Imagem da matéria: Queda no preço põe em xeque visão do Bitcoin como ativo pouco influenciado pela economia tradicional
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A queda abrupta do preço do Bitcoin (BTC) e das demais criptomoedas no final desta semana – que chegou a quase 10% na sexta-feita (6) – está sendo acompanhada por perdas similares no mercados financeiros de ações tradicionais, como S&P 500, Nasdaq, Dow Jones, Ibovespa. São indicadores que passaram a despencar após elevação na taxa de juros nos EUA pelo Federal Reserve (FED) nos Estados Unidos, na noite de quarta-feira.

Essa queda conjunta, influenciada por um fator macroeconômico comum, tem levantado dúvidas nos investidores sobre uma das certezas mais tradicionais das criptomoedas: a que eles seriam ativos não correlacionados. A ideia é que – diferente de mercados tradicionais – os ativos criptos, especialmente o Bitcoin, seriam pouco influenciados por fatores econômicos externos, como preços de commodities e políticas monetárias e fiscais dos países.

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Afinal, o Bitcoin ainda pode ser considerado um investimento que não se deixa influenciar por fatores externos?

Em março desse ano, a firma de pesquisas financeiras Arcane Research analisou três meses anteriores e afirmou que a correlação entre a principal criptomoeda por valor de mercado atingiu um ponto recorde na correlação com o Índice S&P.

“A correlação do Bitcoin com S&P 500 só foi maior durante cinco dias na história do BTC, mostrando que a correlação atual não tem precedentes na história”, disse a empresa, conforme reportagem do Coindesk.

Sem correlação

Com a queda desta semana, o debate sobre a correlação voltou com força total. O grupo de quem diz que ela é passageira é liderado por Michael Novogratz, famoso investidor criador da Fortress Investment Group e notório entusiasta do Bitcoin.

“Essa correlação vai acabar como tempo, nós já vimos isso. Por exemplo, se a Nasdaq cair 9%, o cripto não vai cair 9%, como aconteceria no ano passado. Mas eu acho há mais dor por vir”, diz Novogratz em matéria do portal da CNBC.

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André Franco, head de research do Mercado Bitcoin, afirma que momentaneamente a situação é de extrema correlação com o mercado de risco, mas que a história de mais de uma década do BTC o mostra como ativo descorrelacionado.

“Pelo que a gente olha na foto do que está o cenário do Bitcoin, e que se arrasta pelo menos desde o começo do ano, o Bitcoin andou muito correlacionado com o mercado de risco, como Nasdaq e até mesmo S&P. Então a gente vê que o Bitcoin deixou momentaneamente de ser esse ativo não correlacionado”, diz

“Mas quando falamos do histórico dele como um todo, ainda não é o momento de falar sobre de ter deixado de ser um ativo não correlacionado , porque a história dele mostra que é um ótimo diversificador em período mais longos”, ressalta.

O analista de criptomoedas e trader Marcel Pechman entende ser normal que traders tenham maior influência nos movimentos de altas e baixas, e estes temem que a política contracionista do Banco Central dos EUA para conter a inflação tenha um impacto negativo nos ativos de risco – mas temporário.

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“No entanto, passados alguns dias ou semanas, os investidores percebem que a eventual pressão negativa nas economias só fortalece a tese da necessidade de uma moeda descentralizada e escassa. Portanto, analisando ciclos mais longos, desaparece essa correlação que aparenta ‘copiar’ a tendência de preço dos mercados tradicionais”, afirma.

Cazou Vilela, CMO do Zro Bank, entende que atualmente o Bitcoin está começando a sentir o impacto das forças macroeconômicas e que a adoção em massa da criptomoeda pode ter fortalecido essa correlação.

“Mas acredito que, a longo prazo, a sociedade deve compreender com mais clareza a tecnologia blockchain e o real propósito do Bitcoin: uma moeda deflacionária, cuja emissão é feita de forma descentralizada e independente de governos e instituições financeiras. A partir desta melhor compreensão do ativo, ele passa a ser visto pelos investidores como uma alternativa de fuga da inflação e das crises globais, sendo amplamente utilizado como reserva de valor. Com a consolidação deste cenário no futuro, deve-se dissolver esta atual correlação do Bitcoin com ativos tradicionais de maior risco, como ações, derivativos e contratos futuros.”

Um dos pioneiros do Bitcoin no Brasil (no mercado desde 2011), Dolan Norris Mica (pseudônimo) também demonstra estar crente que se trata de uma correlação passageira. Ele comentou em resposta a Avelino Morganti, que foi um entusiasta do Bitcoin e agora renega, dizendo-se em favor do ouro como investimento principal.

Com correlação

Por outro lado, também existem especialistas que têm uma visão oposta. Michelle Mafra, gerente sênior de Blockchain e Criptoativos da Bybit no Brasil, acha que é prematuro dizer que o BTC colou de vez em outros ativos e mercados, mas ressalta que esse cenário ocorre cada vez mais.

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“Apesar da recente flutuação de preço do Bitcoin, que nos últimos anos tem acompanhado o comportamento das bolsas mundiais, ainda é cedo para afirmar que o ele virou um ativo tradicional, que segue as flutuações do mercado. O cenário regulatório pelo mundo e a própria sinalização de grandes companhias se posicionando pela adoção ou não dos criptoativos como reserva de valor para suas tesourarias são exemplos de eventos que  influenciam peculiarmente na sua cotação”, afirma.

“Por outro lado, de fato a tendência é um pouco essa. Nos últimos 3 anos o S&P 500 sofreu 3 grandes quedas de 10% ou mais. Durante essas quedas, o Bitcoin também experimentou uma queda antecipada e ainda maior após as movimentações das bolsas mundiais . O mesmo aconteceu nas tendências de alta que ocorreram nos últimos 3 anos”, completa Mafra.

Henrique Teixeira , country manager da Ripio, é ainda mais enfático em analisar a correlação como tendência.

“É um movimento inevitável. Desde 2020, estamos observando a chegada de investidores institucionais e também muita gente que atuava no mercado financeiro tradicional começando a trabalhar com cripto. Em parte, essa correlação começou a existir porque os profissionais utilizam a bagagem que acumularam nesses mercados, com outras classes de ativos, para suas estratégias com cripto”, analisa.

“Além disso, a onda de regulação global também apoiada por experiências anteriores, também influencia nesse ciclo. O Bitcoin mantém seus fundamentos e características. Entretanto, sua utilização tem passado por transformações e isso faz parte do ciclo de amadurecimento do mercado. Ainda veremos muitas transformações até que aconteça a adoção em massa”, afirma Teixeira.

Josh Olszewicz, chefe de pesquisa da gestora de ativos digitais Valkyrie Investments, disse em reportagem da Bloomberg: “O Bitcoin está cada vez mais correlacionado com o horário de negociação e com os índices de mercados tradicionais dos EUA, provavelmente devido a uma combinação da crescente presença institucional americana e ausência da China após as proibições abrangentes no ano passado”.

Foco no dólar

Luiza Peruffo, professora assistente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisadora da Universidade de Cambridge com especialização em política monetária internacional, afirma que a queda do Bitcoin no contexto da alta de juros nos EUA “nos lembra que, na melhor das hipóteses, o Bitcoin é um ativo financeiro como qualquer outro” e que o sistema monetário e financeiro internacional ainda é centrado na moeda americana.

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“Historicamente, em momentos de incerteza (como crises financeiras e guerras), os investidores tendem a privilegiar a segurança de seus investimentos em detrimento do retorno (‘flight for safety’). E o ativo mais seguro ainda é o dólar americano e os ativos denominados nesta moeda, justamente porque são resguardados pelo poder material e imaterial da economia americana.

Segundo a pesquisadora, sendo o dólar o ativo mais seguro, a alta dos juros pelo Fed “apenas reforça” a atratividade do dólar em detrimento de outros investimentos, incluindo o Bitcoin.

“Podemos discutir se estamos vivendo uma transição em que outras moedas (como a chinesa) vão passar a dividir este poder com o dólar, mas neste momento isto ainda não aconteceu”, conclui.

Debate tradicional

O debate sobre correlação não é exatamente novo. Em 2021 o jornalista John O’Sullivan, colunista da The Economist, argumentou que as criptomoedas são ativos que têm pouca correlação com outros, o que as torna algo bom de se ter dentro da estratégia de diversificar o portfólio de investimentos – que ele ressalta como um princípio fundamental para qualquer estratégia.

Isso ocorreu em setembro do ano passado. Logo depois, em outubro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) tratou do tema em um relatório.

O órgão afirmou que os criptoativos não são tão pouco correlacionados como se pensa e que essa aproximação de mundo está se fortalecendo.

“Embora isso seja verdade até certo ponto, a correlação entre criptoativos e algumas outras classes de ativos importantes aumentou significativamente durante os episódios recentes de estresse do mercado (por exemplo, a liquidação ocorrida durante a pandemia do Covid-19 em 2020)”, afirma o texto.

“O benefício da diversificação também pode diminuir com o tempo se instituições e pessoas com grandes quantidades de cripto continuarem sendo afetados por fatore comuns do mercado”, conclui o relatório.

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