A Justiça brasileira decidiu em pelo menos três casos diferentes que a B Fintech responde pela Binance em ações de consumidores brasileiros que sentiram lesados pela maior corretora de criptomoedas do mundo.
A Binance não tem uma presença oficial no país. Porém, a B Fintech é uma empresa que tem como sócio-fundador o bilionário sino-canadense Changpeng “CZ” Zhao, criador da corretora e porta-voz ativo da empresa nas redes sociais e imprensa.
Contudo, o que vem ocorrendo é que muitos os clientes brasileiros que tenham alguma queixa contra a corretora acabam incluindo a B Fintech como parte, já que a Binance afirma não ter representação legal no país. A empresa diz que tem apenas o mesmo sócio da Binance, e que não são de um mesmo grupo e não podem responder pelas ações uma da outra.
Em uma petição enviada ao Tribunal de Justiça de São Paulo em dezembro do ano passado o advogado Thiago Donato dos Santos, que defende a B Fintech, afirmou: “É válido esclarecer que a agravante [B Fintech] não pode ser confundida com a empresa Binance. Isto porque são empresas distintas que realizam atividades igualmente diferentes”, afirma.
A interpretação da Justiça, contudo, tem sido diferente em alguns casos. A primeira decisão nesse sentido foi em maio do ano passado, pelo juiz Luis Carlos Maeyama Martins, da comarca de São Pedro (SP).
“Também se verifica a identidade do sócio da corretora internacional com a requerida B. FINTECH – o fundador e CEO Changpeng Zhao da corretora internacional BINANCE integra a empresa requerida B. FINTECH como único cotista representando a totalidade do capital social, denotando clara simbiose entre as referidas empresas”, diz Martins no Processo 1000107-89.2021.8.26.0584 (TJ-SP).
Depois, em junho de 2021, a juíza Juliana Franca Vassetto Diniz Junqueira, da comarca de Itatiba (SP), foi ainda mais enfática: “Evidente que integram o mesmo grupo econômico voltado à corretagem e custódia de criptomoedas, pelo que respondem solidariamente B. FINTECH SERVIÇOS DE TECNOLOGIA LTDA e BINANCE por eventuais danos causados ao consumidor. De fato, a requerida está mesmo representando nacionalmente a corretora internacional” (Processo 1001481-79.2021.8.26.0281 TJ-SP).
Em janeiro deste ano, a juíza Cláudia Carneiro Calbucci Renaux, da 7ª Vara Cível de São Paulo, também ressaltou que as empresas respondem de forma solidária no Brasil.
“A ré [B Fintech] tem legitimidade para figurar no polo passivo da demanda. A petição inicial narra de maneira adequada e lógica a relação jurídica mantida entre o autor e a empresa Binance (fato reconhecido pela ré). E, embora a B. FINTECH SERVIÇOS DE TECNOLOGIA LTDA, não tenha atuado efetivamente como corretora contratada pelo autor, a princípio, verifica-se estreita relação desta com a corretora BINANCE, pessoa jurídica que viabilizou ao autor o investimento em criptomoeda”, diz a magistrada (Processo 1066878-49.2021.8.26.0002).
O Portal do Bitcoin utilizou a ferramenta Juit Rimor para encontrar as decisões judiciais que foram relatadas nesta reportagem.
Não foi possível encontrar nenhum contato da B Fintech para responder à reportagem.
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Detalhes da B Fintech
A B Fintech é uma sociedade empresária limitada, fundada no dia 24 de junho de 2020, com capital social de R$ 50 mil. Changpeng Zhao é o sócio; o administrador é Luciano Gomes da Silva.
A atividade principal da empresa é “atividades de intermediação e agenciamento de serviços e negócios em geral, exceto imobiliários”.
Debate jurídico
O argumento da B Fintech é que a lei brasileira é clara em dizer que empresas com mesmo sócio não respondem de forma solidária.
O advogado Carlos Portugal Gouvêa, sócio do PGLaw e que atua há 20 anos em casos empresariais e de empresas dos setor de tecnologia, ressalta que o atual Código Processo Civil determina que a autoridade judiciária brasileira tem autoridade para julgar ações nas quais tiver uma pessoa jurídica estrangeira que tenha no Brasil agência filial ou sucursal.
“Ter o mesmo sócio é o que chamamos de ter o controle comum. Você não precisa ter necessariamente uma holding que conecte as duas. Do ponto de vista societário,o que se identifica como controle é a existência de um controle comum. De você ter essa coordenação das atividades. É um grupo societário de fato, mas não registrado. É uma definição mais aberta no Direito do Trabalho e mais fechada no Direito Civil, mas no caso creio que se aplica”, diz Gouvêa, que leu as petições no caso B Fintech.
O que diz a Binance
Questionada pela reportagem, a empresa enviou a nota abaixo:
A Binance é a principal provedora mundial de infraestrutura para o ecossistema de blockchain e criptomoedas. Possui equipes em vários países trabalhando em sincronia, comprometidas com o desenvolvimento do ecossistema cripto no mundo, inclusive no Brasil. Somos dedicados integralmente na melhoria constante da experiência do usuário no universo cripto.
Entre os colaboradores focados em território brasileiro, a Binance possui advogados que monitoram e trabalham nos casos que envolvem o nome da exchange, de forma que nenhuma ordem judicial foi desobedecida e nenhum usuário que buscou seus direitos no Judiciário se viu desamparado. Além de advogados, também possui equipes de atendimento ao cliente em português, marketing, comunicação e assuntos governamentais dão suporte às operações da exchange e aos clientes brasileiros.
A Binance continua trabalhando com governos e reguladores de todo o mundo para aumentar a conscientização e a compreensão da tecnologia cripto e blockchain. A empresa está focada em atender a todas as necessidades e requisitos das autoridades e também dos usuários.