Viver 100% em Bitcoin já é possível? Embora para muitos ainda seja uma perspectiva futurista, em Rolante, cidade do interior do Rio Grande do Sul, atividades como cortar o cabelo e tomar um café já pode ser feitos com satoshis.
No último final de semana, Rolante foi palco do Bitcoin Spring Festival, a primeira edição do evento serviu para firmar a adoção do bitcoin pela cidade. Com a presença de produtores locais e grandes nomes do cenário Bitcoin no Brasil, o potencial do uso do BTC como moeda foi debatido e colocado em prática.
O Bitcoin Spring Festival, foi uma iniciativa do Bitcoin É Aqui! projeto idealizado pelo casal Ricardo e Camila, um programador e uma massoterapeuta. Eles se lançaram ao desafio bitcoinizar uma cidade inteira.
Antes de entendermos o projeto em si, é preciso contextualizar o lugar que fez ele acontecer e porque a cidade foi crucial para o seu sucesso. Rolante, uma pequena cidade situada a aproximadamente uma hora de Porto Alegre, abriga uma população de pouco mais de 22 mil habitantes. Apesar de seu tamanho modesto, traz belezas naturais estonteantes e um comércio fomentado pelo o que é produzido na região. Conhecida como a “capital nacional da cuca” prato típico da região sul do Brasil, é turisticamente procurada pela Rota das Pipas, um caminho cercado por vinícolas e algumas dezenas de cachoeiras.
Apesar disso, sua localização à margem do circuito turístico gaúcho, nas proximidades de cidades renomadas como Canela e Gramado, a coloca em um segundo plano no radar dos visitantes de fora do estado. Habitantes relatam que falta investimento por parte da prefeitura para impulsionar o turismo local.
Impulso ao turismo
“O Projeto Bitcoin É Aqui! surge em um momento em que os comerciantes locais estavam famintos por algo que fomentasse o turismo na região. E ao mesmo tempo, quando eu já estava inquieto e necessitava passar os benefícios do Bitcoin para além de mim”, diz Ricardo.
Recentemente, Nayib Bukele, presidente de El Salvador, revelou em uma entrevista que o país registrou um salto na quantidade de turistas que visitam a nação caribenha desde que ela se tornou a primeira do mundo a adotar o bitcoin como uma moeda legal. Segundo ele, o turismo cresceu 95% desde que a lei sobre o tema foi aprovada, em setembro de 2021.
Sheila Finger, proprietária da Vinícola Finger, uma das mais antigas da região e a primeira de Rolante a aceitar bitcoin como forma de pagamento, destaca como os turistas ficam surpresos ao chegar em uma cidade do interior tão a frente de seu tempo.
“As pessoas ficam chocadas ao ver a foto dos tataravós da vinícola, no quadro ainda em preto e branco e logo abaixo o aviso de que aceitamos bitcoin. É um contraste e tanto, precisamos concordar.” disse disse Sheila Finger, casada com o Andrei Finger, a terceira geração da família de enólogos.
Dez vinícolas fazem parte da Rota das Pipas em Rolante, caminho feito pelos turistas para conhecer os famosos vinhos da região, das dez, quatro já aceitam receber pagamentos em bitcoin. Na Finger, não tem maquininha de cartão, mas você pode enviar Bitcoins pelos seus vinhos se assim quiser
Abordagem “de dentro para fora”
Em comparação com a experiência de El Salvador, que, no último mês, completou dois anos da adoção do Bitcoin como moeda legal, e conta com cerca de 235 estabelecimentos disponíveis para pagamentos em bitcoin, de acordo com o site BTCMap.org, a cidade de Rolante, em seis meses, já conta com mais de 180 estabelecimentos, de acordo com o mesmo site.
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Apesar da moeda ter se tornado oficial no país, teve baixa adesão. O motivo: boa parte da população não domina o conhecimento técnico necessário para aderir à tecnologia. Rolante se destaca pela abordagem de “de dentro para fora”. A confiança sólida entre a moeda e a comunidade foi construída desde o início. E o senso de colaboração mútua sempre existiu.
O projeto Bitcoin É Aqui! deu início liderando uma jornada educativa em busca de comércios que aceitassem receber em bitcoin, reunindo cerca de 50 pessoas no pequeno centro empresarial da cidade para discutir o projeto.
Além disso, a estratégia de marketing, que incluía recompensas para os comerciantes e carteiras personalizadas, foi um sucesso. Cada estabelecimento participante recebeu 70 sats em sua carteira para dar o início e foi o suficiente.
Durante o Bitcoin Spring Festival, ficou claro como a moeda se integrou ao cotidiano através das inúmeras vitrines personalizadas destacando a adoção do Bitcoin. “A moeda do futuro” diz uma delas. Mas em rolante, o Bitcoin já faz parte do presente.
Mudando a forma de ver o dinheiro
“O Bitcoin está mudando a forma como vemos o dinheiro. E o que está acontecendo aqui em Rolante pode acontecer em qualquer lugar” disse Letícia, proprietária da loja de roupas Cor de Rosa, que também aceita Bitcoin.
Conversando com os idealizadores do projeto, todos ressaltaram algo importante para a aceitação do Bitcoin pelos comerciantes: o forte senso de comunidade. Se você está familiarizado com criptomoedas há algum tempo, provavelmente já percebeu como as comunidades são fundamentais, especialmente no ambiente das fintechs, pois desenvolvem confiança e um senso de inclusão.
Em Rolante, uma típica cidade do interior, todo mundo se conhece. Com um centro pequeno e famílias que vivem ali por gerações, durante a colheita, a cidade se mobiliza para trabalhar nas vinícolas locais, comunidade já faz parte da essência de Rolante. E esse foi um ponto crucial para construir a confiança no Bitcoin.
“Um dia eu estava em Jericoacoara e o dono da Casa Macke, uma casa de ferramentas e um dos comércios mais antigos da cidade, foi me cobrar a conta que eu estava devendo, perguntei se eu podia pagar com bitcoin, ele disse que sim. Eu não acreditei e disse: grava esse momento pois esse é o primeiro pagamento em bitcoin de muitos que será realizado na cidade, e assim começou o projeto.” afirma Ricardo.
O Bitcoin Spring Festival serviu para fechar um ciclo e iniciar outro ainda mais forte em Rolante. Com o evento que reuniu nomes como Caio Leta e Criptomaníacos, além de empresas como Bipa e 2Go serviu pra mostrar para a comunidade de Rolante que eles não estão sozinhos e que há muita gente de olho na revolução que está acontecendo por lá.
Para uma cidade que começou apenas com a confiança e desejo de trazer o que o bitcoin tinha de melhor para a cidade, o sucesso do Bitcoin Spring Festival marcou a certeza de que estão no caminho certo. Diferente de eventos no geral, as principais atrações não eram os grandes palestrantes do setor, mas sim os pequenos comerciantes locais que estavam ali expondo seus produtos e mostrando como o Bitcoin acontece no dia a dia.
“No evento, as pessoas não estavam indo para participar, elas estavam indo para colaborar. Para quem esteve presente ficou bem claro que o espírito era esse. E estimular a adoção do Bitcoin era a motivação central dessa colaboração” disse Camila, massoterapeuta e idealizadora do Bitcoin É Aqui!.
Sobre a autora
Larissa Barros, fundadora da Agenda Crypto, também atua como comunicadora e estrategista de comunidades no cenário web3. Ela é uma grande defensora da acessibilidade à blockchain para todos e acredita que essa tecnologia tem o potencial de transformar vidas.