” por bitcoins.
Os bitcoins serão bloqueados por cinco anos e lucros futuros da venda desses bitcoins, além do pagamento do capital principal, serão divididos igualmente entre o governo salvadorenho e os compradores do título.
Em outras palavras, se um investidor comprar US$ 100 mil em títulos do vulcão, considerando que o preço do bitcoin duplique no futuro, isso significa que o investidor não vai receber apenas 6,5% de juros por ano, como também metade dos lucros do investimento em bitcoin, ou seja, mais US$ 25 mil.
Impressionantes de taxas de juros por títulos
Em uma época de taxas de juros zero ou negativas, as taxas de juros do título do vulcão podem ser tentadoras. Um juro simples de 6,5% pode chegar a 146% em dez anos pagos anualmente, considerando a alta no preço do bitcoin.
Em comparação, a taxa anual do título do Tesouro Americano de dez anos é de apenas 1,63%, que pode ser quase equivalente a dinheiro físico.
Como diz o ditado “o barato sai caro”, a prestigiosa agência de classificação ajustou a classificação de crédito de El Salvador de B3 para Caa1 em 30 de julho deste ano.
Essa queda é, em parte, devido à “Lei Bitcoin” de El Salvador e a classificação Caa1 significa que os títulos emitidos por El Salvador foram colocados na categoria “títulos dispensáveis” (ou “junk bonds”), que são títulos que têm um alto risco de incumprimento. Se um título é classificado nessa categoria, pode restringir bastante o acesso a fundos institucionais.
Por outro lado, a Cidade de Bitcoin será uma cidade completamente isenta de impostos de renda, de ganhos sobre capital, de propriedade e pessoais, em que a única fonte de imposto será um imposto sobre o valor agregado (ou VAT) de 10%.
Por que não comprar bitcoin diretamente?
Na verdade, também existe um grande número de dívidas nacionais pendentes em El Salvador no mercado hoje e um título nacional de dez anos geralmente possui taxas de juros anuais de até 13%.
O motivo pelo qual El Salvador pode oferecer tais altas taxas de juros ainda é desconhecido, pois existe um risco extremamente alto de incumprimento.
Atualmente, o produto mais similar ao título de vulcão no mercado é um título de dez anos que irá expirar em 10 de abril de 2032, listado na Bolsa de Valores de Luxemburgo (LuxSE) e possui uma taxa de juros de 8,25% por ano, bem mais alta do que o título de vulcão.
Não apenas isso, mas o título de dez anos é bem mais barato do que o título de vulcão que, atualmente, possui um valor líquido de US$ 0,7254, ou seja, investidores podem comprar um título de mesmo nível (também emitido pelo governo de El Salvador) com uma taxa de juros bem mais alta que a do título de vulcão a um desconto de 72% se não se preocuparem em perder seu capital principal.
No entanto, o fato de que o título de vulcão é “lastreado” pela metade em bitcoin o torna ainda mais especulativo conforme investidores têm o potencial de ganhar com a apreciação do bitcoin que, de acordo com Miao Yongquan, diretor da Blockstream, uma das parceiras do título de vulcão, o produto irá atingir o preço de US$ 1 milhão cada.
Se o preço do bitcoin puder subir para US$ 1 milhão cada, em cinco anos, o título de vulcão não terá problemas em pagar seu capital principal e seus juros. No entanto, quanto maior o preço do bitcoin, mais problemas terá para subir, tendo aumentando quase 20 vezes em um ciclo parecido.
É claro que não é impossível que o bitcoin chegue a US$ 1 milhão daqui a cinco anos, então investidores estão considerando outra pergunta: por que não comprar bitcoin diretamente?
Algumas pessoas calcularam que, se o bitcoin subir significativamente, pegando US$ 72 mil e comprando US$ 100 mil em títulos de dez anos do tesouro salvadorenho, em alocar os US$ 28 mil restantes em bitcoin, seria um rendimento bem maior do que gastar todos os US$ 100 mil em títulos de vulcão pelos mesmos US$ 100 mil.
Dito isso, se você acha que títulos de vulcão são um item especulativo, não é um rendimento alto o suficiente. Se você pensa nele como um produto financeiro de baixo rendimento, é arriscado demais.
De acordo com Omkar Godbole da CoinDesk, muitos países com classificações de crédito ruins têm dificuldade em pegar dinheiro emprestado do mercado mesmo se oferecerem taxas de juros muito altas.
Em junho deste ano, o Fundo Monetário Internacional (ou FMI, na sigla em inglês) se opôs contra a adesão por El Salvador do bitcoin como uma moeda fiduciária e, como consequência, grande parte das pessoas acreditou que El Salvador teria dificuldade em pegar dinheiro emprestado do FMI.
Porém, o contrário também pode ser verdade: por conta das condições de crédito e políticas em deterioração ao longo dos anos, o presidente Bukele previu que será difícil pegar dinheiro emprestado do FMI e criou o “milagre” de usar o bitcoin como uma moeda fiduciária e esse título de vulcão pode ser um dos “milagres” de El Salvador para tomar dinheiro emprestado.
O título de vulcão é uma das estranhas façanhas para que El Salvador consiga dinheiro.
El Salvador ainda está mirando nas baleias gigantes do mundo cripto. Como disse o presidente: “Você sabe que existem muitas baleias na Bitfinex, então eu não acho que seja um problema alocar em um título de US$ 1 bilhão”.
Sobre o autor
Colin Wu é um jornalista chinês conhecido como Wu Blockchain. É referência quando o assunto é a cobertura do mercado chinês de criptomoedas. Por meio de um blog e de um perfil no Twitter, ele cobre diariamente sobre os bastidores da conflituosa relação entre a China e o bitcoin.
*Traduzido e editado por Daniela Pereira do Nascimento com autorização de WuBlockchain.