Os bitcoins do governo de El Salvador estão seguros? Parece que não

O presidente de El Salvador usa dinheiro público para comprar bitcoin direto do celular, mas se nega a dizer onde essas moedas estão armazenadas. Isso é seguro?
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Foto: Shutterstock

Em 2021, El Salvador fez história ao se tornar o primeiro país a tornar o Bitcoin (BTC) sua moeda oficial. Desde então, o descontraído presidente do país, Nayib Bukele, se gaba de ter comprado mais de 1 mil BTC para o Tesouro de El Salvador – e fez tudo isso pelo celular.

O grande experimento com bitcoin de Bukele pode ser considerado inovador, imprudente ou ambos, é muito cedo para dizer. Mas a falta de transparência em torno das práticas de contabilidade e cibersegurança do país podem ser um motivo para que tanto salvadorenhos como investidores estrangeiros entrem em pânico.

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Bitcoin nos registros do governo

Já que nenhum outro governo reconhece o bitcoin como uma moeda de curso legal, El Salvador está em território desconhecido em termos de gerenciamento de criptomoedas. Mas existem boas práticas que governos podem implementar para armazenar e reportar as finanças da nação.

O Federal Reserve dos Estados Unidos, por exemplo, documenta mensalmente os ativos alocados em sua reserva. Esses registros englobam não apenas moedas estrangeiras, como também ativos físicos, como o ouro.

Os registros do Fed informam onde estão esses ativos, bem como os ativos armazenados que, tecnicamente, não pertencem ao banco central americano.

Por exemplo, sob “estoque de ouro”, eles observam que o ouro mantido “sob reserva” nos bancos do Fed para “contas estrangeiras e internacionais” não está incluído em seus registros mensais.

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“É um exercício de contabilidade e algo que pode ser auditado. É o balanço patrimonial de um banco central e as declarações financeiras vão te mostrar exatamente quais são os ativos do banco central e, em grande parte dos casos, onde estão armazenados”, disse Steve Hank, professor de economia aplicada na Universidade de John Hopkins, ao Decrypt.

“É algo muito direto e ‘facinho’ de entender. Não há um grande segredo.”

Quando o assunto é o bitcoin de El Salvador, não existe tamanha transparência ou contabilidade pública.

Bukele disse ter comprado mais de 1 mil BTC, apesar de não haver informações sobre onde esses fundos estão armazenados.

Por enquanto, os salvadorenhos que em teoria têm direito de saber o que o governo faz com sua riqueza coletiva, podem apenas imaginar o que Bukele está fazendo com os bitcoins que ele afirma ter adquirido.

As alocações em bitcoin de Bukele

Embora Bukele adore chamar a atenção no Twitter ao anunciar que comprou bitcoin na queda, ele se nega a responder as perguntas mais básicas sobre a gestão do Tesouro pelo governo.

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“Existem muitas coisas que não estão sendo divulgadas. Por exemplo, quem possui as chaves privadas desses bitcoins?”, questionou Nolvia Serrano, líder de operações da fornecedora de carteira cripto BlockBank, em participação ao podcast Decrypt Daily.

“Além disso, onde está o critério para dizer: ‘Ah, hoje vamos comprar mais bitcoins’ ou ‘vamos esperar até o próximo mês’? Não sabemos disso”, acrescentou.

Na verdade, apesar de Bukele tuitar que compra bitcoin por meio de seu celular, isso continua sendo um ponto de discussão em El Salvador.

Um recente reportagem sugeriu que, apesar de o presidente se gabar no Twitter que comprou bitcoin em seu celular, ele está dependendo de pessoas que estão nos EUA para realizar as transações.

Esse comportamento e a falta de transparência podem frustrar alguns salvadorenhos, mas também pode ter consequências negativas para o panorama econômico do país.

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Investidores estrangeiros, por exemplo, podem ficar mais relutantes em fazer negócio com a primeira “nação bitcoin” do mundo. O comportamento de Bukele colocou o país em uma posição difícil quando o assunto é vender títulos e ter acesso a mercados de crédito internacionais.

Esse é um problema para um país como El Salvador, que busca refinanciar US$ 800 milhões de títulos que vão expirar em janeiro de 2023.

“Não sei quem irá comprar esses títulos, mas com certeza não seremos nós”, disse Kevin Daly, gestor de fundos no Aberdeen Standard Investments, em entrevista ao Financial Times em novembro de 2021.

Não são apenas empresas de investimento que estão preocupadas com o impacto do bitcoin no crédito soberano de El Salvador, como também agências de classificação de crédito.

Em janeiro de 2022, Jaime Reusche, da agência Moody’s, sugeriu que as posses em bitcoin de El Salvador ainda não apresentam uma ameaça às obrigações financeiras do governo, mas isso pode mudar no futuro.

“Se aumentar muito, então representa um risco ainda maior à capacidade de pagamento e ao perfil fiscal do emissor”, explicou Reusche na época.

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O estilo de gestão “caixa-preta” de Bukele indica que aos investidores resta apenas imaginar o estado exato das finanças do país.

“Ele pode estar roubando o Tesouro”

As perguntas sem respostas sobre a alocação de bitcoin de El Salvador claramente têm consequências financeiras ou políticas, inclusive crescentes preocupações sobre os piores cenários possíveis.

“Ele pode estar roubando o Tesouro… Isso é extremo e não existem evidências disso, mas não há evidências sobre nada”, acrescentou Hanke, especulando sobre um cenário hipotético e catastrófico em El Salvador.

Também existem implicações em termos de segurança que surgem da falta de transparência do governo.

De acordo com uma pesquisa da plataforma de análise em blockchain Chainalysis, carteiras de criptomoedas estão cada vez mais propensas a uma série de ataques de malware. Tais malwares permitem que hackers “zerem” o balanço em cripto de suas vítimas.

Ao mesmo tempo, corretoras centralizadas (como as que Bukele provavelmente está usando para comprar bitcoin) continuam sendo o principal alvo de hackers.

Embora a maioria das corretoras implemente sofisticadas medidas de segurança, algumas são mais negligentes, incluindo quando o assunto é proteger clientes de “phishing” (e-mails falsos enviados para roubar informações pessoais) ou outras formas de ataque.

É claro que é possível armazenar bitcoin com segurança, principalmente se o holder optar pelo chamado “armazenamento frio” (“cold storage”, sem conexão à internet) ou custodiantes especializadas. Bukele pode estar usando tais medidas.

Porém, dada a falta de transparência do governo, salvadorenhos podem estar certos em se preocupar com segurança da riqueza em bitcoin de seu país que, nas atuais condições, pode estar sujeita a hacks, desvio de fundos ou outros infortúnios.

*Traduzido por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co.