O judiciário brasileiro já enxerga criptomoedas como garantia de execução. Com isso aumentam-se as chances daquela pessoa que ganhou uma ação receba os frutos dela.
Antes de dezembro de 2017, a possibilidade não existia no mundo jurídico, até que a 36ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo enfrentou um caso no qual foi requerida a penhora de Bitcoins do executado. O pedido foi negado por falta de comprovação de que o devedor possuía tais investimentos.
Na decisão, entretanto, o desembargador Milton Paulo de Carvalho Filho, relator do caso, afirmou que “Por se tratar de bem imaterial com conteúdo patrimonial, em tese, não há óbice [impedimento] para que a moeda virtual possa ser penhorada para garantir a execução”.
O caso repercutiu entre profissionais do direito. A juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo, Renata Souto Maior Baião, publicou recentemente um artigo no Linkedin no qual ela explica que não só é possível, bem como apresenta dois caminhos: apreensão dos bitcoins ou o bloqueio da conta nas exchanges e sua conversão em “moeda corrente no momento da penhora”.
Em entrevista cedida ao canal mantido pela professora de Direito Empresarial da Escola de Magistrados do Rio de Janeiro (EMERJ), Priscilla Menezes, o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Alexandre Câmara, declarou que “independente da natureza jurídica do Bitcoin (se é commodity digital, moeda ou valor mobiliário) não tenho dúvida que pode ser penhorada”.
O risco de perecimento do Bitcoin
Tanto Renata Souto Maior Baião quanto Alexandre Câmara relatam que o bloqueio da conta nas Exchanges pode ser um problema ainda enfrentado pelo judiciário tendo em vista o risco do perecimento do Bitcoin (o que serve para também para as altcoins).
Para Baião, “o Poder Judiciário não poderá mantê-lo na exchange”, pois o objetivo seria “penhorar o ativo para saldar débito perante credor”. Ela então sugere a hipótese do poder judiciário criar uma carteira privada para cada processo, o que, por sua vez, esbarra nas medidas de segurança que teriam de ser tomadas para que as criptomoedas não perecessem e a garantia da execução deixasse de existir.
“E caso o Bitcoin pereça (ou seja, a chave privada seja perdida ou, mais, subtraída e utilizada), o Poder Judiciário será responsável por isso? Como será apurado o valor do criptoativo? Ou incumbirá ao credor a custódia do bitcoin?”
Alexandre Câmara, contudo, apresenta uma solução antiga para um problema novo. Ele sugere a aplicação analógica da “expropriação imediata de bens perecíveis”. Em outros termos, através desse tipo de penhora, não se espera até o final da execução para se converter o bem em dinheiro.
“Imagine que se penhorou uma carga de alimento perecível. Se você for esperar todo o procedimento executivo para fazer o leilão no final do processo ele já passou da validade (… ) Me parece, então, que essa mesma ratio pode ser aplicada no caso de um bem que não perecível, em si, mas que pode ter um valor que o torne perecível na medida que ele pode repentinamente perder totalmente seu conteúdo econômico, chegando mesmo a valores tão irrisórios que se aproximam do nada”.
Da teoria à prática
A professora de Direito Empresarial da UFF, Márcia DalCastel, explica que Bitcoin é um bem como qualquer outro e não há qualquer impossibilidade na sua penhora. “Na prática, segue a regra de qualquer execução. Encontrado o bem, requer-se a penhora”.
Segundo DalCastel, a penhora na prática seria um processo simples e pouco custoso, resultando na entrega da chave criptográfica que dá acesso aos Bitcoins.
“Tudo se resume em saber se existe bitcoin, conhecer do acesso da “propriedade” do bitcoin e entregar para quem de direito, no caso o credor”, afirma.
Sob essa perspectiva apontada, a nova modalidade de penhora deve afetar a execução de um crédito independentemente se a discussão que originou veio do Direito Empresarial, Civil, tributário ou até mesmo trabalhista.
O problema, contudo, começa em provar que o devedor possui as criptomoedas para que não ocorra com o credor o mesmo do caso emblemático julgado pela 36ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo.
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