A Câmara dos Deputados fez nesta quarta-feira (27) uma audiência pública para debater a regulação de criptomoedas no Brasil. Mas o caso GAS Consultoria rapidamente sequestrou a conversa.
Responsável por convocar a audiência, o deputado federal Aureo Ribeiro (Solidariedade/RJ) repassou uma série de perguntas de membros da autointitulada “Famílias GAS” para representantes do Banco Central e Polícia Federal.
O que parecia uma posição de apoio à GAS (mesmo com o legislador se dizendo neutro) teve uma virada no final: “Convidamos os representantes da GAS para participar e não tivemos nenhum retorno. Isso meu causa muita estranheza. Quem não deve, não teme. A empresa deve ter representantes para falar em todas as esferas e perdeu uma grande oportunidade de falar ao povo na Casa do Povo”, disse o deputado.
Só que a GAS apenas não tinha um representante oficial. Porém, tinha um defensor informal fervoroso.
O advogado Jeferson Sarandy Brandão se apresentou como cliente e não representante legal da empresa. Começou falando em Estado de Direito e devido processo legal e terminou conclamando a família GAS: “Estamos numa guerra”.
GAS Consultoria como alvo
Após debates técnicos sobre regulação, classificação de cripto como ativo mobiliário e outros temas menos apaixonantes, a tônica mudou completamente quando chegou a vez de Brandão.
O advogado se imbuiu do espírito da oratória e começou a pregação em favor de Glaidson Acácio dos Santos: “O povo está clamando na rua, todos esses clientes nunca fizeram uma reclamação, nunca houve uma reclamação em um escritório de advocacia. E por uma sanha punitivista foram punidos. Um milhão de pessoas estão destroçadas”.
Brandão insinuou que uma suposta perseguição das forças de investigação seria motivada por “um ex-garçom” ter aberto uma empresa de sucesso.
O advogado afirma que não houve devido processo legal, mesmo o processo tendo um rito normal: a polícia investigou, o Ministério Público ofereceu denúncia e a Justiça autorizou prisão preventiva e continua julgando os habeas corpus impetrados pela defesa de Glaidson.
Mas não ficou apenas em aspectos legais. O advogado afirmou que liberar a GAS é uma política pública e uma espécie de promoção do socialismo capitalista, já que “a empresa cria justiça social e divisão de renda com dinheiro privado”.
“Agora vou falar olhado para os clientes da GAS, direto para a câmera. Não desistam! Estamos numa guerra, numa batalha, vamos buscar o que a gente tem de direito. A gente precisa estar juntos, ninguém solta a mão de ninguém, juntos somos mais fortes.”, conclamou em uma mistura de pastor e William Wallace.
Definição do crime da GAS
Brandão foi insistente no ponto de que vender e comprar criptomoedas não é crime, e por isso não haveria motivo de Glaidson estar preso.
O deputado Aureo inclusive repassou uma pergunta assim para a representante da Polícia Federal.
Foi então que ela lembrou que não é crime transacionar criptomoedas, mas sim fazer fraudes em relações de consumidor ou ferir a economia popular.
Vale lembrar que Glaidson é réu em processo que apura crimes contra o sistema financeiro nacional e não por transacionar criptomoedas.
PL das criptomoedas
Aureo é o autor do Projeto de Lei 2303/15, que cria regras para as operações com criptomoedas no Brasil, e que foi aprovado em comissão feita na Câmara dos Deputados especialmente para debater o tema.
O PL determina que as prestadoras de serviços de ativos virtuais “somente poderão funcionar no País mediante prévio registro, podendo ser exigida autorização de órgão ou entidade da Administração Pública Federal a ser indicado em ato do Poder Executivo”.
Além disso, estabelece aumeno de pena para quem cometer crimes de pirâmide financeira e lavagem de dinheiro usando criptomoedas.
O projeto agora será analisado no Plenário da Câmara dos Deputados.
ABCripto
A Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto) se fez presente por meio do diretor Rodrigo Monteiro, que disse que o debate está muito focado em punição.
“O foco adequado é um marco regulatório, é mostrar quais as permissões necessárias para se operar com criptomoedas no Brasil”, disse.
Assista ao vídeo na íntegra da audiência:
Caso GAS Consultoria nos tribunais
Nesta terça-feira (26), por 2 votos a 1, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) negou mais um pedido de habeas corpus impetrado pela defesa do ex-garçom. Ele é suspeito de pirâmide financeira com criptomoedas e réu em processo que apura crimes contra o sistema financeiro nacional.
Segundo publicação do TRF2, um dos argumentos dos magistrados, do desembargador Flávio Lucas, para negar a soltura de Glaidon, é a “possibilidade real” de fuga do réu, já que ele tem “recursos e estrutura para se estabelecer fora do país”.
Este já é o terceiro pedido de habeas corpus impetrado pela defesa de Glaidson, que está preso desde agosto sob acusações de crime contra o sistema financeiro nacional, supostamente aplicado a partir de sua empresa GAS Consultoria. O negócio é conhecido em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, por oferecer controversos contratos de investimentos em criptomoedas.
A Polícia Federal, a CVM e o Ministério Público, juntaram documentos apreendidos na operação Kryptos e a Justiça o tornou réu no início deste mês, juntamente com mais 16 acusados. Sua esposa Mirelis Zarpa, provável cabeça do negócio que prometia 10% de rendimentos ao mês, ainda está foragida.
Na ocasião da prisão de Glaidson e demais suspeitos, os agentes da PF e Receita Federal apreenderam 591 bitcoins, avaliados na cotação atual em cerca de R$ 195 milhões, dezenas de carros de luxo e mais de R$ 13 milhões em espécie.