Imagem da matéria: Filme da Netflix sobre criptomoedas é o retrato do mercado antes da profissionalização | Opinião
Foto: Divulgação/Netflix

Estreou nesta quarta-feira (30) o documentário  “Não confie em ninguém: a caça ao rei da criptomoeda”, que conta a história de Gerry Cotten. O jovem canadense criou uma exchange e morreu, supostamente levando consigo para o túmulo as chaves privadas que davam acesso a milhões em Bitcoins.

Contém spoilers.

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O documentário se propõe a ser uma peça de mistério envolvente, dando corda para a teoria de que Gerry teria falsificado a própria morte para ir viver com o dinheiro de milhares de clientes. Mas essa teoria perde grande parte, senão toda a credibilidade, quando um jornalista do The Globe and Mail relata que foi até a Índia e conversou pessoalmente com o médico que assinou o atestado de óbito.

No final das contas o filme funciona mais como um registro histórico. É um retrato perfeito de como o mercado das criptomoedas era antes do dinheiro institucional e da atenção da sociedade e grande imprensa se voltarem para ele.

Não há grandes mistérios. Gerry fez uma cortina de fumaça, convenceu as pessoas de que operava uma exchange e era na verdade mais uma pirâmide, um gigante esquema ponzi. Quando o Bitcoin teve o grande boom de 2017 tudo corria bem. No “bear market” de 2018 os clientes começaram a querer sacar e aí tudo ruiu.

É ilustrativo o caso de um entrevistado que depositou US$ 400 mil para evitar pagar uma taxa de 2% que seria cobrada para transferir seu dinheiro dos Estados Unidos para o Canadá. Em vista de economizar oito mil dólares, ele resolve depositar a quantia total na QuadrigaCX para depois converter na moeda canadense – claramente a transação nunca aconteceu.

No final das contas a QuadrigaCX era apenas “um monte de páginas de HTML sobrepostas” como define um bizarro entrevistado que passa o tempo todo com uma máscara igual ao logo da Metamask e voz distorcida.

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Bitcoin era apenas o chamariz. Vão atrás dos endereços que supostamente a exchange geria e estavam vazios. Gerry apenas receia os depósitos e pegava o dinheiro no bom e velho sistema fiat e viajava o mundo em passeios de luxo.

Impossível não lembrar de tantos casos parecidos no Brasil: GAS Consultoria e Faraó do Bitcoin, o Rei do Bitcoin, Meu Pé de Bitcoin, MSK Invest

Foi um momento no qual para um certo público o investimento em cripto parecia uma caixa mágica, onde você colocaria dinheiro e ele se multiplicaria. Mas era uma caixa complexa de mexer, por isso você precisaria de um intermediador. E com isso explodiu o número de esquemas fraudulentos usando o nome cripto como chamariz.

Hoje em dia cada vez mais as corretoras estão estabelecidas e as pessoas passam a entender como funciona a dinâmica do mercado (embora os golpes estejam longe de acabar).

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Outro ponto interessante nesse olhar para o filme como o retrato de uma época é que pessoas que conviviam com Gerry em Vancouver relembram como em 2013 eles formavam um grupo de 8 a 12 entusiastas que se reuniam para falar de Bitcoin em algum restaurante. O senso de comunidade do Bitcoin nasceu dessa forte ligação que existia no início, algo como os primeiros fiéis a aceitarem a Palavra.

E muito dos grandes players do mercado de criptomoedas de hoje em dia vieram desses pequenos grupos de fiéis dos idos de 2013. Roger Ver e a polêmia do Bitcoin Cash, Vitalik Buterin indo criar uma tal rede Etehereum, no Brasil dois irmãos criando um site chamado Mercado Bitcoin, um sino-canadense que já havia trabalhado no McDonald’s cria uma empresa chamada Binance.

É como quando os Beatles estavam em Liverpool, prestes a explodir. Em uma janela de tempo minúscula os absolutamente acessíveis rapazes da banda se tornaram semi-deuses; e nesse mesmo sentido os jovens que se empolgavam com a filosofia de uma moeda digital descentralizada passaram a conversar com presidentes, mexer com bilhões, influenciar rumos da economia ou criar esquemas fraudulentos de centenas de milhões de dólares.

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