Lei das Criptomoedas: Entenda o que muda no mercado brasileiro com as novas regras

Saiba como a nova regulamentação aprovada pelo Congresso impacta a atividade de empresas e investidores de criptomoedas no Brasil
Maretlo judicial com a bandeira do Brasil

Shutterstock

O Projeto de Lei 4.401/2021, que cria um marco regulatório de criptomoedas no Brasil, foi aprovado na noite de terça-feira (29) na Câmara dos Deputados após uma longa tramitação. Agora, o texto segue para a sanção do presidente da República, onde ainda pode sofrer vetos de trechos específicos – que podem ser derrubados depois pelo Congresso -, embora poucos analistas esperem surpresas nesse sentido.

A Lei das Criptomoedas define diretrizes regulatórias para nortear a regulamentação infralegal, a proteção e defesa do consumidor, o combate aos crimes financeiros e a transparência das operações envolvendo criptomoedas. O texto traz regras e diretrizes tanto para a prestação de serviços relacionados a ativos virtuais quanto para o funcionamento das corretoras de criptomoedas.

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Mas como isso se reflete no dia a dia de empresas e investidores? Qual será o impacto para o mercado brasileiro? O Portal do Bitcoin consultou uma série de especialistas para entender o peso das mudanças e como elas vão influenciar o setor nacional de criptoativos.

A seguir, veja o que a Lei das Criptomoedas muda na prática:

  • 1 – O que é a Lei das Criptomoedas?
  • 2 – O que a nova Lei muda para o investidor pessoa física?
  • 3 – E para as empresas, quais são as mudanças?
  • 4 – A Lei é positiva para o mercado de criptomoedas?
  • 5 – O que ficou de fora dessa legislação?
  • 6 – O que é segregação de patrimônio? Como ela fica com essa nova Lei?
  • 7 – Quais são os pontos da nova Lei que trazem preocupação?

1 – O que é a Lei das Criptomoedas?

Trata-se de uma nova legislação aprovada pelo Congresso nacional que estabelece quais são as regras que as “prestadoras de serviços de ativos virtuais” (as corretoras de criptomoedas são o exemplo mais conhecido dessa categoria) devem obedecer.

Pela lei, um ativo virtual passa a ser definido como “a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento”. Não entram nessa definição moedas fiduciárias nacional e estrangeiras, ações e programas de fidelidade e milhagem.

A Lei também determina que o Poder Executivo, comandado pelo Presidente da República, irá apontar um órgão para ser o regulador e fiscalizador do setor. Essa entidade também criará regras mais detalhadas sobre o funcionamento do ecossistema de criptomoedas.

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Ainda não há definição formal de qual será esse órgão, mas a expectativa é que o escolhido seja o Banco Central (BC) – embora a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também esteja se movimentando na regulação de ativos digitais.

As empresas cripto só poderão operar com autorização prévia dessa entidade regulatória, mas todos terão no mínimo seis meses para se adequar à nova lei.

2 – O que a nova Lei muda para o investidor pessoa física?

Segundo o advogado sócio do Warde Advogados e ex-membro da CVM, Isac Costa, uma das principais mudanças é a possibilidade de que um consumidor lesado tenha uma pessoa jurídica específica para acionar caso entenda que teve um direito ferido – o que algumas vezes não acontece no sistema atual, com empresas sem existência jurídica no Brasil.

Isso pode aumentar a segurança e a confiabilidade do sistema cripto como um todo, promovendo maior inclusão e atraindo mais participantes.

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“Dentre os requisitos a serem estabelecidos, o Poder Executivo federal provavelmente exigirá a constituição da sociedade no Brasil e quem poderá exercer cargos de administração e ser acionista controlador. Por isso, caso os investidores sofram algum tipo de prejuízo, poderão ingressar com demandas junto ao Poder Judiciário que serão mais efetivas, pois, ao menos em teoria, haverá contra quem litigar no Brasil”, diz ele.

Para o advogado Rafael Viana, associado do Velloza Advogados, o usuário passa a ter clareza sobre qual é o órgão regulador responsável. “As empresas irregulares seriam mais claramente identificadas e as empresas licenciadas passariam a ter de seguir regras mais bem delimitadas do jogo”.

O  CEO da Coinext, José Artur Ribeiro, afirma que com a regulamentação, o fim das pirâmides de Bitcoin está próximo. “Esperamos uma mudança de visão com relação ao mercado de criptoativos, que poderá ser encarado como mais atrativo por quem até então tinha receio pela incerteza legal do mercado, tanto no nível institucional quanto de varejo”.

3 – E para as empresas, quais são as mudanças?

O advogado Isac Costa afirma que, com a nova legislação, qualquer empresa que queira oferecer “serviços de ativos virtuais” (negociação, emissão, custódia e transferência, entre outros) no Brasil deverá se submeter a um processo de autorização prévia, cumprindo requisitos a serem estabelecidos por órgão regulador ou entidade do Poder Executivo federal.

“Após a obtenção do registro, a empresa ficará sujeita à fiscalização e à aplicação de punições pelo descumprimento de regras, inclusive o cancelamento da autorização”, ressalta Costa. É um ponto que pode ajudar o mercado a “separar o joio do trigo”, ou seja, a incentivar a atuação de empresas devidamente cadastradas e dificultar o surgimento de golpes, esquemas e aventuras.

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O especialista também prevê que, dentre os deveres a serem observados, a lei traz alguns princípios gerais, tais como proteção do consumidor, boa governança, segurança da informação, proteção de dados pessoais, solidez e eficiência das operações.

“Contudo, em termos mais concretos, a norma prevê expressamente apenas o dever de manter registros sobre operações suspeitas de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo e sua comunicação às autoridades responsáveis”, diz Costa.

4 – A Lei é positiva para o mercado de criptomoedas?

O líder da entidade de classe ABCripto, Bernardo Srur, afirma que a lei é muito positiva para o mercado, “pois traz mais segurança jurídica para empresas e investidores de forma geral”.

Para Bruno Alcântara, CEO da DSDX, a lei é positiva e negativa ao mesmo tempo. “Por um lado é positivo, pois a lei será mais rigorosa em relação aos crimes envolvendo criptomoedas”, afirma. “Por outro lado, pode vir a prejudicar a descentralização, um dos fundamentos desse mercado”.

O advogado Isac Costa entende que um marco legal é positivo, “por pior que seja”, por trazer um reconhecimento do governo de que o mercado cripto existe. O ex-CVM ressalta que a ausência de lei impediria novos investimentos e uma adoção maior dessa classe de ativos pela falta de segurança do consumidor.

Segundo ele, mais do que uma conjunto pronto de regras, a nova Lei marca o início de uma nova rodada de diálogo: “as empresas do setor irão discutir com o Estado brasileiro o nível de detalhamento das regras, tentando resgatar alguns pontos importantes que ficaram de fora do debate legislativo e que são fundamentais para o bom funcionamento desse mercado”, aponta Costa.

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5 – O que ficou de fora dessa legislação?

O advogado Rafael Viana aponta como ausências os três pontos: a regra da segregação patrimonial, a necessidade de obtenção de CNPJ e registro no COAF para operar no Brasil assim que a lei for publicada e a isenção fiscal a máquinas e ferramentas de mineração que utilizem integralmente de fontes renováveis de energia elétrica.

Tratam-se de pontos que constavam do texto original da Lei quando ela saiu do Senado, mas que foram retirados na Câmara de forma controversa pelo relator do projeto, o deputado Expedito Netto (PSD). Esses três itens chocavam o interesse de diferentes empresas que atuam no mercado brasileiro: de forma geral, a maioria das corretoras de criptomoedas nacionais se mostrava favorável à manutenção desse itens no texto, enquanto as estrangeiras defendiam a remoção.

A polêmica e a discussão em torno desses pontos acabaram adiando seguidamente a votação da Lei na Câmara por vários meses. No fim, as empresas nacionais e o próprio Banco Central acabaram abrindo mão da inclusão dos itens no texto como forma de acelerar a apreciação do tema pelos deputados. A expectativa é que eles possam ser discutidos posteriormente, seja por alterações complementares no texto ou por determinações infralegais.

Também advogado, Ticiano Figueiredo, sócio do Figueiredo e Velloso Advogados, aponta especificamente para a segregação patrimonial: “É um ponto fundamental para a segurança jurídica, a proteção da propriedade privada e das transações em si, na medida em que faz com que os investidores não sejam obrigados a suportar riscos não assumidos no momento do investimento”.

Para Juliana Facklmann, diretora de Assuntos Regulatórios do Mercado Bitcoin (MB), a regra que exclui a competência da CVM “é estranha e perigosa porque está tirando da Comissão a possibilidade de regular o mercado de capitais em formato de criptoativos em forma descentralizado”.

Por fim, o presidente da ABCripto cita a regra de transição que foi retirada do texto final. Inicialmente estava previsto que as empresas deveriam ter CNPJ e cadastro no COAF desde a aprovação. Mas o texto mudou e as companhias terão seis meses. “Acredito que esses dois pontos serão totalmente englobados pelos órgãos reguladores”, diz Bernardo Srur.

6 – O que é segregação de patrimônio? Como ela fica com essa nova Lei?

Segregação patrimonial é a prática de uma empresa manter o dinheiro do clientes em um ambiente separado dos ativos corporativos próprios. Ou seja, a companhia não pode usar esses valores para fazer investimentos ou para qualquer finalidade.

No caso dos bancos tradicionais, não há segregação patrimonial: essas instituições usam o dinheiro das poupanças de clientes, por exemplo, para fazer empréstimos e pagam uma taxa de juros como recompensa.

Quando há segregação patrimonial e uma empresa fica insolvente (perde a capacidade de pagar dívidas, credore e clientes), a entidade não pode usar os valores do cliente para pagamentos. O consumidor tem garantido o resgate de seu patrimônio.

No entanto, os bancos possuem uma legislação específica que limita o tamanhos dos empréstimos e garante os fundos dos clientes no caso de problemas com a instituição financeira – o que não acontece com as corretoras de criptomoedas na nova legislação.

A Lei das Criptomoedas não obriga a prática de segregação patrimonial pelas prestadoras de serviços de ativos virtuais. Segundo especialistas, isso tem potencial para deixar clientes a descoberto, como visto no exterior em casos como o da corretora de criptomoedas FTX e da empresa de empréstimos cripto Celsius.

“A ausência da segregação patrimonial na lei é um sinal de que o legislador brasileiro permitirá que as prestadoras de ativos virtuais atuem como verdadeiros bancos, emprestando e aplicando recursos que não são seus, potencialmente sem nenhum controle de risco ou com controles muito menos rígidos que os aplicáveis às instituições financeiras”, alerta Isac Costa.

O advogado aponta que há uma linha de pensamento jurídico de que a segregação patrimonial possa ser definida na regulamentação, “mas existem argumentos jurídicos sólidos no sentido de que isso não é possível”.

Esse ponto da necessidade da previsão em lei é também apontado por Juliana Facklmann: “Toda vez que você cria um regime patrimonial dentro do ordenamento jurídico brasileiro ele deve ser objeto de lei, senão é questionado. Quando você vai para o Judiciário, o juiz não considera regulação. Isso é o que a gente chama de reserva legal”.

7 – Quais são os pontos da nova Lei que trazem preocupação?

Para Rafael Viana, a preocupação está na ausência da regra de segregação patrimonial. “Porque as exchanges centralizadas poderiam usar como bem entendessem os ativos virtuais custodiados em benefício dos investidores finais”, diz.

Juliana Facklmann entende que a definição de criptoativos prevista no texto é muito genérica e abrangente. “Ela exclui algumas hipóteses que talvez fossem interessantes quando pensamos no sistema como um todo. Eu não posso ter uma cédula de crédito bancário que seja um ativo virtual? Não poderia ter um formato tokenizado?”, questiona.

A questão do texto ser genérico também é destacada por Marcelo de Castro Cunha Filho, advogado do Machado Meyer Advogados: “Por um lado, uma lei muito genérica corre o risco de ser ineficaz, mas, por outro lado, ela possibilita que seja criada uma regulação infralegal mais ágil e atenta às transformações do setor”, completa.

Muitos analistas, no entanto, parecem não demonstrar grande preocupação com a questão da centralização das criptomoedas – um ponto focal para diversos participantes de uma comunidade que nasceu baseada na ideia de descentralização.

“Esperar que investimento pesado entre no setor sem que haja algum tipo de arcabouço regulatório é um tanto utópico na minha opinião”, diz Paulo Boghosian, head de cripto do TC.

“Ao mesmo tempo uma regulação rígida demais atrapalha o crescimento do mercado, a exemplo do que acontece hoje nos EUA. Acho que o Brasil está tendo uma postura madura em relação a regulação de criptoativos”, finaliza.

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