A “Genesis” é a mais recente pirâmide financeira com criptomoedas que caiu no Brasil, e em pleno andamento da ‘CPI das Pirâmides’ no Congresso Nacional. Após denúncias de investidores, nove pessoas foram presas nos últimos dias por suspeitas de participação no golpe que prometia rendimentos acima dos praticados no mercado.
O golpe, que se espalhou também pelo YouTube, prometia pagar 2,5% de rendimento ao dia para quem fizesse um depósito de pelo menos US$ 50 (cerca de R$ 240) em Tether (USDT) na plataforma.
Após a transferência da stablecoin, o cliente passava a fazer parte de uma lista de clientes que recebiam “sinais”, geralmente enviados em grupos de WhatsApp e Telegram. Havia também uma espécie de bonificação por indicação, o que sugere o formato de um clássico esquema de pirâmide.
A queda da pirâmide
Os problemas com a Genesis começaram no dia 31 de maio deste ano, quando o aplicativo usado no golpe ficou indisponível. Quando o sistema voltou a funcionar, os usuários notaram um formato diferente. Eles então foram avisados de que os problemas ocorreram porque a Genesis estava prestes a abrir capital nos EUA e precisava de um prazo de 15 dias para uma suposta auditoria.
Após isso, eles foram instados a depositar mais dinheiro na conta da falsa corretora, instruídos de que precisavam validar o cadastro novamente, mediante depósito de 10% sobre os valores investidos, e assim poderiam pedir saques. No entanto, era a outra parte do golpe.
O Portal do Bitcoin conversou com três das vítimas da Genesis, que explicaram o funcionamento da plataforma e quais foram suas perdas. Sobre o pedido dos 10% adicionais, a falsa corretora alegou que estava ocorrendo muitas fraudes e que teria que validar as contas, conforme explicou à reportagem Priscila Belo Mendes da Silva, empresária de São Paulo que acredita que muitos acabaram fazendo o novo depósito na esperança de reaver o dinheiro.
Ela relatou que não sabia como funcionava o mercado financeiro, mas resolveu investir na Genesis após a indicação de dois amigos que a informaram do lucro de 2,5% ao dia sobre o valor investido. Depois de se cadastrar na plataforma, em 11 de abril deste ano, ela fez os depósitos em USDT no valor de R$ 10 mil, conforme revelam os prints das operações enviados à reportagem.
Ela conta que suas transferências foram feitas através da corretora Binance, onde depositou em reais e os converteu em criptomoedas. A Genesis recebia os fundos em sua carteira via rede Tron.
Do montante, Priscila ainda conseguiu fazer um saque de R$ 7 mil, mas no dia 31 de maio, quando houve o bloqueio da Genesis, o sistema travou e ela ficou no prejuízo. Ela então registrou um boletim de ocorrência e contratou um advogado. Segundo informou à reportagem, o processo contra os responsáveis se encontra em petição.
Priscila também afirmou que o “líder regional” do seu grupo se identificava como Michell “que garantia os lucros, mais 1 ano e 9 meses de operação e que existia uma equipe de fundo para assegurar os prejuízos”.
Portanto, eram líderes como Michell que nos grupos de mensagens compostos por centenas de pessoas, determinavam os horários de entrada nos trades, geralmente de noite, seguindo um índice descrito pela empresa como “Nikkei50”. Era desta forma que os lucros engordavam a conta todo dia.
A reportagem teve acesso ao endereço de email de Michell e pediu comentários acerca das acusações, mas até a publicação deste artigo não houve retorno.
Empresários abrem processos contra Genesis
Quem também ficou no prejuízo foi o empresário Diego de Souza, que teve seus fundos bloqueados poucos dias depois de ter feito seu primeiro aporte no valor de R$ 15 mil, em maio deste ano, depois de ser indicado por uma amiga.
Ele afirmou à reportagem que sabia como funcionava o mercado financeiro, mas que confiou na indicação de uma amiga que disse ter conseguido fazer um saque na Genesis. “Como ela fez saque, me convenceu a entrar no investimento”, relata.
Quando começaram os problemas no aplicativo da Genesis, ele também procurou saber o motivo, e a desculpa da Genesis foi a mesma, a tal auditoria que duraria 15 dias.
Diego conta que nesse período, os líderes começaram a persuadir os investidores a depositar mais dinheiro com a promessa de 100% do valor em bonificação, “fazendo com que as pessoas se aproveitassem dessa promoção para realizar mais aportes de dinheiro na corretora”.
Agora, assim como muitos investidores que se sentem prejudicados, ele também está abrindo um processo para levar à justiça e tentar reaver o dinheiro.
“Estamos em um grupo com centenas de pessoas, já entrando com processo. Estamos finalizando a coleta de dados para entrar com a petição inicial contra os possíveis envolvidos”.
A autônoma Daniela Souza Prado, de São Paulo, também é uma das vítimas que não conseguiu sacar o dinheiro aplicado na Genesis. Assim como Priscila e Diego, ela converteu R$ 5 mil em USDT e enviou para a falsa corretora em maio deste ano.
Daniela fazia parte de um grupo também liderado por Michell, e mais outra pessoa, que se identificava como Gabriela. Ela afirmou à reportagem que registrou um boletim de ocorrência, acionou um advogado e abriu um processo contra os responsáveis.
Prisões e Porsche de R$ 1 milhão
Nesta semana, as polícias do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo ṕrenderam nove pessoas suspeitas de participação no golpe. Durante as ações, foram apreendidos 13 veículos, dentre eles um Porsche Cayenne, avaliado em cerca de R$ 1 milhão, e dinheiro em espécie. As informações foram divulgadas no programa Brasil Urgente, da Band, na quarta-feira (12).
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“Tenha muito cuidado com o seu dinheiro”, comentou o delegado da Divisão de Crimes Cibernéticos, Carlos Afonso, em uma entrevista ao Jornal da Record no último dia 24. Para ele, a Lei das Criptomoedas (Lei 14.478/22), que entrou em vigor no mês passado, pode dar mais segurança aos investidores.
A reportagem mostra o caso de André Luiz Gomes, que perdeu R$ 7 mil na Genesis, e Ricardo Abreu. “Realmente parecia uma operação na bolsa”, disse o corretor de imóveis Ricardo Abreu em uma reportagem da rádio BandNews. Ele afirmou que fez um investimento inicial de US$ 50 e depois mais US$ 2 mil (cerca de R$ 10 mil na época)
“Depois de um mês que eu estava na plataforma e correu tudo bem, resolvi investir um valor maior… Então veio correndo tudo bem até o dia [31] 30 de maio”, acrescentou.
“Foi uma coisa muito bem elaborada”, disse outro investidor ouvido pela rádio e que não teve o nome revelado. Ele acredita ser um golpe internacional, já que participou de um grupo com mais de 5 mil pessoas de vários países.
“Muita gente teve perda absurda. Eu tenho duas pessoas próximas que uma perdeu R$ 210 mil e a outra perdeu praticamente meio milhão de reais”.
A equipe da BandNews conseguiu falar com uma das líderes, que pediu para não ser identificada. Ela afirmou que também foi vítima. Segundo relatou à reportagem, só poderia ascender na corretora quem tinha dinheiro aplicado e que o esquema seria comandado por uma chinesa, conhecida apenas como “Kelly”, cujo número de telefone era da Malásia.
“Ela nunca tinha dado imagens, fotos, essas coisas. Se você não investisse você não seria líder, não seria nada, porque você só conseguia fazer essa indicação através dos links que só eram validados por ela depois que você fizesse um depósito de pelo menos US$ 50”, disse.
Caso lembra golpes com PlusToken e WoToken
Para confundir mais ainda a cabeça dos investidores, os golpistas usavam o nome de uma corretora que de fato existe nos EUA — a Genesis americana é uma subsidiária do Digital Currency Group, focada em empréstimos que abriu pedido de recuperação judicial nos EUA após o colapso da corretora cripto FTX no ano passado. Inclusive a logomarca da falsa Genesis pode ter sido criada propositalmente para confundir os investidores.
O modus operandi no golpe da Genesis foi o mesmo de esquemas fraudulentos com criptomoedas que chocaram o mundo nos últimos anos, como PlusToken, que começou a partir da China e se espalhou pelo mundo, e WoToken, outro que teve vida mais curta. Ambos, porém, movimentaram bilhões.
O esquema persiste em oferecer um rendimento mensal geralmente fora do normal e ainda pagar bonificação para quem trouxer mais pessoas para os negócios. Aqueles que entram primeiro conseguem realizar saques e assim conseguem trazer mais pessoas para a rede. Quando os pagamentos ficam insustentáveis, o esquema começa a ruir e os golpistas desaparecem.
Em 2020, a Justiça chinesa condenou os responsáveis pelo esquema fraudulento com criptomoedas ‘Plustoken’ a até 11 anos de prisão. O golpe de pirâmide, que foi considerado na época um dos maiores do país, envolveu milhões de vítimas e um prejuízo estimado em aproximadamente US$ 2 bilhões.
Para ter dimensão do problema, o esquema da Plustoken arrecadou cerca de 1% de todos os bitcoins que haviam sido minerados na época — cerca de 195.000 BTCs. Fora isso, o golpe arrecadou também 0,73% do total de ether existente e 5% de todo Dogecoin, além de EOS, Dash e XRP.
No mesmo ano, a Justiça chinesa também condenou quatro pessoas acusadas de aplicar um golpe semelhante, chamado ‘WoToken’, cujo prejuízo às vítimas bateu a casa de US$ 1,1 bilhão. Só em Bitcoin, por exemplo, foram 46.050 BTCs roubados dos investidores.
CPI das Pirâmides e Lei das Criptomoedas
A CPI das Pirâmides Financeiras, que está em andamento no Congresso Nacional, prevê investigar os principais golpes aplicados com uso de criptomoedas no Brasil. Nesta semana, o ex-garçom Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como “Faraó do Bitcoin”, teve a chance de se defender contra acusações de estelionato e homicídio durante reunião online com deputados, comandada pelo relator Aureo Ribeiro.
A CPI já aprovou dezenas de requerimentos tanto para convites a especialistas quanto para investigados. Nomes como os de Rodrigo Marques, CEO da pirâmide Atlas Quantum, de Patrick Abrahão, da Trust Investing, e de Antônio Neto Ais, da Braiscompany, por exemplo, fazem parte de uma extensa lista de pessoas suspeitas de golpe de pirâmide no Brasil.
A Lei de Criptomoedas (Lei 14.478/22), lei que regula setor cripto no Brasil que entrou em vigor no Brasil em 20 de junho de 2023, estabelece quais são as regras que as “prestadoras de serviços de ativos virtuais” (as corretoras de criptomoedas são o exemplo mais conhecido dessa categoria) devem obedecer.
Lula escolheu o Banco Central para ser o principal órgão regulador, com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) cuidando de ativos que possam ser classificados como valores mobiliários.
A Lei acrescenta no Código Penal um novo tipo penal de estelionato, atribuindo reclusão de 4 a 8 anos e multa para quem organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações envolvendo ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
Na Lei de Lavagem de Dinheiro, o texto inclui os crimes realizados por meio da utilização de ativo virtual entre aqueles com agravante de 1/3 a 2/3 a mais da pena de reclusão de 3 a 10 anos, quando praticados de forma reiterada.
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