Imagem da matéria: Uma conversa com o criador da Lightning Network do Bitcoin
Tadge Dryja na Labitconf 2021 (Foto: Saori Honorato/Portal do Bitcoin)

Tadge Dryja, o desenvolvedor que escreveu o paper da Lightning Network, esteve em El Salvador no dia 18 de novembro para participar da conferência Labitconf.

Enquanto o Portal do Bitcoin entrevistava Jameson Lopp, Dryja apareceu para cumprimentá-lo animado: era a primeira viagem que fazia em quase dois anos por causa da pandemia.

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Ele ficou todo esse tempo em Boston (EUA), cidade onde mora e dá aulas no MIT. Na universidade, ele faz parte do MIT Digital Currency Initiative (DCI), um grupo de estudos criado para desenvolver inovações para criptomoedas

Dryja foi convidado para falar na Labitconf sobre a Lightning Network, uma solução de segunda camada do bitcoin que ele desenvolveu em 2016 junto com Joseph Poon.

Cinco anos atrás, os dois autores buscavam uma forma de tornar mais simples o uso do bitcoin como meio de troca. A alternativa que eles pensaram foi criar canais secundários onde as transações seriam processadas fora da rede principal da moeda, permitindo assim que milhares de transações fossem feitas em questão de segundos e quase sem custo.

Embora tenha sido o autor da Lightning, Dryja não trabalha diretamente com a tecnologia e atualmente foca em outros projetos que também tem como objetivo ajudar o bitcoin evoluir. 

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Leia abaixo a entrevista na íntegra com Tadge Dryja.

O que está achando do clima de El Salvador? Está curtindo a conferência?

Já estive em várias conferências mas essa aqui é diferente, o governo está envolvido e é muito grande. É bitcoin… mas não parece bitcoin. Tem bastante gente diferente e de “crypto” no geral. O pessoal do bitcoin costuma ser muito religioso e maximalista, mas essa aqui é diferente, dá uma sensação de conferência crypto mais aberta.

Está todo mundo falando de Lightning Network aqui e tem uma conferência acontecendo em paralelo só sobre o tema. Por que você não está lá?

Eu não sei. A conferência da Lightning Network… eu me sinto mal porque eu realmente queria ir, eu fiquei pensando se eu deveria ir lá e falar ‘hey, eu quero um ticket’, mas eu me sinto estranho, não quero o cara vai ficar falando ‘hey, escrevi a Lightning Network’. Eu disse algumas vezes ontem a noite e as pessoas não acreditaram. Enfim, tem tanta companhia trabalhando em cima da Lightning que nessa altura quem se importa, eles não querem falar comigo. risos

Mas eu também escrevi o Discreet Log Contracts e vi que agora tem três ou quatro startups construindo em cima desse tipo de contrato inteligente para bitcoin, e era isso que eu queria ver e conversar com eles sobre. A comunidade que trabalha com isso ainda é pequena e eu queria dar algumas ideias.

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Então você está focado no Discreet Log Contracts agora?

Na verdade eu estou trabalhando em um terceiro projeto agora chamado Utreexo. Diferente da Lightning, é uma solução primeira camada que deixa tudo menor na rede do bitcoin. 

No bitcoin, você basicamente tenta rastrear quem possui o quê. Tem a blockchain, que é muito grande, mas na verdade você pode jogar fora o resto da blockchain depois de baixá-la. 

Então você pode ir nas configurações, baixar o que precisa para ver quem possui o quê e depois deletar o resto. A ideia é que você não precisa continuar carregando a blockchain, você tem que baixar para ver o que a Alice enviou para o Bob e o que o Bob enviou para a Carol, mas no final você sabe quem detém o quê, suas chaves públicas e seus valores.

Com o Utreexo você também se livra disso. Você diz, eu não sei quem possui o quê. Eu não sei quase nada, tudo que tem é esse pequeno tipo de hash criptográfico e, quando você quer gastar dinheiro, você prova que detém bitcoin.

Atualmente no bitcoin, se você quer gastar bitcoin, você faz uma transação e você fala ‘hey, esse é o bitcoin que eu estou gastando e quero enviar para lá’. Ai os nodes olham e veem ‘opa, esse bitcoin existe, está na minha base de dados’, eu vou deletá-lo e movê-lo para cá. Com o Utreexo você não tem mais uma base de dados, todo mundo só prova que possui bitcoin. 

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O resultado disso é que tudo fica muito menor, você pode rodar um full node e é tipo 2kb de espaço.

Isso significa que o bitcoin poderia rodar fora da blockchain? Como vamos verificar as transações?

Tudo continua na blockchain, você ainda precisa baixar tudo só uma vez e depois deletar, mas você não precisa manter toda essa quantidade de dados no seu hard drive. Então é bom para um celular, ou um raspberry pie. Mas você ainda vai ter que baixar e checar tudo para saber que você está totalmente validado e seguro, mas não ocupa mais tanto espaço na sua máquina.

Não é que o Utreexo vai fazer as transações mais baratas, mas vai fazer mais fácil e rápido rodar o software, o que o torna mais acessível para as pessoas. No começo do bitcoin era muito fácil rodar um full node, você baixava o bitcoin em alguns minutos, rodava, e fazia transações. Hoje, a maioria das pessoas não rodam o node do bitcoin e eu acho que isso é um problema.

Aqui em El Salvador, por exemplo, eles usam Chivo ou essas carteiras de celular. Em algumas dessas você não tem nem a sua própria chave privada. Em todas elas você não está checando nenhuma assinatura. O server pode falar ‘você tem dinheiro’, mas eles podem mentir para você e você não tem nem ideia. 

Não é só a Chivo, até carteiras boas, você como usuário não checa a segurança. E eu entendo o porquê: está ficando cada vez mais difícil rodar um node do bitcoin, você precisa de um computador bom para fazer isso. Então o Utreexo vem pra tornar mais fácil rodar o node mesmo que num computador ruim ou até mesmo num celular velho.

E para o Utreexo ser implementado na rede do bitcoin precisaria de um soft fork?

Não precisa de um fork. Eu não quero falar que você já pode rodar hoje o Utreexo, mas o software funciona sem nenhuma mudança na rede do bitcoin. Então pode ter pessoas rodando e ninguém saber disso.

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Isso eu acho o mais legal do bitcoin, se você quer isso, você usa. Se não, ignore. Cabe a cada pessoa. Eu sei que algumas pessoas vão falar ‘eu não confio nisso’, mas isso é uma grande mudança porque no fundo você está usando esse novo mecanismo de ‘prova’. Se você olhar, se sentir seguro e pensar que agora você pode rodar o node do bitcoin e checar as assinaturas, você vai poder porque é bem pequeno.

Depois que a Lightning ganhou bastante popularidade lá em 2019,  você parecia meio desmotivado porque estava crescendo uma espécie de hype que não esperava em torno da tecnologia… agora 2 anos depois, a Lightning só ficou mais importante. Estando aqui em El Salvador e vendo todo mundo usando algo que você ajudou a construir, como é o seu sentimento? Continua receoso?

Não sei, não é uma sensação de “uhu, eu consegui!”. Por um lado, é ótimo! Super bacana, talvez ajude. Mas no fundo, eu não sei se de fato ajuda. Eu acho que esse meu pensamento faz parte de ser um engenheiro trabalhando com bitcoin: você é a pessoa menos otimista porque tudo que trabalhamos gira em torno do problema.

Se alguma coisa está funcionando, significa que eu terminei e vou para o próximo problema. Então o foco está no problema o tempo todo… é difícil pra mim. Quando cheguei aqui fui ver como a Chivo funciona e pensei, ‘ah não, isso não está bom’, essas coisas, então sempre estou olhando para o problema.

E para ser honesto, eu não estou realmente trabalhando mais na Lightning, então eu fico pensando se deveria ou não focar mais nisso. Sei que existe esse e aquele problema e penso se deveria resolvê-los. O sentimento é mais de responsabilidade. E se tudo que está acontecendo aqui dá errado e todo mundo perde o seu dinheiro e falarem que é por causa da Lightning.. então é legal que as pessoas estejam empenhadas construindo em cima disso, mas ainda não estamos num lugar seguro em que está tudo perfeito. Ainda tem problemas para consertar.

Quais são esses problemas?

A verdade é que é difícil ser descentralizado. Tem tanta pressão para centralizar as coisas, vamos usar Coinbase, usar a Kraken, deixar o dinheiro nas exchanges e não rodar um node real de bitcoin. Tem muita pressão porque fazer isso é muito mais fácil e rápido. Mesma coisa com a Chivo, é fácil e ainda vem o governo e diz ‘aqui, pegue US$ 30’, mas no fundo você não é dono do seu bitcoin. 

A Lightning Network também pode se tornar centralizada. Eu sempre achei que isso aconteceria e todo mundo falava que não, mas eu já pensava que existiriam nodes que teriam muitos e muitos canais e você acabaria tendo algo como a internet. Se você tem conexão com internet, é só a sua casa conectada a um grande data center com várias outras conexões e isso tá tudo bem, é como a vida funciona. Sempre vai ter grandes companhias e indivíduos pequenos.

Mas esperançosamente o objetivo da Lightning Network seja: se você tiver um canal você sempre pode fechá-lo, sempre tem a opção de dizer ‘ok, estou saindo’. Se você está conectado a um banco, você não pode ir tirando o seu dinheiro sem que eles autorizem. Com a Lightning Network você pode não gostar da pessoa ou companhia com quem você tem um canal, e fechá-lo sem pedir permissão. Isso é muito importante e um ótimo backup para o usuário.

Talvez eu esteja conectado com o server da Chivo e o governo decide criar um grande server para a Lightning Network onde todo mundo tem canal para ele, isso é melhor do que eles tem agora por que pelo menos as pessoas podem dizer que tem seus próprios canais que ninguém pode controlar.

Mas a realidade da Chivo e de muitas das carteiras integradas a Lightning hoje é que você não tem o seu próprio canal e sua chave privada, então se o server cair, você está preso.

E como a gente pode resolver esse problema?

Incentivar que as pessoas tenham seus próprios canais de Lightning Network.

Eu acho que a Chivo e a maioria dessas carteiras não estão usando Lightning, não tem canal. O usuário vê na sua carteira que tem 0,01 bitcoin, mas você não tem nada realmente se você não tem chave privada e não pode decidir que canal usar. Você só tem uma conta bancária que diz que você tem esse dinheiro, mas você não pode fazer nada por conta própria e isso é uma grande problema.

Você vai no banco e fala ‘ei, posso tirar todo meu dinheiro’ e normalmente eles deixam, mas você ainda tem que pedir. Eles podem dizer não, falar que a polícia disse que tem que bloquear a sua conta, ou qualquer outra coisa. Mas com Lightning não pode dizer não porque você não está pedindo, você só está pegando o seu canal e tirando o seu dinheiro. E pra mim isso é uma grande distinção e não sei se todo mundo se importa tanto com isso. 

Você pensa em voltar a trabalhar com a Lightning Network?

Eu não sei… não sei se ajudaria, porque eu ficaria falando para as pessoas ‘hey faça isso’, ‘hey muda aquilo’ e isso é difícil. Se o Satoshi Nakamoto chegasse agora no bitcoin dando pitaco, ninguém escutaria, da mesma forma que ninguém vai me escutar sobre a Lightning… e nem deveriam, não trabalho mais no projeto de forma direta há anos, acho que a última vez no final de 2018 numa conferência na Austrália.

Então qual é o seu foco agora?

Tem outros projetos que eu estou animado, como o Discreet Log Contracts. Eu tenho conversado com o pessoal e eu acho que eu tenho ideias que podem ajudar. É algo um pouco semelhante com a Lightning, também é um smart contract de segunda camada mas não é focado em pagamentos e sim um forma de entrar em um contrato com uma contraparte. Por exemplo, a gente pode apostar no preço do petróleo, se ele subir você ganha mais moedas, se cair, eu ganho.

Mas também estou com outros projetos que não são focados no bitcoin. Lá no MIT estamos trabalhando com o Federal Reserve, o Banco Central dos EUA, o que é estranho porque é meio que o oposto de tudo que já fiz, mas enfim. Eles nos procuraram para ajudar a pensar como seria a melhor forma de fazer uma CBDC, mas não sei se quero continuar nisso.

E claro tem o Utreexo que é o meu foco no bitcoin e onde eu tenho trabalho nos últimos dois anos.

A gente conversou muito sobre os problemas do bitcoin, mas você está esperançoso com relação ao futuro da moeda? Estamos no caminho certo?

Estando aqui em El Salvador eu me sinto muito mais otimista do que antes. É bom ver que tanta gente nova trabalhando com bitcoin. Isso era uma coisa que eu me preocupava se ia vingar por não ter tanta gente se dedicando a isso no mercado que cresce para outros lados, mas ainda tem muito interesse e ainda tem várias melhorias. 

Taproot é recente e muito legal com o novo sistema de assinaturas agregadas. Eu acho que o Utreexo também é muito legal e já está meio que funcionando. Espero que com o tempo isso se torne mais parte de como o bitcoin funciona, então tem muitas coisas legais que podemos esperar para o futuro.

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