Logo depois que desci de uma picape em El Zonte, El Salvador, reconheci que não era uma cidade praiana comum.
A placa de “bem-vindo” em El Zonte tinha dois logos de bitcoin (BTC), suas cafeterias ofereciam descontos de 75% se você pagasse em bitcoin e suas lixeiras continham o emblema do bitcoin.
Eu estava viajando pela costa oeste do país, aproveitando as condições de surfe de nível internacional no mês passado e não estava buscando seu epicentro de bitcoin. Mas, de certa forma, caí direto nele.
Quando El Salvador tornou o bitcoin em sua moeda corrente em setembro de 2021, muitos (comigo incluso) reagiram de forma cética.
Nayib Bukele, o presidente de El Salvador, parecia estar gastando todo o tesouro do país seguindo o mantra de “só se vive uma vez” (ou YOLO) como se fosse um viciado trader em cripto do Reddit.
Diversas vezes, Bukele comprou milhões de dólares em bitcoin, reclamou quando perdeu “a p*rra do fundo [de preço] por sete minutos” e, conforme o preço do bitcoin despenca em 2022, parece que saiu muito caro para o seu país. Para muitos, parece uma bagunça.
Mas eu descobri que, lá, a realidade é mais complicada que a narrativa. Existe uma boa chance de o experimento com bitcoin em El Salvador dar certo – pelo menos, de certas formas.
O movimento bitcoin em El Salvador começou em El Zonte, quando um surfista californiano chamado Mike Peterson recebeu uma doação anônima de US$ 100 mil em bitcoin para os residentes da cidade.
Peterson esteve envolvido em trabalhos comunitários em El Zonte há anos e aceitou o dinheiro com uma obrigação de levá-lo às mãos das pessoas. “Formulamos um plano de começar a injetar o bitcoin na comunidade. E isso meio que explodiu a partir dali”, disse ele a mim.
O bitcoin deu certo em El Zonte por um motivo: era útil às pessoas. O primeiro e mais imediato benefício foi ajudar salvadorenhos a evitar taxas abusivas em remessas digitais que pagavam pelos US$ 6 bilhões que seus amigos e famílias (fora do país) os enviavam todos os anos.
Menos aparente, mas talvez mais importante, era que 70% das pessoas em El Salvador são desbancarizadas e uma carteira digital poderia ajudá-las a investir.
“As pessoas salvadorenhas não tinham contas bancárias – agora, elas têm”, disse Roman Martinez, que trabalha com Peterson em El Zonte. “Pessoas estão comprando um ativo pela primeira vez.”
Após Bukele ter se tornado presidente em junho de 2019, ele descobriu o que estava acontecendo em El Zonte e agiu para tornar o bitcoin em uma moeda corrente, fazendo os comerciantes do país aceitarem-no como pagamento por bens e serviços.
A lei foi aprovada em junho de 2021 e entrou em vigor em setembro, tornando El Salvador no primeiro país onde o bitcoin é uma moeda legal (e o dólar americano ainda é usado lá), dando início ao maior experimento nacional com bitcoin do mundo.
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El Zonte, onde tudo começou, virou uma espécie de Meca para “bitcoiners” de todo o mundo.
Atualmente, cinco meses após se tornar uma moeda corrente, o bitcoin está em todos os lugares em El Salvador.
Você pode usá-lo no McDonald’s, em cafeterias chiques ou em pequenas mercearias criadas na sala de estar das pessoas, com QR Codes à mostra para indicar que transações com bitcoin são aceitas.
El Salvador também tem sua própria carteira digital, chamada “Chivo” (uma gíria local para “legal”) e dá US$ 30 a qualquer um que fizer o download. Há alguns problemas com a tecnologia da Chivo, mas 2,1 milhões de salvadorenhos, ou 1/3 do país, a utilizam.
De acordo com Martinez, muitos estão retendo o bitcoin como um ativo de investimento pela primeira vez.
Para os verdadeiros crentes no bitcoin, existe muita coisa acontecendo no experimento de El Salvador.
Se o bitcoin for atingir seu potencial completo, deve ser uma reserva de valor e algo que as pessoas possam usar para realizar transações. E El Salvador é seu campo de provas fundamental.
Entusiastas de bitcoin foram ao país (“bitcoiners” pelas ruas de El Zonte me perguntaram se eu havia visto o influenciador Max Kaiser, famoso por ter gritado, no palco da Bitcoin Conference 2021, em Miami: “Não vamos vender [nossos bitcoins]! F*da-se, Elon!” e seu entusiasmo possui vários benefícios.
Estão investindo no país, pois alguns estão gastando 3 BTC (cerca de US$ 120 mil) para se qualificarem à oferta de residência permanente de Bukele.
Mas sua exuberância pode fazer com que o líder controverso tome decisões arriscadas, como abrir uma grande “Cidade de Bitcoin” isenta de impostos e a emissão de US$ 1 bilhão em “títulos de vulcão”.
É claro que a volatilidade do bitcoin irá impactar salvadorenhos que decidirem investir na criptomoeda.
Porém, na economia atual, pessoas criam riquezas ao tomarem riscos. E se as pessoas que vivem nos EUA, na Europa e outras regiões têm essa capacidade, salvadorenhos também devem ter.
O experimento com bitcoin em El Salvador pode implodir, mas existe uma chance de ter sucesso e gerar riquezas para os cidadãos – e isso vale a tentativa.
*Texto escrito por Alex Kantrowitz, fundador da Big Technology, newsletter e podcast sobre tecnologia e sociedade.
**Traduzido e editado por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co.