A Corregedoria do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul estabeleceu na segunda-feira (1º) quais são as etapas que devem ser respeitadas para que uma pessoa possa fazer a digitalização de um imóvel e trocar a escritura digital do bem por tokens e criptomoedas.
A instituição atendeu um pedido da Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio Grande do Sul sobre como proceder nestes casos, que vêm levantando muitas dúvidas nos cartórios do estado.
A demanda cresceu com os serviços da empresa netspaces, que faz a digitalização de imóveis com registro em blockchain e a troca da escritura digital por tokens.
O TJ-RS identificou um problema principal no processo desenvolvido pela companhia. A permuta prevê que um bem será trocado por algo que não seja dinheiro, mas que tenha valor condizente. No caso, a netspace dá em troca algo que, no entendimento da corte gaúcha, já é de propriedade da pessoa.
“Só existe troca ou permuta quando são transacionados bens ‘com livre disposição’ por cada uma das partes. Nas ‘permutas’ de que trata o regulamento elaborado pela empresa netspaces, esse requisito está ausente, uma vez que o proprietário original troca o seu imóvel por algo que já é seu, qual seja, a ‘propriedade digital’ do mesmo imóvel”, afirma a corregedoria do TJ-RS em documento publicado no dia 26 de outubro, no qual analisa o pedido da associação.
Para a Justiça, do modo como é feito, o negócio caracteriza uma doação e não uma permuta.
Um exemplo real é utilizado na decisão: uma sala comercial no centro de Porto Alegre, avaliada em R$ 110 mil, foi digitalizada e seu dono recebeu de volta um token de R$ 2.776,08.
“A diferença expressiva e exorbitante de valores pode sim desvirtuar o caráter oneroso da avença, pois a permuta de um bem de valor mais vultoso por um de valor econômico relativamente irrisório, sem contrapartida, pode disfarçar uma doação, assim como uma permuta com contrapartida em dinheiro muito grande pode encobrir uma compra e venda. Essa questão não é irrelevante, seja do ponto de vista do direito civil ou do direito tributário”, afirma.
Equivalência entre token e propriedade
A definição de como registrar em cartório a digitalizção de escritura e troca por tokens foi agora estabelecida pelo Provimento 038/2021 da Corregegoria Geral de Justiça do TJ-RS.
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Nele, a corregedora-geral Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak estabelece em quarto artigos como o procedimento deve ser feito para ter validade legal.
Um dos pontos define que “o valor declarado para os tokens/criptoativos guarde razoável equivalência econômica em relação à avaliação do imóvel permutado” e que “todos os atos notariais e registrais realizados na forma deste provimento deverão ser comunicados ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF”.
Propriedade digital não é direito real
Um ponto importante ressaltado pela Justiça gaúcha é que a “propriedade digital” de bem imóvel não compreende um direito real, mas forma uma instituto de natureza obrigacional.
Ou seja, a pessoa passa a ter direitos sobre como a propriedade é utilizada, mas não é dona do imóvel.
“É bem sabido que a propriedade propriamente dita de bem imóvel no direito brasileiro é direito real (art. 1.225, I, do Código Civil) e é transmissível entre vivos mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis (art. 1.245 do CC)”, diz a corte.
A própria netspace, na manifestação levada à Justiça, deixa claro que a “transação de propriedade digital” que promove, ocorre no campo dos direitos pessoais, e não reais.
“A propriedade digital garante ao proprietário digital o uso, gozo, fruição e defesa do bem diante de terceiros. A particularidade técnico jurídica, no entanto, está em que, por se tratarem de vínculos indiretos em relação ao imóvel, decorrentes de uma relação jurídica proprietário digital Netspaces, na perspectiva do imóvel, a propriedade digital consiste em direitos de natureza pessoal”, diz a empresa.