O bitcoin (BTC) conseguiu respirar na última semana, saindo de US$ 18.999 para chegar até a faixa de consolidação de US$ 21.596. Isso aconteceu após uma volátil resposta dos mercados no início da semana conforme a inflação americana atingiu 9,1% — o nível mais alto nos últimos 40 anos.
Também existe um contexto desafiador de crescente inquietação civil, crescentes preços de eletricidade e escassez de recursos em muitas nações ao redor do mundo.
Neste panorama, o bitcoin e o amplo mercado de criptomoedas já podem ter passado por um dos eventos de reprecificação mais fortes e rápidos de queda em sua existência. Esse processo liberou bastante alavancagem em excesso do sistema e fez com que o preço do bitcoin ficasse abaixo do preço realizado — a base de custo estimada para holders de BTC.
Nesta edição, a Glassnode estuda a atual estrutura de mercado do bitcoin pelas lentes tanto dos prejuízos não realizados (moedas armazenadas) como realizados (moedas gastas) por diversos grupos de investidores.
O objetivo é medir se um grau similar de exaustão por vendedores está acontecendo em comparação a outros ciclos de baixa. Essas ferramentas podem ajudar a estruturar um caso e as probabilidades de um fundo de mercado de baixa estar se formando próximo dos US$ 20 mil.
Quedas e mais quedas
De início, serão apresentadas as definições de valor realizado e valor não realizado, pois são conceitos fundamentais às percepções apresentadas ao longo desta análise.
– Valor realizado (moedas gastas) é a diferença entre o valor da moeda no momento da venda e o momento de sua aquisição na blockchain. Por exemplo, um investidor compra 0,5 BTC a US$ 40 mil e, em seguida, saca as moedas de uma corretora. Depois, o investidor as deposita novamente na corretora para vendê-las a US$ 20 mil. Aqui, temos 0,5 * (20.000 – 40.000) = – US$ 10 mil em prejuízos realizados.
– Valor não realizado (moedas não gastas) é a diferença entre o valor atual de uma moeda e o valor no momento de sua aquisição na blockchain. No exemplo acima, se o investidor ainda possui 0,5 BTC e o preço está em US$ 21 mil, devem ter um prejuízo não realizado de 0,5 * (21.000 – 40.000) = – US$ 9,5 mil.
O preço realizado é um dos modelos mais amplamente usados nas análises “on-chain” (que verifica movimentações registradas na própria blockchain) do Bitcoin e, geralmente, é considerado como o preço de aquisição (base de custo) da oferta de bitcoins.
Neste momento, o preço realizado está em US$ 22.092 em comparação ao preço “spot” (ou à vista) do bitcoin de US$ 21.060, fazendo com que o investidor médio em bitcoin tenha um prejuízo não realizado de cerca de -4,67%.
O gráfico abaixo mostra como todos os ciclos de baixa anteriores chegaram ao fundo e criaram uma faixa de acumulação abaixo do preço realizado. O tempo gasto abaixo do preço realizado varia de sete dias em março de 2020 a 301 dias em 2015.
Se excluirmos março de 2020 (um evento de queda súbita, ocasionado pelo pânico da Covid-19), o gasto de tempo médio abaixo do preço realizado é de 197 dias em comparação ao atual mercado com apenas 35 dias.
É possível visualizar o lucro/prejuízo total não realizado na rede Bitcoin ao calcular a proporção entre o preço de mercado e o preço realizado, resultando na proporção de valor de mercado/valor realizado (ou MVRV).
– Altas proporções de MVRV (acima de 1,0) 🟠 indicam que um grau maior de lucro não realizado está sendo armazenado no sistema. Historicamente, valores que excedem 3,0 sinalizaram mercados de alta superaquecidos.
– Decrescentes proporções de MVRV 🔵 significam a redução na rentabilidade do sistema. É o resultado tanto dos preços em queda (menor valor de mercado) e também da redistribuição de moedas conforme investidores geram lucro e vendem moedas adquiridas a preços mais baixos para novos compradores a preços mais altos (maior valor realizado). Uma enorme divergência de baixa pode ser visualizada entre abril e o recorde em novembro de 2021 desse mecanismo (cor azul).
– Baixas proporções de MVRV (abaixo de 1,0) 🔴 representam que preço de mercado está abaixo do preço de aquisição na blockchain por investidores médios. É algo comum no fim de mercados de baixa e geralmente está associado à formação de fundos e acumulação.
A proporção de MVRV está em 0,953 (-4,67% de prejuízo não realizado), que não é tão profunda quanto a média de 0,85 (-15% de prejuízo não realizado) visto em ciclos de baixa anteriores.
Também pode indicar ainda mais quedas ou que ainda é necessário um tempo de consolidação para definir um fundo. No entanto, também pode sinalizar que um nível maior de suporte por investidores existe neste ciclo de baixa.
🔔 Ideia de alerta: Se a proporção MVRV ultrapassar 1,0, sinalizaria que um preço está ultrapassando o preço realizado, sugerindo uma possível força de mercado.
Além do preço realizado, existem inúmeros modelos de precificação de suporte em blockchain que tendem a atrair preços spot durante o fim do ciclo de baixa.
– Preço delta (US$ 14.215) 🟤 é uma forma de modelo híbrido de precificação “metade fundamental, metade técnico”. É calculado como a diferença entre o preço realizado e o preço médio recorde. Anteriormente, o preço delta pegou as sombras de fundos em mercados de baixa.
– Preço equilibrado (US$ 17.554) 🔴 calcula a diferença entre o preço realizado e o preço transferido (o preço ponderado por “dias de moeda”). Pode ser considerado como um tipo de modelo de “valor justo”, capturando a diferença entre o que foi pago (preço realizado e base de custo) e o que foi gasto (transferido).
Tanto as quedas no mercado de baixa de 2015 como no de 2018 foram definidas com uma sombra de curto prazo até o preço delta (zona na cor verde). No entanto, ambas as faixas de acumulação passaram grande parte do processo de formação de fundo sendo negociadas entre o preço equilibrado (parte inferior) e o preço realizado (parte superior), conforme mostrado na cor azul.
🔔 Ideia de alerta: O preço cair abaixo de US$ 17.545 sinalizaria uma ruptura abaixo do preço equilibrado e um possível enfraquecimento do mercado.
Moedas trocam de mãos: Prejuízo não realizado
A formação do fundo de mercado geralmente é caracterizada por enormes oscilações positivas no lucro e no prejuízo não realizado. É uma consequência da capitulação (desistência de ganhos pela venda de posições em épocas de queda) e da redistribuição de moedas a novos compradores — que são menos indiferentes a oscilações no preço.
Além disso, pode-se começar a isolar apenas as moedas que foram armazenadas a um prejuízo não realizado (por compradores do ciclo entre 2021 e 2022) para calcular seu valor total em dólares. Conforme o mercado varia entre US$ 17,6 mil e US$ 21,8 mil, o prejuízo total não realizado oscila entre -US$ 165 bilhões e -US$ 198 bilhões.
Veja como o prejuízo total não realizado após o recorde do bitcoin em novembro de 2021 foi bem maior em comparação ao período entre maio e julho de 2021, mesmo quando preços estavam em US$ 29 mil (🔵). É uma consequência da redistribuição de moedas durante e após a alta recorde de novembro de 2021 e é o mesmo mecanismo que criou a divergência de baixa no MVRV.
Isso geralmente confirma que o rali de preço entre agosto e novembro era mais similar a um rali de “alívio no mercado de baixa” do que uma volta ao mercado de alta.
O gráfico abaixo demonstra esse prejuízo total não realizado como uma proporção da atual capitalização de mercado para fins de normalização do tamanho.
Aqui, é possível notar que o total de prejuízos totais não realizados são equivalentes a cerca de 55% da capitalização de mercado, que é maior do que a de março de 2020 e não é diferente em magnitude às quedas no mercado de baixa de 2018.
A queda gradual dessa métrica (🟢) durante uma ação de preço bastante lateral e similar à acumulação indica a melhora na rentabilidade por holders:
– moedas estão sendo vendidas durante eventos de capitulação e compradas por compradores com menor preferência de tempo;
– prejuízos migram de não realizados para realizados;
– moedas são reprecificadas para uma base de custo nova e menor com um novo dono.
Conforme preços começam a subir, essas moedas recém-adquiridas migram de classificação, de mantidas a um prejuízo não realizado para mantidas a um lucro não realizado, geralmente dando início novamente ao ciclo de alta.
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Inspecionar o fornecimento total de BTC em lucro pode impulsionar esse argumento. Quando o preço caiu para US$ 17,6 mil, um volume total de 9,216 milhões de BTC estavam sendo armazenados a um prejuízo não realizado. Porém, após a capitulação no dia 18 de junho, um mês de consolidação e um rali de preço para US$ 21,2 mil, esse volume caiu para 7,608 milhões de BTC.
Isso sugere que 1,539 milhões de BTC foram transacionados pela última vez (têm um custo de base) entre US$ 17,6 mil e US$ 21,2 mil. Isso indica que cerca de 8% do fornecimento em circulação mudou de mãos nessa faixa de preço.
Também é possível analisar as moedas que estão em lucro não realizado — desta vez, através das lentes de holders de longo e curto prazo. Pode-se perceber que todas as quedas em mercados de baixa anteriores atingiram um ponto em que não havia holders a curto prazo gerando lucro, pois o mercado caiu bem abaixo de seu preço de aquisição.
Para que haja uma forte recuperação de mercado, analistas podem monitorar se o volume de holders a curto prazo em lucro diminui rapidamente caso os preços saiam da faixa de consolidação.
Um evento como esse seguiu todo preço mínimo de grandes mercados de baixa (na cor verde), pois investidores capitularam, transferiram suas moedas a novos compradores e com uma base de custo mais baixa e menos sensível ao preço.
Profunda capitulação: Prejuízos realizados
Para que o fundo do mercado seja definido, investidores de bitcoin geralmente precisam passar por um amplo evento de desalavancagem. Isso é necessário para “expulsar” todos os investidores que venderam à força e estão à margem, criando uma exaustão de vendas.
Os meses de maio e junho de 2021 passaram por dois eventos desses — tanto durante o colapso da LUNA e quando o preço despencou abaixo do recorde de 2017 no dia 18 de junho de 2022. Esses eventos geraram prejuízos totais realizados de US$ 27,77 bilhões e US$ 35,5 bilhões durante 30 dias, respectivamente. Isso ocultou qualquer evento de desalavancagem registrado em dólares.
O mesmo pode ser afirmado sobre os prejuízos denominados em BTC, que são tão enormes que é necessário compará-los com os de 2011, quando o bitcoin estava sendo negociado abaixo de US$ 3, para encontrar um equivalente.
Um volume simplesmente impressionante de BTC bloqueado em um prejuízo realizado entre maio e julho, em que 538 mil BTC foram gastos durante o colapso da LUNA e outros 480 mil BTC foram gastos no dia 18 de junho.
A estrutura da métrica de lucro ajustado (ou aSOPR) também demonstra muitas similaridades a eventos de capitulação de mercado.
Conforme a rentabilidade cai (cor azul), investidores começam a bloquear prejuízos cada vez maiores até que um momento final de capitulação (na cor vermelha) aconteça. No futuro, o mercado chega a uma exaustão de vendedores, o preço começa a se recuperar e o sofrimento dos investidores começa a diminuir (🟢).
Uma recuperação do aSOPR para cima (idealmente acima de 1,0) ajudaria a impulsionar as observações acima, de que a capitulação completa aconteceu, a acumulação está a caminho e o mercado está se recuperando bem.
🔔 Ideia de alerta: Se o aSOPR com uma média móvel simples de 14 dias ultrapassar 1,0, sinalizaria uma volta ao gasto rentável e uma possível recuperação de mercado.
A proporção do volume transferido em lucro também fez a estrutura de mercado se assemelhar a quedas anteriores do mercado de baixa. Durante as fases de capitulação em 2015 e 2018, mais de 58% do volume transferido estava realizando um prejuízo e a força havia sido comprimida após meses de ação de preço negativa.
Conforme o mercado começou a cair, uma proporção maior do volume de moedas tinha uma base de custo menor e o gasto não estava mais dominado pelas vendas por puro pânico e/ou investidores que venderam à força.
Neste momento, 54% do volume transferido está em prejuízo (46% em lucro), o que está bem próximo para níveis de recuperação de 2015/2018. Similar ao aSOPR, uma recuperação ascendente dessa métrica iria fornecer um sinal de que a exaustão por vendedores pode ter sido atingida e a recuperação pode estar a caminho.
🔔 Ideia de alerta: Se a porcentagem do volume transferido em lucro com uma média móvel exponencial de 90 dias ultrapassar 48%, seria um sinal da recuperação da rentabilidade e de uma possível força de mercado.
Impacto nas dinâmicas de oferta
Agora serão analisadas as ondas de HODL da capitalização realizada, que mapeiam a distribuição da riqueza em dólares armazenada em bitcoin em diversas faixas de duração. Existem dois grupos: moedas criadas há três meses ou menos (“dinheiro quente”) e moedas com mais de três meses ou mais (“dinheiro de HODLer”).
O valor total em dólares mantido no “dinheiro quente” está sofrendo uma queda estrutural e, agora, caiu abaixo de 20%. Essa queda descreve dois fenômenos:
1. Moedas mais antigas desaceleraram em seus gastos, senão essas faixas de moedas mais novas estariam aumentando (como é o caso de mercados de alta à medida que investidores a longo prazo tomam lucros). Isso é um sinal de alta convicção por HODLers.
2. Investidores a longo prazo estão cada vez mais acumulando “moedas quentes” e retirando-as do mercado (diminuindo a liquidez em corretoras, que registraram altos volumes de saque), permitindo que “envelheçam” e amadureçam no armazenamento frio (ou “cold storage”).
Ao analisar o grupo mais antigo de moedas, é possível ver a imagem contrária, em que mais de 89% da riqueza em dólares agora é mais antiga do que três meses (adquirida antes do colapso da LUNA).
Essa tendência continua aumentando, bastante direcionada pelos intervalos de seis meses a um ano e de um ano a dois anos. Isso acontece apesar de a grande maioria da capitulação e dos vendedores forçados estarem nesses grupos de seis meses a dois anos.
Novamente, existem diversas características de que o bitcoin está se aproximando da exaustão por vendedores.
Conclusões
O bitcoin passou por uma forte e rápida correção em 2022, direcionada pela diminuição na alavancagem excessiva e inúmeros investidores que venderam à força e liquidações. Em um período relativamente curto de sete meses, o BTC saiu de seu recorde para chegar até o que se assemelha a um fundo no mercado de baixa.
Nesta análise, foram exploradas as atuais estruturas de mercado através das lentes dos prejuízos não realizados e realizados na busca de sinais da exaustão por vendedores. Uma similaridade entre todas as métricas exploradas acima é uma tendência que se assemelha à maioria das quedas do mercado no passado, apesar de não terem um componente de duração.
Indo na direção contrária da turbulência macroeconômica e geopolítica extremamente desafiadora, o bitcoin atingiu um auge de saturação entre investidores por HODLers “mãos de diamante” e está ficando bem evidente que uma legítima formação de fundo pode estar vindo aí.
Sobre o autor
A Glassnode é a maior provedora de dados e inteligência de blockchain que gera métricas e ferramentas on-chain para quem realmente quer entender o mercado de criptomoedas.
*Traduzido por Daniela Pereira do Nascimento com autorização da Glassnode.
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