Trust Investing não permite saques há seis meses e CEO faz ameaças contra clientes: “Vamos à guerra”

Empresa alega que motivo da falta de pagamento é um suposto ataque hacker, que teria roubado R$ 4,1 bilhões
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Os fundadores da Trust Investing, Fabiano Lorite (direita), Diego Chaves (centro) e Claudio Barbosa (esquerda). (Imagem: Reprodução/Portal Global Trust)

“Não temos medo algum de vocês. Se é guerra que vocês querem, então vamos à guerra!”,  diz a mensagem do CEO da corretora de investimentos Trust Investing, Diego Chaves, aos clientes que a acusam de aplicar um golpe ao impedir, por mais de seis meses, que saques sejam feitos em sua plataforma.

A frase de Chaves foi apenas um dos diversos ataques que ele proferiu nos stories do Instagram na quarta-feira, 27 de abril, contra os clientes que se organizam em grupos para cobrar o rendimento prometido.

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CEO da Trust Investing ameaça fechar contas de clientes
CEO da Trust Investing, Diego Chaves, diz que fechará contas de clientes em stories do Instagram

O clima de guerra entre a empresa e seus clientes investidores já dura cerca de meio ano. É esse o período que os brasileiros que compraram pacotes de investimentos em criptomoedas da Trust Investing não conseguem mais sacar o dinheiro preso na plataforma. No meio, o medo de falar sobre o assunto é grande.

Chaves prometeu bloquear a conta de todos que questionam a índole da sua empresa. “Nós estamos investigando cada um deles e colhendo informações. Tínhamos dito que todas as pessoas que fazem parte desses grupos de denúncias coletivas não seriam colocadas na reestruturação, isso já começou”, disse no Instagram.

Após a declaração, ele compartilhou fotos e contatos dos clientes que estavam espalhando “medo e terror”. No print postado por ele é possível ver que um grupo em espanhol de clientes lesados possui mais de 700 participantes.

Imagem compartilhada no stories de Diego Chaves de um grupo de clientes da Trust Investing (Imagem: Reprodução/Instagram)

As ameaças continuam nas redes sociais. No Facebook, a página oficial da empresa deixa o alerta logo na sua descrição: “Mensagens ofensivas serão bloqueadas e os logins automaticamente desativados da nossa rede”. 

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Depois que clientes começaram a encher as publicações da empresa nas redes sociais com reclamações, os comentários foram desativados no Facebook e Instagram.

Práticas suspeitas

Nas últimas semanas, o Portal do Bitcoin entrevistou cinco investidores que denunciaram práticas suspeitas da Trust Investing. A descrição das fontes é de uma operação que lembra uma pirâmide financeira: captação de dinheiro de pessoas comuns através de marketing multinível, vendendo a promessa de dobrar o dinheiro através de investimentos em criptomoedas.

A Trust Investing promete entregar 200% de lucro aos investidores sobre o valor aplicado em até 10 meses, graças ao trabalho de traders de criptoativos que lucram com a volatilidade do mercado.

Quem são esses traders contratados, onde eles estão baseados e quais criptomoedas eles negociam para garantir rendimento fixo aos investidores, são algumas das questões que a Trust nunca deixou claro nos seus quase três anos de existência.

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Embora recolha o dinheiro de milhares de brasileiros, a empresa diz não ter obrigação de seguir as regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), uma vez que está oficialmente registrada na Estônia.

O trio de fundadores da Trust Investing — Diego Chaves (CEO), Cláudio Barbosa (Diretor de Tecnologia) e Fabiano Lorite (Diretor de Marketing) —, embora brasileiros, moram na Espanha.

Os fundadores da Trust Investing, Diego Chaves (direta), Fabiano Lorite (centro) e Claudio Barbosa (esquerda). (Imagem: Reprodução/Portal Global Trust)

Mas isso não é um empecilho para a empresa atuar nos países em que não tem registro, já que conta com líderes espalhados em nações onde diz acumular mais de 800 mil clientes — além do Brasil, a Trust tem operações em Cuba e em outros países latino-americanos.

O líder mais importante da Trust Investing por aqui é Patrick Abrahão, namorado da cantora Perlla. Junto com seu pai, Ivonélio Abrahão, pastor que fundou a igreja evangélica Ministério Internacional Restaurando as Nações em Belford Roxo (RJ), Abrahão convenceu milhares de pessoas a investir na Trust Investing, e passou a ser visto por criminosos do setor como um concorrente nos negócios.

O empresário de 23 anos chegou a deixar temporariamente o Brasil no ano passado, após receber ameaças de morte de Glaidson Acácio dos Santos, o “faraó dos bitcoins” preso por operar a pirâmide financeira da GAS Consultoria.

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Patrick Abrahão e seu pai, o pastor Ivonélio Abrahão, são os principais líderes da Trust Investing no Brasil
Patrick Abrahão e seu pai, o pastor Ivonélio Abrahão, são os principais líderes da Trust Investing no Brasil (Foto: Reprodução/Instagram)

Promessas e prejuízos

Um investidor de São Paulo — que preferiu não ter seu nome divulgado para evitar sofrer represálias dos líderes da Trust Investing — conta que está com R$ 70 mil em rendimentos presos na plataforma da empresa, sem conseguir sacar há seis meses.

Ele diz que as dívidas que acumulou desde o início do bloqueio o colocaram numa situação financeira pior do que quando entrou na Trust Investing, atraído pela promessa de altos rendimentos.

Até 2020, ele tinha seu próprio negócio no ramo de mercado gráfico, mas com a chegada da pandemia do Covid-19, precisou fechar as portas. Na época, uma amiga lhe apresentou a Trust Investing, que prometia pagar 20% ao mês investindo em criptomoedas.

“Eu achei suspeita a Trust e por isso quis conhecer os cabeças do negócio antes de colocar meu dinheiro lá. Num almoço promovido pela empresa em São Paulo, conheci dois fundadores”, conta a vítima à reportagem.

O que lhe deu confiança na promessa e o convenceu a investir foi a aparente credibilidade dos líderes. “Eles colocavam a cara em tudo e eu pensava, eles teriam que ser muito malucos de montar uma pirâmide e se expor dessa forma”, explica.

Ele começou colocando R$ 1 mil, e em seguida foi aumentando os aportes para R$ 5 mil, R$ 10 mil, até investir R$ 25 mil na Trust Investing.

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“O negócio explodiu muito rápido em 2020, estava todo mundo precisando de dinheiro e eles prometiam pagar 20%. Eu fiquei seis meses sacando o dinheiro que coloquei no começo e passei a investir o lucro, só que a maioria não fez isso”, conta, afirmando que os investidores eram incentivados a reinvestir o tempo todo.

Esse foi o caso de uma tatuadora paulista que até hoje não conseguiu recuperar os R$ 30 mil que investiu na Trust Investing, dinheiro que conseguiu vendendo seu próprio carro recém-comprado na época.

“Eles me disseram que se eu investisse o dinheiro do carro, em três, quatro meses, dobraria o investimento. Decidi colocar tudo”, relata.

Ela foi um passo além e tentou criar a sua própria rede de afiliados que lhe renderia bônus a cada novo investidor que trouxesse para a empresa, arrastando a mãe, o marido e as filhas para o esquema.

“Depois de um tempo a pessoa que me levou para a Trust saiu da empresa e foi para Dubai, me dizendo pra tirar tudo que eu tinha lá porque a empresa iria quebrar”. Mas já era tarde demais. 

O suposto hack

Em outubro de 2021, a Trust Investing bloqueou a conta de todos os clientes da plataforma após supostamente sofrer um ataque hacker.

A empresa alegou que clientes foram capazes de sacar mais dinheiro do que deveriam e que era preciso fazer uma auditoria de todas as contas. 

Na época, a Trust avisou sua comunidade que teria contratado uma das maiores empresas de auditoria da Espanha para a tarefa, mas sem revelar seu nome.

Eles deram um prazo de três meses para que a auditoria fosse concluída. Portanto, no final de fevereiro os clientes achavam que poderiam voltar a acessar a plataforma e recuperar seus investimentos. Mas não foi isso que aconteceu. 

No final da auditoria, os líderes da Trust afirmaram que o estrago provocado pelo hacker havia sido muito maior do que o esperado e que um total de US$ 834 milhões teriam sido roubados da empresa — o equivalente a cerca de R$ 4,1 bilhões.

Segundo a Trust Investing, o suposto hacker teria descoberto uma forma de criar saldos falsos de Tether (USDT) — stablecoin pareada ao dólar — dentro da plataforma e vendia esses saldos para outros investidores que, por sua vez, usavam o dinheiro “de mentira” para adquirir novos pacotes na Trust.

O rombo no caixa fez com que a empresa adiasse outra vez os pagamentos dos clientes, argumentando ser preciso criar um plano de reestruturação para determinar como faria os pagamentos após o prejuízo deixado pelo ataque.

Em live do dia 24 de março, Patrick Abrahão foi o primeiro a anunciar o plano de reestruturação da Trust Investing. A estratégia da empresa foi simples: não pagar os rendimentos prometidos, mas devolver o valor investido na plataforma.

A solução foi apresentada por Abrahão como um grande sucesso, um sinal de competência da Trust Investing.

O empresário chegou a insinuar que a empresa poderia até mesmo não devolver o dinheiro dos clientes se assim o quisesse, já que teria o direito de declarar falência sem sofrer consequências legais.

Promessas não cumpridas

A Trust Investing ainda não cumpriu a promessa: desde que o plano de reestruturação foi anunciado, nenhuma das fontes consultadas pela reportagem conseguiu realizar o saque.

“Hoje eu não confio mais na Trust Investing como não confio em qualquer empresa de marketing multinível que diz investir em criptomoedas. Tudo esquema de lavagem de dinheiro, estelionato. É muito visível quando você está na mesa com esses grandes supostos líderes, mas só caí na real depois”, conta uma investidora do norte do Brasil que levou cerca de 200 pessoas para a Trust na região onde atua.

Ela explica que era incentivada a formar a sua própria rede de investidores. Além de ganhar entre 15% e 20% de rentabilidade mensal do pacote contratado, um formador de rede também ganhava 10% de indicação a cada novo cliente trazido ao esquema e mais 10% de bônus binário a cada pacote vendido por sua equipe abaixo da pirâmide.

Ela estima que pelo menos metade dos investidores que atraiu para a Trust Investing não conseguiu recuperar os investimentos e devem estar com cerca de US$ 100 mil presos na plataforma. “Não indico mais ninguém para Trust. Perdi muitos amigos por causa deles”, admite a investidora.

Entre os afiliados dela está um casal que comprou um pacote “diamante” de US$ 1 mil em outubro de 2020. A promessa vendida a eles era que esse dinheiro renderia 300% ao ano. Ou seja, em outubro de 2021 eles deveriam sacar o triplo do investimento inicial, cerca de R$ 18 mil. Mas então aconteceu o suposto hacker e até hoje o casal está com as mãos vazias.

“Esse dinheiro faz muita falta na nossa vida”, conta a dupla. “O que ficou prometido na live onde anunciaram o plano de reestruturação era que no máximo de 30 dias os saques já estariam liberados, então criou-se uma expectativa. Só que agora já passou o prazo e nada aconteceu. Nosso saldo na plataforma nova continua vazio”.

 Operações obscuras

Na mesma época que os saques dos investidores começaram a ser bloqueados, a Trust Investing passou a expandir as operações para outros setores.

Em pouco tempo, a empresa entrou no ramo de vinhos, lançou uma gravadora musical, agência de viagens, um negócio de mineração de esmeralda e até mesmo uma fazenda de energia renovável.

A Trust também criou a sua própria criptomoeda e fez uma mudança radical na forma como pagava os investidores.  

Até meados de setembro de 2021, a companhia pagava os lucros em Bitcoin (BTC) até que, a partir daquele mês, passou a liberar os saques dos investidores apenas com o seu token Truster Coin (TSC).

A TSC é um token de baixa liquidez no mercado criado na Binance Smart Chain. Atualmente a moeda vale US$ 0,01, um preço 95% inferior ao topo histórico de US$ 0,20 alcançado em julho de 2021, segundo o CoinGecko.

Apesar do fracasso com o seu projeto, a Trust Investing anunciou durante o plano de reestruturação que vai lançar uma nova criptomoeda em breve.

Essa moeda será uma tokenização de todas as empresas do grupo Trust Investing. A ideia será usar a moeda para repartir os lucros do grupo uma vez por ano através de dividendos.

A Trust chegou a prometer que esse token, que se enquadra na classificação de security token, será registrado na Comissão de Valores Mobiliários do Brasil (CVM).

Briga com os reguladores

A Trust Investing já opera há quase três anos no mercado de criptomoedas e, embora tenha passado despercebida pelas autoridades brasileiras, já se envolveu em polêmicas em outros países em que atua.

Um importante líder da Trust em Cuba, um dos países onde a empresa tem uma forte presença, foi preso no aeroporto de Havana quando tentava levar uma grande quantidade de dinheiro para a Rússia em abril do ano passado. 

Ruslan Concepción foi questionado pelos agentes policiais sobre a origem do dinheiro que carregava. Ao explicar que o montante era fruto do seu trabalho como diretor da Trust Investing, ele foi detido pelas autoridades que consideraram aquela uma “atividade econômica ilícita”. Cinco meses depois, no entanto, ele foi liberado.

A Trust Investing também foi alvo de investigação dos reguladores do Panamá. Em junho de 2020, a Superintendência do Mercado de Valores Mobiliários do Panamá (SMV) emitiu um alerta onde afirmou que, embora a Trust captasse clientes no país, não estava autorizada a exercer atividades relacionadas ao mercado de valores mobiliários, incluindo negócios de intermediação, consultoria e gestão de investimentos.

Na mesma época, a CVM da Espanha publicou um alerta semelhante, avisando aos investidores que a Trust Investing não possuía autorização para oferecer serviços financeiros no país.  

Apesar disso, a empresa conseguiu, por enquanto, se manter longo do radar dos reguladores brasileiros.

Outro lado

Procurada, a Trust Investing não respondeu às tentativas de contato do Portal do Bitcoin por e-mail e Instagram. O CEO da empresa, Diego Chaves, e o diretor de marketing, Fabiano Lorite de Lima, também foram procurados, mas não deram retorno. 

Já Patrick Abrahão preferiu não responder às perguntas enviadas pela reportagem, alegando não poder falar em nome da empresa, mesmo sendo, fora do papel, sua principal porta-voz no Brasil. “A pessoa física Patrick Abrahão e a empresa Rede PP não possuem sociedade com a Trust e não têm o direito de responder pela mesma”, justificou.