Notícia aguardada há algum tempo, finalmente chega ao Brasil.
Após os testes e lançamento na Índia, deverá chegar ao Brasil em julho de 2020, o Facebook Pay. Por ora através da plataforma WhatsApp, mas que poderá se expandir para outras plataformas do Facebook, como o Messenger e Instagram.
A informação é de que qualquer usuário do WhatsApp poderá enviar e/ou receber dinheiro, assim como pagar por serviços e produtos no varejo, através do aplicativo WhatsApp.
Confesso que esperava algum movimento disruptivo, mas não foi o que vimos nas notícias de ontem. A empresa de Mark Zuckerberg se associou às bandeiras Visa e Mastercard, aos bancos Nubank, Banco do Brasil e Sicredi e, à credenciadora Cielo.
Com isso, utilizará a mesma plataforma dos cartões de pagamento já existentes, que rodam no Brasil há mais de 50 anos. Uma plataforma complexa e cara.
Como disseram os analistas do Bradesco BBI, Victor Schabbel e Sofia Viotti, “Consequentemente, a nova função de pagamento do WhatsApp é baseada e será executada nas infraestruturas de esquemas de cartão à moda antiga”.
O Bradesco, um dos controladores da Cielo, não participou do lançamento embora já tenha homologado a solução. Talvez porque o banco investe na sua própria carteira digital, a Bitz, ainda a ser lançada e que será concorrente do Iti do Itaú-Unibanco.
Para entender melhor o funcionamento, analisamos como se dará essas transações, ao menos por hora:
Transferência entre pessoas (P2P):
Qualquer pessoa, usuários do WhatsApp, poderá transferir dinheiro para outra pessoa em sua lista de contatos, desde que tenha uma conta bancária em um dos bancos parceiros, utilizando um cartão de débito válido.
Atualmente, apenas os cartões emitidos pelo Banco do Brasil, Nubank e Sicredi são elegíveis. Para qualquer pessoa receber dinheiro, aplica-se a mesma restrição: deverá possuir um cartão de débito de qualquer um dos bancos mencionados acima, e que precisa ser previamente associado à sua conta do WhatsApp.
Para concluir o envio do dinheiro será necessário a digitação de uma senha ou o reconhecimento biométrico do celular.
Duas novidades importantes podem ser observadas:
1) Interoperabilidade entre as contas bancárias dos bancos parceiros. Como um exemplo: um cliente do Banco do Brasil poderia transferir dinheiro para alguém que tenha uma conta bancária no Nubank. No entanto, por enquanto, não será possível transferir para um amigo que tenha uma conta no Itaú, por exemplo.
2) Não é necessário digitar, nome, CPF, código do banco, agência e conta. Bastando simplesmente utilizar o número de telefone que consta na agenda.
Entretanto, não se trata de “pagamento instantâneo”, como muitos noticiaram. Certamente, o pagador poderá iniciar uma transferência a qualquer hora do dia, em qualquer dia da semana. Entretanto, o valor só estará realmente disponível depois da compensação e liquidação.
Claro que isso poderá ocorrer em alguns minutos, caso pagador e recebedor tenham conta no mesmo banco. Mas quando se trata de bancos diferentes, essa transação deverá ser liquidada na CIP (Câmara Interbancária de Pagamentos), que opera somente nos dias úteis com horários pré-definidos.
Conforme já divulgado na imprensa, os usuários do WhatsApp poderão transferir até R$ 1.000 para um de seus contatos, realizando até 20 transações por dia. O valor total das transferências é limitado a R$ 5.000 por mês.
Houve um acordo entre todos participantes de que nenhum valor deverá ser cobrado do usuário do WhatsApp, seja pagador ou recebedor, quando se tratar de transferência entre pessoas (P2P).
Sabemos que essas transações têm um custo, principalmente quando liquidadas na CIP. Esse custo será subsidiado pelas taxas cobradas nas transações com o varejo. Nenhuma novidade, afinal, outros players do mercado de pagamentos já operam assim.
Tudo indica que o Facebook garantirá as transações entre pessoas, utilizando algoritmos para identificar possíveis fraudes. Como dizemos no setor, o liability fica com o Facebook.
Embora não tenha visto nenhuma notícia comentando o assunto, imagino que esse possível custo seja extremamente pequeno para quem irá acumular toneladas de dados sobre hábitos de consumo e preços pagos de seus usuários.
Pagamento no varejo (P2B):
Estabelecimentos comerciais e microempreendedores individuais (MEI) poderão receber pagamentos através do WhatsApp, desde que possuam uma conta do WhatsApp Business e sejam credenciados da Cielo. A empresa não tem exclusividade, mas por hora, é a única credenciadora habilitada.
Para que isso seja possível, o cliente que está pagando pelo serviço ou produto precisará ter um cartão de débito ou crédito emitido por um dos três bancos mencionados acima.
Quando se tratar de pagamentos feitos a comerciantes, sejam estabelecimentos comerciais ou microempreendedores individuais, a Cielo cobrará uma taxa de desconto (MDR) de 3,99% sobre o valor das transações comerciais, seja com cartão de crédito ou débito.
Nas transações com cartões de débito a liquidação se dará no dia seguinte (D+1), enquanto as transações com cartões de crédito serão liquidadas em dois dias (D+2).
No caso das transações com cartões de crédito, liquidadas em dois dias, essas taxas são compatíveis com o mercado para pequenos lojistas, mas certamente são altas e não competitivas quando se tratar de médio e grande varejos.
O que dizer então das transações com cartões de débito? Como já mencionamos acima, parte dessa taxa deve subsidiar os custos das transações entre pessoas.
As bandeiras não confirmaram, mas tudo indica que haverá uma redução no valor da taxa de intercâmbio (parte da taxa de desconto que remunera os emissores do cartão de pagamento).
Dessa forma, a Cielo deve continuar retendo uma boa parte da taxa de desconto, assim como o Facebook deve receber uma remuneração por transação, tanto da Cielo como dos bancos participantes. Os números ainda não são conhecidos.
Minha conclusão é de que terá muito pouco impacto no setor de pagamentos, enquanto não tiver a adesão de outros bancos, principalmente dos grandes.
Certamente não se pode deixar de mencionar que mais de 120 milhões de brasileiros já utilizam o WhatsApp diariamente, o que nos levaria a acreditar que o Facebook Pay poderia ser facilmente adotado pela maioria. Entretanto, da forma como foi lançado, o usuário tem que ter uma conta em um dos bancos parceiros.
Por enquanto é o que foi possível analisar. No entanto, temos que discutir a nova infraestrutura de pagamento instantâneo que está sendo desenvolvida pelo Banco Central do Brasil, conhecida como PIX, que deverá ser lançada em novembro de 2020. Esta sim, poderá ser disruptiva!
Sobre o autor
Edson Santos é consultor de finanças e administrador de empresas com experiência vinte anos de experiência no mercado de meios eletrônicos de pagamentos. É sócio-fundador da CO.LINK Business Consulting, sócio da Confrapar, e autor do livro “Do Escambo à Inclusão Financeira – A Evolução dos Meios-de-Pagamento”.