Tribunal de Justiça de São Paulo confirma decisão de 1º grau que ordenou o Banco Santander desbloquear o valor de R$ 1.350.733,00 da conta do Mercado Bitcoin.
“Falta de regulação não torna uma atividade criminosa”. Essa foi a frase afirmada pela juíza Renata Barros Souto Maior Baião, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ao proferir decisão favorável à corretora.
Ela afirma que o ato do banco foi abusivo, uma vez que ele não deve apreender recursos da corretora “em razão de operações fraudulentas realizadas por terceiro”.
A ação movida pela corretora foi julgada procedente e o banco foi condenado a devolver o valo bloqueado com “juros de 1% ao mês, a contar da citação”.
Nele, a juíza esclarece que ausência de regulação não é sinônimo de ilicitude do objeto e também mostra que o terceiro de boa fé não é responsável por atos cometidos por seus clientes, principalmente quando o banco pode identifica-los.
A decisão
O caso chegou à 19ª Vara Cível de São Paulo por meio de uma petição feita pelo Mercado Bitcoin após sofrer o bloqueio de sua conta corrente. O Banco Santander justificou sua conduta afirmando que havia suspeita de “fraudes bancárias” efetuadas por alguns clientes da exchange.
Baião reconstruiu todo o caso na parte de fundamentação de sua sentença. Ela afirma que, em resumo, várias transações de débito foram efetuadas em conta de correntistas do Santander e que essas operações “favoreceram outros correntistas do réu (Banco Santander) que, por sua vez, adquiriram criptoativos perante a autora (Mercado Bitcoin)”.
A instituição bancária, entretanto, agiu além do seu direito. Ela mesmo após esmiuçar “todas as transferências realizadas” de forma detalhada, sabendo exatamente quem eram os favorecidos da fraude, resolveu simplesmente bloquear a conta da corretora.
O Santander disse em sua contestação que conhecia “datas, valores e favorecidos, incorrendo, inclusive, em pesquisas no Google Street View para aferir as condições financeiras dos envolvidos”.
“Diante de tal cenário, a casa bancária poderia ter, por si, buscado responsabilizar aqueles que realizaram as transferências fraudulentas, mas, ao revés, preferiu bloquear a conta da autora e apropriar-se das quantias lá existentes, até o valor integral das transações”, afirma a juíza em sentença.
Na decisão, Baião deixa claro que os sistemas de segurança das exchanges não são suficientes para coibir fraudes, mas isso não era algo para se discutir nessa ação.
Ela também rechaçou a tentativa do Banco em “criminalizar” a transação de criptomoedas, uma vez que os comunicados do Banco Central não indicam a ilicitude da atividade econômica exercida pela corretora.
“Afirmar que a ausência de “arcabouço legal e regulatório específico” atribui à autora o ônus de ter “pleno conhecimento de que os bens por ela comercializados ‘podem ser utilizados em atividades ilícitas, o que pode dar ensejo a investigações'” (fl. 105) é tese que não se sustenta. A falta de regulação não torna uma atividade criminosa e, por fim, o uso de bens que podem ser utilizados em atividades ilícitas pode se estender a uma série de atividades mercantis e de prestação de serviços”.
Baião ainda afirma que o Mercado Bitcoin não tem a incumbência de fiscalizar os seus clientes sobre a declaração de imposto de renda das moedas criptografadas adquiridas na corretora, a fim de evitar a ocultação patrimonial.
De igual modo, na visão da magistrada, seria indiferente no julgamento dessa causa analisar se caberia ou não a exchange comunicar qualquer irregularidade ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
Quanto a isso, ela afirma que:
“(…) a controvérsia é simples e reside em avaliar a possibilidade de a instituição financeira ressarcir-se, mediante a apreensão de recursos na conta da autora, em razão de operações fraudulentas realizadas por terceiros. A resposta é negativa, e os pedidos são procedentes”.
Batalhas judiciais
O Portal do Bitcoin tem acompanhado de perto essa série que envolve bancos e corretoras. Desde 2015, as exchanges brasileiras têm de enfrentar grandes instituições financeiras para manter sua atividade econômica.
Uma conta corrente para essas empresas é elemento essencial para que elas continuem a atuar no mercado, uma vez que elas dependem dessas contas para que seus clientes efetuem depósitos e adquiram assim criptomoedas.
Sem essas contas não há como essas exchanges sobreviverem. Isso foi até argumentado pela ministra Nancy Andrighi, do Superior TRibunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial 1696214/SP.
Um outro ponto que não pode deixar de ser dito é que tal conduta pode ser visto como uma atitude anticoncorrencial, uma vez que o artigo 36 da Lei 12.529/11 traz como infração a ordem econômica ato que limite a livre concorrência, o que trará como consequência o domínio do “mercado relevante de bens ou serviços”.
Desta forma, uma empresa que venda ativos, mesmo não sendo criptomoedas, ao limitar o exercício de outras companhias que transacionem os chamados ativos digitais, consegue exercer no mercado uma posição dominante, o que pode prejudicar a livre concorrência.
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