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Embora o mercado de criptoativos tenha tido marcos relevantes em 2021, como o atingimento de máximas históricas em seu valor de mercado (i.e., 3 trilhões de dólares) e o reconhecimento do Bitcoin como moeda de curso forçado em El Salvador, verifica-se que a insuficiência de regulação, supervisão ou fiscalização por autoridade pública na maior parte dos países — inclusive o Brasil — ainda pode comprometer a segurança do setor e, consequentemente, a total expansão e consolidação dos criptoativos como meio de troca e/ou investimento.

Na tentativa de superar tais desafios no Brasil, 9 projetos de lei (PLs) com diferentes textos e objetivos já foram discutidos pelo Congresso desde 2015 (i.e., 2.303/2015, 3.908/2021, 2.060/2019, 3.825/2019, 3.949/2019, 4.207/2020, 2.140/2021, 2.164/2021 e 2.234/2021), mas suas tramitações não prosperaram à época e o mercado brasileiro continuou a funcionar sem legislação ou regulamentação específicas.

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Após anos parados, os PLs 2.303/2015 e 3.825/2019 foram recentemente colocados em pauta pelos parlamentares e tiveram um avanço significativo em sua tramitação, trazendo indícios de que, em breve, as eventuais lacunas regulatórias com relação aos criptoativos no Brasil poderão ficar no passado.

Apesar de tais PLs estarem tramitando de forma independente, existe uma expectativa do mercado no sentido de que o primeiro seja apensado ao segundo, de forma que suas proposições passem a tramitar em conjunto, aumentando eventualmente a eficiência do processo legislativo e a celeridade na respectiva aprovação.

Isso porque o texto do PL 2.303/2015 foi substancialmente alterado desde a sua proposição original e tornou-se similar ao PL 3.825/2019 no tocante aos seus objetivos, termos, conceitos e princípios, visto que também se propõe a disciplinar ativos virtuais enquanto investimento e as atividades das respectivas prestadoras de serviços (ex.: exchanges), conforme resumidamente indicado a seguir.

Ativos virtuais

Os PLs conceituam “ativo virtual” como a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento, observado que não se confundem com:

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(i) moedas soberanas (fiat money, como o Dólar e o Real); (ii) moedas eletrônicas, conforme definidas pela Lei 12.865/2013 (ou seja, moedas mantidas em dispositivo eletrônico com correspondência a moedas fiduciárias); (iii) instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefícios provenientes de tais produtos ou serviços (e.g., pontos e recompensas de programas de fidelidade); e (iv) representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento (ex.: valores mobiliários e ativos financeiros).

Vale notar que o conceito proposto é similar àquele adotado por entidades relevantes do mercado global, a exemplo do “Guia de Abordagem Baseada em Risco para Ativos Virtuais e Prestadores de Serviços de Ativos Virtuais”, atualizado pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) em março de 2021, o que parece demonstrar que há um esforço por parte dos legisladores em implementar um marco legal alinhado às discussões internacionais sobre o tema.

Competência

Os PLs não designam, expressamente, órgão responsável pela regulamentação dos ativos virtuais e prestadores de serviços a eles relacionados, indicando apenas que o Poder Executivo atribuirá competência a um ou mais órgãos da Administração Pública Federal para discipliná-los, bem como para autorizar o funcionamento e a realização de reorganizações societárias, supervisioná-los, aplicar penalidades e definir as hipóteses em que suas atividades e operações serão abarcadas pelo mercado de câmbio.

Neste contexto, vale notar que o Banco Central do Brasil (BCB) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já se manifestaram sobre o tema no passado.

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O BCB divulgou os Comunicados 25.306/2014 e 31.379/2017 para apontar os potenciais riscos decorrentes de operações de custódia e negociação de moedas virtuais, e indicar que a respectiva regulamentação ainda não seria necessária em razão da ausência de riscos relevantes específicos para o Sistema Financeiro Nacional.

Não obstante, este posicionamento inicial parece ter mudado, uma vez que, em 30 de setembro de 2021, o atual presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, afirmou que este mercado já está no radar do órgão regulador e que “criptomoedas serão reguladas primeiro como investimento, depois como forma de pagamento”.

A CVM também já se posicionou sobre os riscos cibernéticos, de fraude, de liquidez e de alta volatilidade existentes no mercado de criptoativos, bem como sobre os riscos envolvendo o seu potencial uso para financiar operações ilegais e sua dificuldade estrutural de precificação. Contudo, com a divulgação do Ofício Circular 11/2018/CVM/SIN, a autarquia admitiu a realização de investimentos indiretos em criptoativos por meio de fundos de investimento.

Nesse sentido, apesar de haver alguns avanços nos posicionamentos de ambas as autarquias e uma disposição maior para regular criptoativos como investimento — conforme propõem os PL —, tais órgãos reguladores ainda parecem ter algumas preocupações em relação ao tema e, portanto, caso lhes seja atribuída competência para disciplinar a matéria após a eventual promulgação dos PL, permanece incerto o nível de rigidez do tratamento regulatório que será conferido ao setor.

Prestadoras de serviço de ativos virtuais

Nos termos dos PLs, a “prestadora de serviços de ativos virtuais” consistiria na pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, (i) trocas e transferências de ativos virtuais, inclusive para moedas soberanas; (ii) serviços de custódia ou administração; ou (iii) serviços financeiros, de venda ou relacionados à oferta por um emissor.

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Os PL também preveem que as prestadoras de serviços de ativos virtuais poderiam funcionar no Brasil apenas mediante a obtenção de autorização prévia, observado que a prestação dos respectivos serviços deveria observar diretrizes mínimas, por exemplo (i) a obrigatoriedade de controle e manutenção da segregação dos recursos aportados pelos clientes — o que parece estar inclusive em linha com a preocupação endereçada pela Lei 14.031/2020, que alterou a Lei 12.865/2013 para impor obrigações específicas para instituições de pagamento nesse sentido; e (ii) a observância de regras relacionadas à segurança da informação, proteção de dados pessoais, proteção e defesa de consumidores, prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao financiamento do terrorismo.

Conclusão

A promulgação dos PLs 2.303/2015 e 3.825/2019 com sua atual redação pode impactar significativamente o mercado de criptoativos brasileiro: por um lado, as novas normas irão impor um ônus legal e regulatório aos respectivos players, por outro, também podem contribuir para aumentar a solidez, segurança e credibilidade do setor.

Resta agora acompanhar o andamento das discussões no Congresso e futuras iniciativas para definição do órgão regulador competente para disciplinar este mercado em âmbito infralegal e, eventualmente, regulamentar também o uso de criptoativos como meios de pagamento.

Sobre os autores

Pedro Eroles, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, Visiting Scholar pela Universidade de Edimburgo, Reino Unido, sócio do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.

Luciana Moreira Kanarek, bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, advogada no escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.

Lorena Coelho Robinson, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, advogada no escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados. 

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Marina Martini Caldas, bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, assistente jurídica no escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.

Camila Merino Moya Leiva, graduanda em Direito e Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas.

Pedro Henrique Marques da Cunha, graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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