Celsius (CEL) é uma das criptomoedas que desabaram após o colapso da criptomoeda Terra (LUNA) arrastar para baixo os projetos que tinham algum tipo de envolvimento com o ecossistema criado pela Terraform Labs.
O receio do mercado derrubou o preço da criptomoeda nativa da Celsius (CEL). A cotação caiu de US$ 1,91 na segunda-feira passada para US$ 0,60 na quarta, dia que a Celsius retirou seus fundos que mantinha no Anchor Protocol, projeto do Terra. A flutuação de preços representa uma desvalorização de 68% em três dias.
Desde então, CEL conseguiu uma recuperação parcial e vale US$ 1,30 nesta quarta-feira (18). Mesmo assim, acumula perdas de 35% na semana e 58% no mês, segundo o CoinGecko – e levanta suspeitas sobre os riscos de seu modelo de atuação no setor DeFi.
Dinheiro em perigo
No caso da Celsius, o receio inicial do mercado eram US$ 500 milhões da empresa confinados no Archor Protocol, o projeto DeFi mais popular do projeto Terra, que oferecia rendimentos de 19,5% sobre os depósitos da stablecoin UST.
De acordo com pesquisa do The Block Research e Hoptrail, carteiras controladas pela Celsius enviaram pelo menos 261.000 ETH — equivalentes a R$ 2,7 bilhões, na atual cotação da moeda — para o Anchor Protocol nos últimos cinco meses.
A Celsius começou a depositar dinheiro no Archor em dezembro e, até março, já havia enviado 146.000 ETH para o protocolo. Entre 6 de abril e 3 de maio, mais 115.000 ETH foram depositados.
O dinheiro aplicado provavelmente pertencia aos próprios clientes da empresa. A Celsius Network permite que investidores depositem suas criptomoedas na plataforma para que elas sejam emprestadas para outros clientes e empresas da área.
Em troca pelo tempo deixado o ativo preso no sistema, o investidor recebe rendimentos. Atualmente, a Celsius promete pagar de 7% a 15,8% de retorno anual em empréstimos de stablecoins.
Uma semana depois do último depósito da Celsius no Archor Protocol, o ecossistema da Terra entrou num espiral da morte que fez a stablecoin UST perder seu lastro com o dólar e levou o preço da Luna a zero.
Correndo contra o tempo
A empresa garante ter conseguido reagir a tempo e impedir que bilhões em criptomoedas evaporassem. “Todos os fundos do usuário estão seguros. Continuamos funcionando normalmente. Para evitar dúvidas, a Celsius Network não estava e não está envolvida em nenhum resgate da Luna”, afirmou a companhia em um tuíte.
Uma investigação do The Block Research parece confirmar essa ação. De acordo com o portal, a empresa teria retirado cerca de 225.000 ETH (cerca de R$ 2,3 bilhões) do Anchor Protocol na última quarta-feira (11).
Embora o veículo não tenha conseguido identificar a retirada dos R$ 350 milhões restantes, uma pessoa com familiaridade no assunto confirmou que a Celsius não tinha mais fundos no protocolo.
Segundo o analista Igor Igamberdiev, a equipe da Celsius conseguiu se safar porque usava Bonded ETH (bETH) como garantia para emprestar UST no Archor Protocol e obter os altos rendimentos.
Para fazer isso, a Celsius precisava fazer uma complexa peregrinação que envolvia: staking de ETH no Lido para receber Stake ETH (stETH); envio do stETH para o Anchor vault no Ethereum para gerar bETH; envio desses tokens a ponte Wormhole para chegar a Terra; e finalmente depósito do bETH no Anchor Protocol.
Igamberdiev explicou que, embora os fundos tenham sido retirados do Anchor após a crise, eles ainda não voltaram para o caixa da Celsius. O analista diz que o montante foi enviado para o Aave v2, outro protocolo DeFi de empréstimo.
Mesmo assim, o temor que se instaurou no mercado foi suficiente para derrubar o preço do token CEL. E existem preocupações que vão além do simples valor do token.
Um modelo de negócios arriscado
A queda dos preços reflete também uma desconfiança do mercado com o atual modelo de negócios arriscado que a Celsius parece aplicar, defendido por seu criador, Alex Mashinsky.
No Twitter, Mashinsky costuma ter discussões acaloradas com críticos da empresa, como Cory Klippsten, conselheiro da Riot Blockchain.
“Não houve um bank run na Celsius Network desta vez porque sua equipe conseguiu tirar US$ 500 milhões do Ponzi Luna/UST no último segundo. Celsianos, vocês estão contando com sorte e gerenciamento ativo para manter suas moedas emprestadas em segurança”, tuitou Klippsten no domingo (15).
Ele foi respondido por Mashinsky que, ao invés de esclarecer os negócios que sua empresa fazia no Archor Protocol, preferiu atacar os maximalistas do bitcoin — grupo ao qual ele atribui a culpa por todo bitcoin perdido no mundo.
“Você tem medo de fazer um debate em público para eu desmascarar todas as suas teorias da conspiração. 30% de todo o bitcoin é perdido porque as pessoas ouviram você e o Bitcoin Maxis e mantiveram suas próprias chaves”, rebateu Mashinsky, acrescentando que a Celsius numa perdeu um dos mais de 150 mil BTC que faz a custódia — um assunto que sequer estava em discussão.
Para fechar, ele fez um pedido público para que as pessoas deixassem de seguir Klippsten no Twitter.
Por dentro do loop de empréstimos
Mike Burgersburg, pseudônimo do autor da newsletter Dirty Bubble Media, se destaca no círculo de críticos da Celsius. Desde janeiro deste ano, ele publica análises sobre as operações da empresa.
Segundo ele, a Celsius está no centro de um loop complexo de empréstimos, onde a empresa toma posse das criptomoedas usadas como garantia pelos clientes para suas próprias operações.
As estratégias da empresa visam aumentar os rendimentos oferecidos e, assim, aumentar a captação de novos usuários.
No atual modelo da Celsius, por exemplo, um usuário que toma emprestado US$ 1 mil em USDC, oferece uma garantia de US$ 4 mil em bitcoin para obter uma taxa (APR) de 1% sobre o empréstimo.
De acordo com o contrato de Termos de Serviço, a Celsius assume imediatamente a posse da garantia. “Em outras palavras, quando você ‘pega emprestado’ da Celsius, você está realmente emprestando dinheiro a eles”, escreveu Burgersburg.
Uma das empresas que a Celsius já confirmou ter tomado empréstimos de 1 bilhão de USDT no passado foi a Tether, emissora da stablecoin em questão.
Seguindo o exemplo anterior, os US$ 4 mil em bitcoin dado como garantia pelo cliente da Celsius, é usado pela empresa para tomar empréstimos em outros lugares.
Ao Financial Times, Alex Mashinsky confirmou que eles “colateralizam em excesso” esses empréstimos em 30%, para receber US$ 3 mil USDT em troca da contraparte — nesse caso, Tether.
A Celsius em seguida pega esse dinheiro emprestado para agora ficar do outro lado do balcão, emprestando-o para seus parceiros institucionais, como as corretoras FTX e Binance.
Neste imbróglio, a Celsius deve gerar rendimentos suficientes para pagar os clientes que depositam suas moedas na plataforma.
“No mínimo, a Celsius Network é uma máquina de dívida altamente alavancada que está exposta a vários riscos de contraparte”, avalia o autor da Dirty Bubble Media.
“Os titulares de contas individuais nessa situação — depositantes e mutuários — são credores sem garantia da Celsius Network. Isso significa que eles ocupam uma posição nada invejável de serem os últimos da fila para recuperar as perdas no caso de mau funcionamento da máquina de dívida”, conclui o analista.
Estratégias suspeitas
O caso acima se limita a ilustrar as operações da empresa com entes centralizados. Mas no mundo dos protocolos DeFi, no qual a Celsius também atua tanto como depositante e credora, a bola de neve de operações são ainda maiores e parecem fazer menos sentido.
De acordo com a análise do Dirty Bubble Media, a Celsius informou ter US$ 3,4 bilhões em depósitos totais de Ethereum, sendo que cerca de 41% desse montante estava depositado em Compound e Aave até fevereiro deste ano.
O curioso aqui é que os rendimentos ofertados por esses dois protocolos são, em geral, menores do que de muitas contas de poupança tradfi (finanças tradicionais).
“Isso significa que há uma lacuna significativa entre o que a Celsius está pagando e o que está recebendo como juros sobre esses depósitos. Com base em uma estimativa conservadora da média APY que Celsius oferece aos clientes nesses ativos de cripto, eles enfrentam um déficit anual de cerca de US$ 86 milhões em pagamentos de juros aos depositantes”, calcula o analista.
Para não ter prejuízo, a Celsius deveria cobrar entre 11% e 16% em empréstimos aos seus clientes institucionais — algo altamente improvável, já que taxas de outros concorrentes são muito menores do que isso.