A Comissão de Valores Mobiliários e de Câmbio dos EUA (ou SEC, na sigla em inglês) pode perder sua autoridade de regulamentar uma grande parte do mercado cripto dos EUA, incluindo as 200 criptomoedas mais valiosas, de acordo com um novo projeto de lei bipartidário das senadoras Cynthia Lummis e Kirsten Gillibrand, cujo texto foi apresentado nesta terça-feira (7).
O projeto de lei, chamado de “Responsible Financial Innovation Act” — ou “Lei de Inovação Financeira Responsável”, em tradução livre —, é a legislação cripto mais abrangente já proposta e apresenta uma série de outras medidas importantes, incluindo uma norma que elimina a obrigação de declarar ganhos com criptomoedas de US$ 200 ou menos ao Serviço Interno de Receita (ou IRS).
O projeto de lei quase não tem chances de ser aprovado no atual Congresso dos EUA devido à conjuntura política do país. Porém, espera-se que ganhe força em 2023, após as eleições parlamentares de novembro desde ano, e que ajude a moldar as futuras políticas cripto.
Adeus, SEC. Oi, CFTC!
A proposta de suspender a jurisdição da SEC sobre grande parte da indústria cripto é uma das regras mais significativas no projeto e surge após anos de reclamações sobre a falta de clareza sobre se um token digital como o ether (ETH) é ou não um valor mobiliário — uma definição que exigiria que o token fosse registrado na SEC.
No lugar da SEC, o projeto sugere a concessão de autoridade dos tokens a outra agência, a Comissão de Negociação de Futuros de Commodities (ou CFTC), que supervisiona a negociação de commodities.
Um resumo do projeto de lei, compartilhado por Lummis e Gillibrand, explica que “concede à CFTC uma jurisdição exclusiva do mercado spot [à vista] sobre todos os ativos digitais e fungíveis que não são valores mobiliários, incluindo ativos auxiliares”.
O termo “ativos auxiliares” (do inglês “ancillary assets”), que seria adicionado à Lei de Câmbio de Valores Mobiliários de 1934, é fundamental.
De acordo com o resumo do projeto de lei, ativos auxiliares são aqueles que não são completamente descentralizados (como o bitcoin), mas também não criam direitos ao lucro ou a outros interesses financeiros em uma entidade comercial.
Em uma conversa com repórteres, pessoas familiarizadas com o rascunho do projeto de lei afirmam que essa definição se aplicaria a populares projetos de blockchain, como cardano (ADA) e solana (SOL) e aos 200 principais ativos no CoinMarketCap — um site que classifica criptomoedas por capitalização de mercado.
Porém, para se encaixar na definição de “ativo auxiliar”, projetos têm de enviar informações periódicas relacionadas a questões, como a quantidade de tokens que foram emitidos — um processo que visa aumentar a transparência.
Valores mobiliários
Em outro momento, o resumo do projeto explica que pretende codificar o “teste de Howey”, uma doutrina da década de 1940 do Supremo Tribunal que explica quando um ativo é um valor mobiliário.
Segundo as pessoas familiarizadas com o rascunho do projeto — que pediram para não serem identificadas —, o teste de Howey esclarece que criptomoedas não são valores mobiliários e que a interpretação da SEC, que alega que o são, está incorreta.
Suas afirmações são uma reprovação implícita a Gary Gensler, o atual presidente da SEC, que é bastante impopular entre a comunidade cripto e que ex-funcionários da SEC afirmam que está usando a agência como um veículo para fomentar suas ambições políticas.
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Ainda não se sabe se o texto em relação ao teste de Howey está legalmente correto ou se — assim como muitos advogados cripto sugeriram — que grande parte das criptomoedas são valores mobiliários de acordo com o teste.
De qualquer forma, o projeto de lei inclui uma proposta que permite que a SEC conteste definições em relação à possibilidade de uma determinada criptomoeda ser um valor mobiliário no tribunal federal.
Por fim, se o projeto for aprovado e a responsabilidade do setor cripto for repassada à CFTC, a agência receberia uma grande infusão de capital — financiada principalmente pela indústria cripto — para realizar suas grandes e novas responsabilidades.
Stablecoins, impacto ambiental e o que vem por aí
O projeto de lei de 69 páginas de Lummis e Gillibrand também propõe uma nova abordagem para a regulamentação de stablecoins — uma grande questão recente por conta do gigantesco colapso de um projeto de stablecoin chamado Terra em maio.
Esse colapso, que fez investidores perderem bilhões de dólares, aconteceu, em parte, porque o projeto Terra dependeu de artifícios de engenharia financeira para manter a paridade de sua stablecoin a US$ 1.
Se o projeto de Lummis e Gillibrand virar uma legislação, irá obrigar que emissores de stablecoin mantenham uma reserva de 100% e garantam que donos de stablecoins possam converter as moedas por uma quantia equivalente em dólares a qualquer momento. Também irá criar uma via regulatória para que bancos e outros emitam e usem stablecoins para pagamentos.
O projeto de lei também aborda outra questão urgente: O impacto das criptomoedas no meio ambiente. Segundo críticos, atividades como a mineração de bitcoin são um grande contribuidor à mudança climática, pois consomem muita energia.
Porém, em vez de impor limites à mineração, o projeto de lei pede que a Comissão Federal Reguladora de Energia (ou FERC) realize estudos para explorar o impacto cripto, bem como o papel das energias renováveis na indústria.
Outras grandes questões criptos abordadas pelo projeto incluem o uso de criptomoedas em contas de aposentadoria e a criação de um grupo da indústria cripto para promover determinados tipos de regulamentação.
Avanço
No entanto, grande parte disso tudo é irrelevante se o projeto não avançar no Congresso — que sempre foi o destino de outros projetos cripto.
Atualmente, legisladores americanos estão focados em questões mais preocupantes, como a guerra na Ucrânia e leis de segurança de armas.
Em contraste, questões relacionadas a criptomoedas são “complicadas e de nicho”, de acordo com um observador de Washington. Esse é um grande motivo pelo qual poucos esperam que o projeto de lei de Lummis e Gillibrand seja aprovado em breve.
Os envolvidos no rascunho do projeto reconhecem essa realidade, mas sugerem que o projeto irá avançar de forma gradual por meio de diversos comitês e estará pronta para ser aprovada em 2023. Acrescentaram que qualquer versão final do projeto terá passado por grandes revisões à versão atual.
*Traduzido por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co.