O que o Banco Central quer saber sobre os clientes da Binance no Brasil

O Portal do Bitcoin obteve documentos que mostram que, desde março, o regulador vem pedindo a identificação dos usuários da corretora
Espião

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“Assunto: PLD (Prevenção à Lavagem de Dinheiro). Título: A instituição não possui procedimentos adequados para coletar as informações cadastrais de seus clientes permanentes.”

Assim começa o segundo comunicado do Banco Central do Brasil — ao qual o Portal do Bitcoin teve acesso — para o Banco Acesso, que causou a separação da Binance com o provedor de pagamentos Capitual. É uma parte do processo que culminou com a suspensão temporária dos saques e depósitos em reais da corretora de origem chinesa.

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O documento afirma que, com base nas informações que já haviam sido solicitadas, a ES (entidade supervisionada), no caso o Acesso, não possuía os procedimentos adequados para a coleta e registros de todas as informações cadastrais obrigatórias dos clientes.

Trata-se do ponto central que provocou no dia 17 de junho o fim dos saques e depósitos em reais da Binance via Capitual, empresa que conectava a corretora com os serviços bancários no Brasil e possibilitava, por exemplo, os saques e depósitos via PIX. Atualmente, serviço é prestado pela Latam Gateway e pelo banco BS2.

Na prática, as contas da Binance dentro do Acesso não estavam individualizadas por cliente, mas agrupadas em um grande número de pessoas — como fossem grandes aviões nos quais não é possível saber quem é o passageiro.

O Banco Central não comenta sobre a individualização mas diz que a empresa da pagamentos deveria comprovar os procedimentos de coleta das seguintes informações:

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I – qualificação do cliente pessoa física: nacionalidade, local de nascimento, endereço comercial, valor da renda mensal, valor do patrimônio, declaração firmada sobre os propósitos e a natureza da relação de negócio com a Instituição e profissão. As informações relativas a cliente pessoa natural devem abranger as pessoas naturais autorizadas a representá-lo;

II – qualificação do cliente pessoa jurídica: informações que qualifiquem e autorizem os administradores, mandatários ou prepostos (nacionalidade, data e local de nascimento), declaração firmada sobre os propósitos e a natureza da relação de negócio com a Instituição e informações relativas às pessoas naturais caracterizadas como beneficiários finais da cadeia de participação. Ressaltese que a Instituição poderá apresentar, como proposta alternativa de regularização deste apontamento, os procedimentos adotados para identificação, qualificação e classificação de seus clientes com base nas determinações contidas na nova Circular nº 3.978/2020, que incluem a elaboração de avaliação interna de risco.

Uma terceira notificação foi entregue após o rompimento da empresa no dia 29 de junho. Nele, o BC pede uma atualização da relação da Acesso com a B Fintech (CNPJ ligado à Binance no Brasil) e o Capitual.

Trecho da segunda notificação do Banco Central (Imagem: BC)

Notificações anteriores ao Acesso e Binance

O documento mostra trechos do histórico das trocas entre a autarquia e a Instituição de Pagamentos. É possível ver que o caso vem se desenrolando desde antes de março, pois já registra uma reposta do Acesso no dia 8 daquele mês aos questionamentos do “OFÍCIO 10165/2021-BCB/DESUC”.

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Na reposta, a instituição de pagamentos detalha como funcionava a operação, usa o nome Forteras em vez de Capitual e declara que a “B Fintech é cliente da Acesso Soluções de Pagamento” em um modelo chamado de Open API.

Neste sistema, diz o Acesso, o cliente abre uma conta de pagamento e pode utilizar as APIs de pagamento para TED, boleto e PIX nas operações, mas os usuários da Forteras ou Binance não possuem contas de pagamentos na Acesso.

O que existe é “apenas uma conta gráfica junto ao parceiro, o qual realiza a orquestração dos saldos entre contas (conta de liquidação do parceiro na Acesso e conta gráfica do cliente). Desta forma, a Acesso não tem informações sobre o cliente final, o qual é atendido diretamente pela Forteras”.

O enquadro do regulador vem logo em seguida com o pedido de detalhamento sobre os procedimentos que o Acesso usa para prevenir a lavagem de dinheiro ou financiamento ao terrorismo. Além disso, há o pedido de apresentar o cadastro completo dos clientes da B Fintech/Binance/Forteras.

Mais de um mês depois, no dia 25 de abril, o Acesso envia uma resposta ao BC na qual diz que está trabalhando para cumprir a solicitação e pede mais prazo para cumprir o pedido — algo que nunca foi cumprido uma que vez que a Binance deixou de usar os serviços da Forteras/Capitual.

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Questionada sobre o motivo do rompimento, a Binance disse em nota que não é cliente do Acesso e que nunca foi informada sobre qualquer solicitação do Banco Central para individualização de contas. Diz também que a Capitual deixou de ser a provedora de pagamentos por ações que conflitam com seus valores e que “tomou todas as medidas necessárias e cabíveis em relação à empresa para proteger os usuários e seus recursos e assegurar que eles não sejam afetados negativamente pela mudança”.