Perguntas não respondidas sobre as prisões e os US$ 3,6 bilhões em bitcoin do hack à Bitfinex

Ilya Lichtenstein e Heather Morgan foram presos acusados de conspiração e fraude, mas não convencem como os verdadeiros mestres do crime
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Foto: Shutterstock

Em 8 de fevereiro, o Departamento de Justiça dos EUA (ou DOJ, na sigla em inglês) anunciou a prisão de Ilya Lichtenstein e Heather Morgan por acusações de conspiração por lavagem de criptomoedas roubadas durante o hack à corretora Bitfinex e 2016 e conspiração por fraude aos Estados Unidos.

A história chamou a atenção do público esta semana, diferente de outras histórias do setor cripto, principalmente porque pessoas ficam fascinadas pelos possíveis culpados, que compartilharam suas vidas sociais na Cidade de Nova York e faziam rap no Instagram e TikTok.

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Conforme dito por Jason Deane, analista de bitcoin (BTC) da Quantum Economics, ao Decrypt: “Parece impossível unir a extensão absoluta do crime alegado com os vídeos repletos de memes desses dois ‘influenciadores’, que parecem estar bem distantes de serem mestres do crime”.

Aqui é o que sabemos graças aos documentos jurídicos publicados: o DOJ confiscou US$ 3,6 bilhões em bitcoin; tanto Lichtenstein como Morgan foram acusados de conspiração por lavagem de criptomoedas e de fraude aos EUA; e, caso sejam condenados, podem enfrentar até 20 anos de prisão.

Parece simples, não é? Mas existe muito sobre essa saga que ainda não sabemos.

Por que foram presos?

Segundo o comunicado de imprensa do DOJ, tanto Lichtenstein e Morgan alegadamente implementaram “inúmeras técnicas sofisticadas de lavagem”.

Incluem o uso de identidades falsas para a criação de contas on-line, transações automáticas e depósito dos fundos roubados em contas em diversas corretoras e mercados da darknet.

Jim lee, diretor de investigação criminal do Serviço Interno de Receita (ou IRS), descreveu o esquema como “metodológico e calculado”.

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Nos últimos cinco anos, aproximadamente 25 mil BTC passaram por um processo complicado de lavagem de dinheiro antes de alegadamente serem depositados em contas financeiras controladas por ambas as partes.

A enorme quantidade de tempo que passou desde esses eventos levanta a seguinte pergunta: por que esses gênios do crime só foram pegos agora?

Lichtenstein armazenava suas chaves cripto (códigos de acesso privado a uma carteira) na nuvem, o que não ajudou.

Após conseguir um mandado de busca, autoridades acessaram um arquivo salvo na conta de nuvem de Lichtenstein, que continua dois mil endereços de criptomoedas, bem como as chaves privadas correspondentes para acessar os fundos.

“Acredito que todo o caso foi solucionado principalmente por conta da péssima segurança de informação em nome dos supostos criminosos”, afirmou Stephen Diehl, programador e crítico cripto, ao Decrypt.

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Onde estão os bitcoins confiscados?

Segundo a acusação criminal divulgada junto com o comunicado do DOJ, os fundos confiscados pelas autoridades continuam “protegidos pela posse do governo americano”.

Não sabemos o que o governo realmente irá fazer com os fundos recém-recuperados, mas especialistas jurídicos disseram ao Decrypt que, provavelmente, não devolverá o dinheiro à Bitfinex.

Com base em casos anteriores, pode-se especular o que acontecerá em seguida. Em março de 2021, a Administração de Serviços Gerais (ou GSA) leiloou 0,7501 BTC a um prêmio de 21% que, na época, fez o governo lucrar cerca de US$ 53 mil.

O governo nunca disse como obteve posse desses bitcoins, mas também leiloou uma seleção de itens confiscados, incluindo carros, um contêiner de armazenamento e um trator.

Em outros casos, o governo americano leiloou bitcoins ilícitos recuperados de casos criminais. Em fevereiro de 2020, vendeu 4 mil BTC (equivalentes a US$ 37 milhões na época) que haviam sido confiscados em uma série de casos federais, civis e administrativos.

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Em 2014, leiloou 30 mil BTC (ou US$ 19 milhões) confiscados do agora extinto mercado da dark web Silk Road.

O governo também irá usar seu bitcoin recém-confiscado para atrair informantes da dark web a apresentarem informações sobre hackers considerados como ameaça à segurança nacional do país.

Desde 1984, o Departamento do Estado possui o programa “Rewards for Justice” (ou “Recompensas pela Justiça”, em português), que oferece até US$ 10 milhões por informações sobre indivíduos ou grupos que participam de ciberatividades contra os Estados Unidos.

Em agosto de 2021, o governo começou a oferecer essas recompensas em criptomoedas.

“Encontrar pessoas onde estão e abordá-las com a tecnologia com a qual estarão mais confortáveis, acredito que será o nome do jogo para ‘Rewards for Justice’”, afirmou um funcionário do Departamento do Estado à CNN.

E sobre o hack em si?

É importante reiterar que Lichtenstein e Morgan não foram acusados de participarem no hack à Bitfinex em 2016.

O comunicado do DOJ afirma que Lichtenstein e Morgan conspiraram por lavagem dos fundos roubados após um hacker “invadir os sistemas da Bitfinex e iniciar mais de duas mil transações não autorizadas”.

Essas duas mil contas foram descobertas quando as autoridades descriptografaram um arquivo salvo no armazenamento em nuvem de Lichtenstein.

A acusação criminal acrescenta que “a análise em blockchain confirmou que quase todos esses endereços estavam diretamente ligados ao hack [à Bitfinex”.

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Então, surge outra pergunta: Lichtenstein e/ou Morgan estavam envolvidos no hack ou podem ter tido uma relação com o hacker? Isso não se sabe, mas é provável que essa pergunta (também feita pela jornalista cripto Laura Shin), surja durante futuros processos judiciais.

Ao todo, alguns espectadores podem considerar a prisão e o confisco dos bitcoins roubados (apesar de terem acontecido anos após o hack à Bitfinex) como um sinal de que o crime não compensa, mesmo no setor cripto.

Para outros, as prisões da Bitfinex, assim como o hack à The DAO em 2016 e a derrubada do site Silk Road em 2013, pode meramente ser outro lembrete do persistente problema de imagem do bitcoin.

*Traduzido e editado por Daniela Pereira do Nascimento com autorização do Decrypt.co.