Cassiano Silvestre compara seu primeiro contato com o Bitcoin ao espírito dos bolões de Mega-Sena feitos na firma: “Entrei para não ficar de fora”. Depois de vinte anos trabalhando em empresas como Morgan Stanley, Santander e BM&F Bovespa, ele agora paga para não sair do universo das criptomoedas.
“Fiquei espantado com o retorno que tive”, diz.
Silvestre representa uma tendência que vem ganhando força: a de profissionais que depois de uma trajetória no mercado financeiro tradicional vieram testar a sorte e o talento diante da volatilidade das criptomoedas. Pelo menos três corretoras lançadas nos últimos meses seguem esse perfil. Além disso, como revelado pelo Portal do Bitcoin, a XP Investimentos também planeja um produto no segmento.
Hoje Silvestre é co-fundador da Modiax, uma exchange que chegou ao mercado em julho e almeja ganhar espaço em 2018. A empresa, segundo Silvestre, tem um plantel misto, com mão de obra vinda de diferentes áreas.
Outro profissional que fez essa migração foi o recifense Edisio Pereira Neto. Formado em Administração e com 14 anos de seus 30 dedicados ao mercado de câmbio, ele transitou para a criptoeconomia com cautela.
Pereira Neto passou quatro anos estudando o mercado nacional e internacional e desenvolvendo o plano de negócios antes de virar CEO da BitBlue. “Sempre acreditei na força das fintechs e na sua relevância para a economia de modo geral”, afirma. “Saber que estou em uma economia disruptiva, mas com enorme potencial, é muito gratificante.”
O carioca Diego Velasques, 29 anos, foi mais impulsivo. Em 2015, ele trabalhava como trader no mercado financeiro quando ouviu falar do Bitcoin. “Minha transição foi praticamente instantânea”, diz. Em poucos dias, ela já estava operando 100% com as criptomoedas. Foi atraído pela volatilidade e pela tecnologia a longo prazo, especialmente com o blockchain. Hoje é CEO da e-juno.
Bagagem útil
Os três pontuam algumas características da experiência anterior que os favoreceram nessa transição. Para Velasques, quem já trabalhou com os ciclos de mercado compreende melhor a oscilação das moedas criptografadas: “Tivemos um hype muito grande no ano passado e agora estamos em período de consolidação; entender esses ciclos é muito importante para os investimentos”.
Pereira Neto valoriza a expertise de lidar com diversos tipos de clientes, fazer análises de compliance e ter segurança na movimentação financeira, enquanto Silvestre lembra a agressividade controlada na forma de ver os investimentos.
“O profissional do mercado financeiro é um tomador de risco, mas com consciência”, diz ele, que entende as criptomoedas como mais um produto na carteira. “Eu não me desfiz das minhas posições no mercado tradicional, as criptomoedas são um adicional ao portfólio.”
Pioneiro na transição
Um caso antigo de alguém que veio do mercado tradicional é o de Rodrigo Souza, o CEO da BlinkTrade, antiga provedora da plataforma da Foxbit e que atualmente fornece o sistema da Bitcambio.
Souza trabalhou na Bovespa de 2004 a 2008, quando assinou contrato com a Bolsa de Nova York, cidade para onde se mudou e onde vive até hoje. Por volta de 2011, ele conheceu o Bitcoin, mas ficou no plano da curiosidade — até ler uma matéria grande sobre o tema no Slashdot. “Ali percebi que o Bitcoin, no mundo das remessas, seria inevitável”, diz.
O entusiasmo foi tamanho que, em 2012, Souza não quis renovar contrato com a New York Stock Exchange. Usou o capital ganho em Wall Street para desenvolver a BlinkTrade, chamada de Bitex no início, cujas operações começaram em 2014. Atualmente, dos onze desenvolvedores da empresa, oito são egressos do mercado financeiro tradicional.
Na opinião de Souza, quem trabalhou no mercado financeiro sem dúvida leva vantagem, mas somente quando entende o mercado de bitcoin. “O que a gente vê são pessoas que acreditam que as duas coisas são iguais, e não são”, diz. “O Bitcoin acaba com os intermediários, a tecnologia corta tudo, faz as coisas ficarem mais eficientes.”
Bitcoin em baixa, players em alta
Apesar da profusão de empresas chegando ao segmento, o mercado em 2018 está bem diferente de 2017. O preço do Bitcoin caiu, o volume negociado é pequeno e a liquidez é baixa. Ao mesmo tempo, players internacionais como as chinesas Huobi e Coinbene entraram com força no mercado nacional.
A ideia de um mercado com mais players operando é bem vista pelos empresários consultados pela reportagem. Silvestre, da Modiax, disse: “O mercando vai ficando mais maduro, diminui o estresse de arbitragem e ele passa a se equilibrar mais”.
O CEO torce para que empresas como a XP incorporem essas operações. A XP Investimentos, por exemplo, é maior empresa de investimentos do Brasil, com 500 mil clientes ativos e mais de R$ 120 bilhões sob custódia.
Souza entende que, quanto mais empresas capitalizadas vierem, maiores as chances de se conseguirem milhões de pessoas usando Bitcoin. Mais pessoas usando, mais estável o preço da cripto. “E, quanto mais estável, mais útil ela se torna, a ponto de competir com a poupança ou a aposentadoria”, afirma.
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