Não é preciso olhar muito para trás para lembrar de diversas declarações de dirigentes de grandes bancos contra as criptomoedas. Porém, nos últimos meses, não só temos visto cada vez mais projetos dessas instituições com ativos digitais, como recentemente o maior banco privado do Brasil, o Itaú, entrou para a Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto).
Essa movimentação, contando também que empresas como Visa e Mastercard também estão dentro do grupo, chamou bastante atenção sobre o atual momento do mercado cripto. Estamos finalmente vendo a “velha economia” aceitando que não tem como brigar com o futuro que são os criptoativos? Para alguns especialistas é exatamente isso.
“O crescimento da ABCripto com a entrada de novos players, especialmente instituições incumbentes, denota uma convergência entre as finanças tradicionais e as finanças descentralizadas, seja no uso da tecnologia, seja em novos modelos de negócios”, afirma o advogado Isac Costa, professor do MBA de Criptofinanças do Ibmec.
Segundo ele, a entrada de uma empresa como o Itaú é uma “consequência natural” da recepção do governo com a criptoeconomia diante da regulação do setor. No Brasil, o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) têm se mostrado bastante abertos às inovações das criptos, com o lançamento de sandboxes para fomentar projetos.
Enquanto isso, do lado político, o país já conseguiu aprovar uma regulamentação sobre o setor, que traz uma luz sobre a atuação das empresas que usam tecnologias blockchain, facilitando a fiscalização e ajudando a proteger os usuários.
Para Bernardo Srur, presidente-executivo da ABCripto, um dos motivos para a entrada de grandes empresas financeiras também mostra que todas já possuem ou pelo menos têm planos para terem produtos e serviços que utilizam criptoativos.
“A ABCripto é a referência da criptoeconomia nacional, principalmente nesse processo de construção do setor. Então é natural que nós tenhamos aqui, desde o cripto nativo pequeno, mas também as grandes instituições financeiras que estão olhando o tema, é natural”, disse o executivo em entrevista ao Portal do Bitcoin.
Courtnay Guimarães, diretor da Avanade, uma joint-venture da Microsoft e da Accenture, por sua vez, avalia que o mercado está se consolidando e que no futuro não haverá mais os players criptos e os regulados, serão todos players de um mesmo mercado. ”Por isso os players tradicionais estão entrando no mercado, que está unificado. E com as novas leis no Brasil e no mundo isso é inexorável (ter um mercado único)”, afirma.
Enquanto isso, Costa também aponta três fatores que ajudam a entender a entrada das instituições financeiras tradicionais no mercado cripto: “Primeiro, a ABCripto tem como objetivo dialogar com o Estado sobre a regulação em construção, com a composição de interesses. Segundo, a associação representa um hub de informações específicas do setor, aproximando empresas para fazer negócios e fornecendo orientações. Terceiro, esse movimento sinaliza ao mercado um compromisso de que aquela será uma nova linha de negócios da empresa que se associa à ABCripto, servindo, assim, como um meio de informar ao mercado um posicionamento estratégico”.
Mercado em crescimento no Brasil
Enquanto nos Estados Unidos os reguladores mostram resistência diante do mercado de criptoativos, o Brasil tem sido um exemplo global de avanço e estudos unindo a economia tradicional e a criptoeconomia.
Há anos o mercado doméstico já conta com fundos que investem em ativos digitais, produtos específicos com cripto, como alguns ETFs (fundos negociados em bolsa), além de projetos como “bolsas” de ativos tokenizados, lançadas por meio de um sandbox feito pela CVM.
Isso, aliado à aprovação do marco regulatório das criptos no Congresso no fim de 2022, também tem impacto sobre o crescimento da ABCripto, que em cerca de um ano dobrou de tamanho, passando de 14 empresas associadas para atuais 32, que além de nomes tradicionais do setor como Mercado Bitcoin, Foxbit, NovaDAX, Ripio e Bitso, também já conta com companhias como Mastercard, Visa e Itaú Unibanco.
Segundo Costa, a ABCripto tem conquistado um papel como interlocutor das empresas da criptoeconomia com as autoridades brasileiras. “Com o tempo, é possível que ela represente para o setor um papel semelhante ao desempenhado por Anbima, Febraban, Abrasca e Ancord, por exemplo”, avalia.
“A noção de lobby, usualmente demonizada, é importante. Sendo transparentes as tratativas entre o Estado e qualquer agente privado, o diálogo técnico com as autoridades é algo que deve ser estimulado, pois poderá gerar normas mais aderentes à realidade do mercado”, diz o advogado.
Srur também aponta para o momento de inclusão da economia nacional. “Quando observamos o nosso mercado financeiro, ele é extremamente concentrado, não é inclusivo. O BC fez várias ações, como por exemplo o PIX, um dos maiores programas de digitalização do Brasil, e foi realmente um ponto muito importante”, afirma.
“Vivemos num momento em que precisamos tornar a economia uma ferramenta de inclusão, e isso passa pela criptoeconomia. A criptoeconomia é a grande forma de ajudar nesse processo de descentralização, que vai levar a esse processo de inclusão de outras pessoas, de distribuição de novos produtos, do acesso por parte da população a produtos e serviços dos quais elas não possuem hoje”, conclui.
O papel da ABCripto
O crescimento da ABCripto também reforça a importância de haver uma entidade para ajudar o setor a dialogar com o governo e outros órgãos. Para Guimarães, o papel do grupo é representar, de maneira organizada e estruturada, o setor em aspectos regulatórios, em especial na atual fase de formação do mercado, criando uma autorregulação,com melhores práticas dentro do setor.
Já Srur, explica que a associação trabalha em três frentes diferentes e complementares. A primeira envolve a formação de políticas, sejam elas públicas, como discussão de regulação, como também na formação de políticas privadas, que envolve exatamente a autorregulação.
A segunda frente é a de produção de informações em relação ao setor cripto, até como forma de educar empresários e investidores sobre o mercado. Por fim, o presidente da ABCripto diz que o grupo tem um trabalho de “landscape regulatório sobre o Brasil”, que, segundo ele, é muito procurado por investidores e empresas estrangeiras que querem entender um pouco mais sobre o cenário doméstico.
Costa, por sua vez, completa a avaliação dizendo que a relevância da associação está na “necessidade de informar órgãos estatais e, de certo modo, empresas mais tradicionais sobre os riscos e oportunidades do setor, superando preconceitos e associações prévias com pirâmides e lavagem de dinheiro”.
“No futuro, a ABCripto pode evoluir para ser uma fonte de informação, um hub para profissionais e, enfim, servir como uma bússola para o setor”, conclui o advogado.
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