Hoje, mais de 80 governos em todo o mundo – que representam 90% do PIB global – estão explorando ou fazendo experiências com moedas digitais de bancos centrais (CBDCs, na sigla em inglês).
Em julho de 2021, cinco países lançaram suas CBDCs. Todas são nações insulares do Caribe: Bahamas, São Cristóvão e Névis, Antígua e Barbuda, Santa Lúcia e Grenada.
De todas as principais economias, a China foi a que mais avançou em direção a um CBDC completo com seu yuan digital, também conhecido como e-RMB ou Moeda Digital de Pagamento Eletrônico (DCEP, na sigla em inglês).
Aqui explicamos do que se trata o yuan digital e quais as semelhanças e diferenças entre ele e a criptomoeda original, o Bitcoin (BTC).
O que é o yuan digital?
CBDCs são moedas digitais geridas pelo estado. No caso da China, seu CBDC seria uma versão digital de sua moeda, o renminbi chinês (o e-RMB). CBDCs são semelhantes a stablecoins, que são indexados a uma proporção de 1: 1 com uma moeda fiduciária específica.
Portanto, o yuan digital nada mais é do que o equivalente digital da moeda física da China: você segura digitalmente a moeda fiat em uma carteira móvel, em vez de uma nota física no bolso. Cada nota física impressa pelo banco central tem um identificador único e, portanto, cada token digital de yuan emitido tem o mesmo.
Ao contrário das criptomoedas, os CBDCs não costumam ser baseados em uma blockchain descentralizada, pois o banco central buscaria manter uma autoridade clara sobre os ledgers. Vamos explicar mais sobre isso daqui a pouco.
O yuan digital já está em uso?
Proposto pela primeira vez em 2017, o yuan digital está em fase piloto desde abril de 2020.
A partir de outubro de 2020, o Banco Popular da China (PBoC) distribuiu milhões de yuans digitais para cidadãos como parte de um esforço para testar a tecnologia – e criar algum buzz em torno dela. Isso ainda está em andamento em 2021.
Os cidadãos chineses já podem gastar o yuan digital em um número crescente de lojas em todo o país, incluindo o Walmart .
Na verdade, de acordo com um relatório de progresso de julho de 2021 do PBoC, o yuan digital já foi usado em 70,75 milhões de transações, atingindo um valor total de 34,5 bilhões de yuans (US$ 5 bilhões) no final de junho.
O próximo item na agenda para o yuan digital é um lançamento massivo durante os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim em fevereiro de 2022. Esse lançamento incluirá visitantes estrangeiros.
Mas a senadora Cynthia Lummis (R-WY), amiga do Bitcoin, e seus colegas, os senadores Marsha Blackburn (R-TN) e Roger Wicker (R-MS), pediram ao Comitê Olímpico e Paraolímpico dos Estados Unidos que impeça os atletas de usarem o yuan digital, pois ele “pode ser utilizado para vigiar os cidadãos chineses e aqueles que visitam a China em uma escala sem precedentes.”
Por que a China quer uma moeda digital?
Fan Yifei, vice-governador do banco central chinês, explicou em um artigo de abril de 2020 publicado no Yicai Global, um veículo de notícias patrocinado pelo estado, que o dinheiro físico é caro para imprimir e manter, fácil de falsificar e seu anonimato significa que pode ser usado para fins ilícitos. O yuan digital, segundo ele, superaria esses problemas.
Há razões para acreditar que a redução do anonimato do dinheiro é a principal força motriz por trás do projeto. Afinal, o Partido Comunista Chinês, que controla o governo em um regime incontestável, construiu o maior estado de vigilância do mundo.
Yao Qian, ex-diretor do instituto de moeda digital no PBoC, disse em maio que não era a intenção do banco observar todas as transações em tempo real.
Mas o governo chinês implantou milhões de câmeras de reconhecimento facial em todo o país para rastrear tudo e qualquer coisa, e até mesmo punir delitos menores, como atravessar a rua sem olhar os sinais de trânsito. Um yuan digital poderia se encaixar perfeitamente nessa infraestrutura de vigilância.
O ex-vice-assessor de segurança nacional dos Estados Unidos, Matt Pottinger, apontou que o yuan digital poderia ser usado para tomar medidas retaliatórias contra empresas e indivíduos que criticam Pequim. “Essa moeda pode ser desligada como um interruptor de luz”, disse Pottinger à Bloomberg em abril de 2021, observando que o governo chinês poderia bloquear transações para as carteiras de uma empresa e removê-las dos aplicativos digitais de yuans.
Quais são as diferenças entre o Bitcoin e o yuan digital?
A China sugeriu repetidamente incorporar muitos dos chavões associados ao blockchain no yuan digital. Mas, de forma reveladora, a descentralização não é uma das palavras da lista.
Bitcoin e o yuan digital facilitam o pagamento peer-to-peer.
É a única semelhança, realmente.
O Bitcoin é capaz de fazer isso porque é construído em uma blockchain e elimina o problema de gasto duplo, e o yuan digital pode fazer isso porque funciona mais como dinheiro direto e menos como transferências de dinheiro digital conectadas a bancos.
É um grande negócio porque 84% da população chinesa já usa uma carteira móvel – em comparação, apenas 41% dos norte-americanos usam aplicações como a Apple Wallet.
Na China, o WeChat Pay e o Alipay representam cerca de 90% do mercado de pagamento móvel de US$ 35 trilhões do país, de acordo com a Bloomberg Intelligence. Mas essas carteiras precisam estar vinculadas a intermediários financeiros privados, como os bancos. O yuan digital muda isso.
Bitcoin é descentralizado e sem autoridade central.
Em contraste, o yuan digital é construído em uma estrutura chamada “uma moeda, dois endereços, três centros”, referindo-se a:
- O renminbi – a única moeda!
- PBoC e Banco Comercial como dois endereços – o controle da moeda digital é feito por essas duas entidades centralizadas.
- … e os três centros recém estabelecidos para monitorar e analisar transações: Centro de Identificação, Centro de Registro e Centro de Análise de Big Data.
A blockchain pública do Bitcoin significa que as transações são rastreáveis e pseudo-anônimas
As transações digitais em yuans serão rastreadas pelo governo sob um princípio chamado de “anonimato controlável”: o estado pode acabar com o anonimato dos usuários se quiser, o que significa, na prática, que o anonimato na verdade não existe.
Bitcoin é amplamente utilizado como reserva de valor e ativo comercial.
O yuan digital será apenas uma moeda cotidiana. Ela será rigidamente controlada pelo governo para garantir que seu preço reflita a moeda nacional em uma base de 1: 1, de modo que não haja uma oportunidade de arbitragem para os traders ou uma razão para os investidores acumulá-la.
O que o yuan digital significa para o Bitcoin?
O Bitcoin nunca foi adotado como meio de troca na China, onde sua negociação também foi severamente restringida desde 2017. Portanto, não há muita mudança nessa frente.
Mas, graças à eletricidade barata, a China tem historicamente abrigado a maior parcela global de mineradores de BTC – tão alta quanto 75,5% em setembro de 2019.
Em maio de 2021, o governo chinês disse que precisava reprimir a mineração e o comércio de Bitcoin para “prevenir e controlar os riscos financeiros”. Esse raciocínio também se encaixa perfeitamente com os objetivos mais amplos por trás do yuan digital, é claro.
A participação global das mineradoras chinesas já havia caído para 46% em abril de 2021, sinalizando que o processo estava em andamento antes do início da repressão do governo para valer. Com províncias chinesas como Yunnan, Anhui e Qinghai banindo a mineração de Bitcoin (supostamente em um esforço para reduzir as emissões de carbono da China), em junho de 2021 quase todas as atividades de mineração no país ficaram offline.
A repressão também fez com que o Banco Central da China emitisse um decreto às plataformas de pagamento e aos bancos para cessarem as atividades de criptomoeda, enquanto as instituições foram instruídas a interromper a manutenção de criptomoedas e plataformas de balcão (OTC).
Mas, graças a recursos básicos como imutabilidade e descentralização, o Bitcoin é principalmente resistente à censura. Embora a recente repressão chinesa tenha feito o hashrate do Bitcoin despencar (junto com seu preço ), os efeitos são provavelmente temporários. Os mineradores chineses estão se mudando rapidamente para novos lugares, enquanto o hashrate do BTC começou a se recuperar lentamente .
Mas talvez não seja tanto a competição em casa que importa.
A China também pode estar tentando enfrentar o Bitcoin em outra frente – em uma competição para vencer o dólar americano e se tornar a próxima moeda de reserva global.
A China negou tais ambições. Mas seu relatório de julho de 2021 mostrou que o PBoC vai investir mais em testes de pagamento transfronteiriços para promover o yuan digital em um nível global.
Enquanto isso, o Bitcoin pode ter um longo caminho a percorrer antes de ter a chance de desafiar o dólar como moeda de reserva global do mundo – mas está tendo uma adoção cada vez maior. A pequena nação de El Salvador recentemente adotou o BTC como moeda legal, tornando-se o primeiro país a fazer isso.
*Traduzido e editado com autorização da Decrypt.co