Antes de aplicar um golpe de R$ 1,5 bilhão em 7 mil pessoas, Claudio Oliveira, o falso Rei do Bitcoin, teve uma trajetória digna de seriado de Netflix, regada a fugas, falsificação de documentos, mentiras, períodos na prisão e até um romance virtual iniciado durante um processo judicial na Europa.
A Polícia Federal cavou fundo nas investigações que levaram à prisão Oliveira, sua esposa Lucinara Silva e outras duas pessoas em Curitiba. O Portal do Bitcointeve acesso ao material, de quase 1000 páginas, que documentam um passado de esquemas para ganhar a confiança das pessoas e deixá-las no total prejuízo.
De acordo com o processo, o casal, de “origem humilde”, possivelmente “vem durante os anos buscando obter para si vantagens ilícitas mediante meio fraudulento responsável por induzir ou manter terceiros em erro, causando prejuízo financeiro”.
Antes de Lucinara surgir na história, no entanto, Oliveira já contava suas mentiras.
Rei do Bitcoin: de Goiás à Suíça
O falso Rei do Bitcoin, nascido em 1971, em Anápolis (GO), começou a aplicar golpes cedo na vida. No início da década de 90, ele obteve cinco CPF’s diferentes nos estados de Goiás, Pará, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins. Nas grafias, seu primeiro nome aparece como “Claudio” ou “Claudios”. No relatório, o órgão policial refere-se a ele apenas como “Claudios”.
Já naquela época, ele dizia por aí que era um empresário bem-sucedido, com parentes na Europa e herdeiro de fortunas, discurso usado inclusive nos dias hoje. Quando abriu o Bitcoin Banco, ele chegou a afirmar que tinha doutorado em Engenharia Financeira. No entanto, segundo a Polícia Federal, Oliveira mal tem educação básica e usava a esposa quando precisa escrever.
Em 1995, a polícia descobriu a fraude nos CPFs. Antes de responder pelo crime, Oliveira tirou um passaporte, conseguiu um visto e fugiu para Suíça, onde recebeu permissão para viver entre 1996 e 2000.
No país europeu, de acordo com dados da Interpol citados pela PF, o falso Rei do Bitcoin, mesmo sem falar inglês, foi responsável pela falência ou dissolução de quatro empresas. O prejuízo foi de cerca de 2 milhões de francos suíços (R$ 11,4 milhões).
Lá, ele virou alvo de investigação por estelionato, abuso de confiança, má gestão e falsificação de documentos. Com medo de ser preso, fugiu para Portugal, mas foi capturado e extraditado para Suíça em janeiro 2006, onde ficou preso provisoriamente.
Em junho de 2007, ele foi colocado em liberdade provisória enquanto aguardava julgamento. Exatamente um ano depois, ele foi condenado a 30 meses em regime fechado, mas não cumpriu a pena.
Parceira do crime
Antes de ser trancafiado, Oliveira conheceu pela internet Lucinara (com quem ainda é casado), que vivia em Santa Catarina. Papo vai papo vem, ela viajou para encontrá-lo. Os dois, no estilo Bonnie e Clyde, fugiram da Suíça, onde ainda há um mandado de prisão aberto contra ele.
Os então enamorados passaram por Barcelona, na Espanha; Lisboa, em Portugal; e Nice, na França. Em 2009, eles retornaram para o Brasil. No país, Oliveira criou um novo CPF e decidiu se casar com Lucinara. Eles viveram em Santa Catarina, Goiás, São Paulo e, por fim no Rio de Janeiro.
Por todo lugar que passava, Oliveira, com “técnicas avançadas de embuste”, procura se relacionar com pessoas com perfil financeiro elevado e as convencia a entregar dinheiro. O modus operandi, segundo a PF, era o seguinte:
“Construir uma identidade falsa, se inserir no meio social, captar dinheiro de terceiros com técnicas de persuasão, usar esses recursos para proveito próprio e fugir desse ambiente quando as vítimas descobrem a fraude”.
Lucinara, segundo a PF, era usada por Oliveira como uma “ferramenta” para alavancar o alcance de seus crimes. Como ele não sabe escrever direito em português ou falar inglês, ela corrigia e traduzia os textos enviados pelo golpista às vítimas.
Em trocas de mensagens de 2008, é possível ver erros graves de ortografia e gramática do falso Rei do Bitcoin.
Pirâmide de cirurgia plástica
Em 2013, depois de uma temporada no Brasil — período em que se capitalizaram com mais golpes — eles se mudaram para Miami, nos Estados Unidos. Na cidade, eles criaram uma pirâmide financeira de cirurgia plástica.
Eles também lançaram uma espécie de rifa na qual parte dos recursos arrecadados seria destinada ao auxílio de portadores de câncer. Os dois ainda começaram a se relacionar com empresários, sempre com o discurso de serem pessoa de sucesso.
Em um e-mail interceptado pela PF, uma vítima relatou que Oliveira conseguiu arrancar dele US$ 221 mil em apenas seis meses. Outros prejudicados também começaram a cobrar o casal. Eles chegaram a ser despejados do imóvel onde moravam, deixando mais dívidas e vítimas para trás.
Retorno para o Brasil e Grupo Bitcoin Banco
Com problemas nos Estados Unidos, a dupla deixou Miami e decidiu voltar para o Brasil. Na fuga, por via terrestre, eles passaram por Nova York, Tijuana, no México, e Panamá. Por fim, voltaram para o Brasil, onde moraram em Brasília, Santa Catarina e Goiás, sempre aplicando golpes.
Em setembro de 2016, o casal desembarcou em Curitiba (PR), com apoio de um homem envolvido com o comércio ilegal de diamantes. Em julho de 2017, Oliveira criou um novo RG no Paraná. Em setembro daquele ano, Luciana recebeu de Oliveira o primeiro e-mail da exchange NegocieCoins, uma do Grupo Bitcoin Banco.
De acordo com a PF, o “Rei do Bitcoin encontrou no ambiente das moedas virtuais uma característica que possibilitou uma alavancagem criminosa em parâmetros milionários nunca antes imaginados, visto que a tecnologia da blockchain é muito pouco conhecida”. O desfecho da história com as criptomoedas, como já é conhecido, acabou em prisão nesta semana.