Desembargador que votou pela libertação do Faraó do Bitcoin deixa turma que julga o caso

William Douglas havia pedido para entrar na turma que julga caso da GAS. Após votar, o desembargador solicitou retorno aos processos tributários
Imagem da matéria: Desembargador que votou pela libertação do Faraó do Bitcoin deixa turma que julga o caso

William Douglas, desembargador do TRF-2 (Foto: Divulgação)

Único a votar para soltar Glaidson Acácio dos Santos da prisão, o desembargador William Douglas pediu para ser transferido em outubro para a turma responsável pelo caso. Julgou em favor do Faraó do Bitcoin e dono da GAS Consultoria e depois voltou para sua área.

A dança das cadeiras foi noticiada na terça-feira (25) pela revista Veja. Douglas em geral julga casos tributários. A Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região trata de ações penais e foi para lá que o magistrado pediu para ser transferido.

Publicidade

A troca foi feita com André Fontes, que confirmou para a revista que foi o colega que pediu a mudança.

“Segundo Fontes, William Douglas é um juiz premiado por sua produtividade e achou que teria grande contribuição a dar a uma turma complexa como a penal”, informa a reportagem.

Mas logo após votar no pedido de habeas corpus de Glaidson, o desembargador decidiu voltar para os casos tributários.

“Fontes disse, no entanto, que o desembargador o procurou novamente porque queria trocar de posto dizendo que o sistema de produtividade que havia implementado enquanto juiz era bom para um único assunto, não para três temas como acontecia na segunda turma do TRF”, diz a reportagem.

Pagar pela soltura

Em seu voto no HC de Glaidson, William Douglas propõe literalmente que o empresário troque a liberdade provisória pelo ressarcimento dos clientes.

Publicidade

Segundo o desembargador, só o empresário teria acesso aos fundos. Mas não fica claro o motivo de ele não poder dar uma procuração para alguém ou simplesmente revelar as chaves para um advogado – o fato dele estar preso não é per se um impeditivo.

“Ele (o ex-garçom), obviamente, tem todo o interesse em resolver o problema com a Justiça e eu acredito que ele vai estar suscetível de devolver esse dinheiro a todo mundo. E ele vai saber devolver, vai conseguir devolver todo esse dinheiro porque ele que tem acesso ao mesmo, a gente não vai conseguir sozinho. Então, o meu voto é no sentido da gente vincular a soltura dele à devolução dos valores que estão…. dos valores das pessoas que fizeram investimento com ele. É esse meu voto”, disse Douglas na ocasião.

Colegas de corte discordam

Já o relator, desembargador federal Flávio Lucas, disse que há chance real de fuga, que a esposa de Glaidosn continua operando no mercado após sua prisão e de que há indícios de envolvimento com milícia, o que coloca a segurança pública em risco.

O desembargador federal Marcello Granado acompanhou integralmente o relator, salientando que a inexistência de contabilidade formal da GAS também indicaria inobservância às comunicações obrigatórias previstas na lei de lavagem de dinheiro.

Publicidade

Terrivelmente Evangélico

William Douglas foi aventado como um dos nomes que o presidente Jair Bolsonaro pensou para ser o ministro do Supremo Tribunal Federal “terrivelmente evangélico”.

Segundo Veja, Douglas teria apoio do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente.

“O que o STF precisa e o Brasil merece e tem direito é a um ministro que julgue com isenção e imparcialidade e que aplique e defenda a letra da Constituição Federal. Uma Corte Suprema precisa ter uma mínima representação da sociedade onde está inserida e respeitar os valores do povo brasileiro”, disse Doulas ao jornal Correio Braziliense.

Caso GAS Consultoria

Glaidson está preso desde agosto sob acusações de crime contra o sistema financeiro nacional, supostamente aplicado a partir de sua empresa GAS Consultoria. O negócio é conhecido em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, por oferecer controversos contratos de investimentos em criptomoedas.

A Polícia Federal, a CVM e o Ministério Público, juntaram documentos apreendidos na operação Kryptos e a Justiça o tornou réu no início deste mês, juntamente com mais 16 acusados. Sua esposa Mirelis Zarpa, provável cabeça do negócio que prometia 10% de rendimentos ao mês, ainda está foragida.

Na ocasião da prisão de Glaidson e demais suspeitos, os agentes da PF e Receita Federal apreenderam 591 bitcoins, avaliados na cotação atual em cerca de R$ 195 milhões, dezenas de carros de luxo e mais de R$ 13 milhões em espécie.

Publicidade

O caso já chegou até o Superior Tribunal de Justiça, que negou o HC.

Tentativa de homicídio

A Polícia Civil do Rio de Janeiro divulgou em outubro do ano passado o indiciamento de Glaidson Acácio dos Santos por tentativa de homicídio. O dono da GAS Consultoria, também conhecido como Faraó do Bitcoin, é suspeito de encomendar o assassinato de Nilson Alves da Silva em março deste ano.

Conforme aponta reportagem do jornal Folha de S. Paulo, Nilson estaria espalhando pela cidade de Cabo Frio (RJ) que o dono da GAS seria preso e isso motivou a encomenda de seu assassinato por Glaidson.

A Polícia Civil do Rio de Janeiro também acusa Glaidson de ter encomendado a morte de Wesley Pessano, que foi encontrado morto a tiros em 4 de agosto do ano passado em São Pedro da Aldeia, Região dos Lagos. 

Contraponto

A assessoria de imprensa do TRF-2 enviou um contraponto para o Portal do Bitcoin, negando que o desembargador tenha pedido transferência para votar em um caso específico.

Em relação à matéria publicada na Coluna Radar Econômico da Revista Veja, edição on-line, em 25/1/2022, cabe esclarecer:

A matéria sugere que a troca de turma de julgamento realizada pelo desembargador federal William Douglas, em outubro do ano passado, teria o objetivo de viabilizar sua participação no julgamento de um pedido de habeas corpus específico. Ocorre que, não sendo o relator do referido recurso, o magistrado não teria como saber o dia específico que seria colocado em pauta para análise.

É importante ressaltar que a ação principal segue tramitando na primeira instância da Justiça Federal do Rio de Janeiro. É completamente descabido supor qualquer interesse do desembargador no caso, até porque o mesmo saiu da Turma que ainda julgará o processo principal.

Publicidade

A jornalista fez contato indagando apenas sobre a mudança de turma, e não fez qualquer menção sobre o caso criminal abordado por ela na coluna.

Está presente nos autos do processo, o voto devidamente fundamentado do desembargador federal William Douglas, de acordo com o entendimento do magistrado, mencionando a legislação, doutrina e jurisprudência que, na forma de seu livre convencimento, aplicou ao caso concreto.

Nos dois meses que esteve na turma criminal, o magistrado participou de centenas de julgamentos criminais, previdenciários e de propriedade intelectual. Milhares de casos foram julgados pelos integrantes do colegiado, sem qualquer questionamento ou ilações externas.

Todas as mudanças de Turma são feitas na forma do Regimento Interno do TRF 2, com votação pelos componentes do pleno do Tribunal.

A promoção do desembargador William Douglas ao TRF2 não se deu por escolha do Poder Executivo, mas sim pelo critério técnico e objetivo da antiguidade. Ou seja: na ocasião, ele era o mais antigo juiz federal atuando na 2ª região e foi referendado por unanimidade pelo plenário do TRF2 e, na sequência, nomeado pelo Presidente da República, como determina a Constituição da República.

Portanto, diante das equivocadas afirmações na matéria publicada na página da revista na internet, solicitamos que o texto da reportagem seja retificado e que a presente nota de esclarecimento seja publicada na íntegra na coluna.

*Texto alterado às 16h33 do dia 27/01/2022 para acréscimo da nota de contraponto do TRF-2.