Os jogos play-to-earn tiveram seu grande momento em 2021, com títulos como Axie Infinity se tornando uma fonte de renda para milhares de pessoas, principalmente em países em desenvolvimento, como o Brasil.
Todo esse modelo, no entanto, não demorou para ruir e expor um ecossistema pouco sustentável ao longo prazo e com características de esquemas Ponzi – aqueles onde o lucro só vem quando há novos investidores injetando dinheiro no projeto.
Contudo, isso não significa que a união entre jogos e criptomoedas esteja fadada ao fracasso. O Portal do Bitcoin entrevistou Wook Kim, um experiente profissional da indústria de games que atua como vice-presidente de negócios e operações da Wemade nos EUA, que defende o modelo “play-and-earn” (jogar e ganhar) ao invés do tradicional “jogar para ganhar”.
A reconstrução do termo significa que o jogo em si deve ter um papel central nesse ecossistema e que os elementos emprestados da blockchain – como recompensas na forma de criptomoedas e NFTs – vêm em segundo plano, como forma de melhorar a experiência final do usuário.
Para isso, é preciso ter jogos de qualidade, que divirtam o jogador independente do ecossistema econômico que exista como pano de fundo. É essa a frente que a empresa de Kim tenta explorar. Com mais de 20 anos de existência e listada na bolsa de valores da Coreia do Sul, a Wemade é um dos maiores estúdios de jogos no país asiático, conhecida principalmente pela criação da série de jogos MMPRPGs Legend of Mir.
Em 2021, a Wemade lançou o Mir4, seu primeiro jogo integrado à blockchain que logo se tornou um fenômeno, atingindo 1,4 milhão de usuários simultâneos no seu pico.
A empresa foi uma das primeiras a olhar para a blockchain como uma forma de expandir seus negócios e a criar seu próprio ecossistema cripto, apelidado de Wemix. Isso envolve uma criptomoeda própria (WEMIX), uma blockchain (Wemix 3.0), além de carteira digital e plataforma de negociação onde os jogadores podem comprar, vender e fazer staking de tokens.
Em conversa com a reportagem, Wook Kim e o community manager da Wemade, o brasileiro Marcelo Keller, falam sobre os desafios de criar um ecossistema blockchain em torno de jogos e qual direção esse setor deve tomar no futuro.
Portal do Bitcoin: A Wemade já é um nome consolidado no mundo dos games. O que despertou o interesse da empresa de marcar presença também no meio cripto e o que a motivou criar seu próprio ecossistema cripto ao invés de usar redes terceiras?
Wook Kim: A Wemade é uma desenvolvedora de jogos antes de qualquer coisa, fazemos isso desde 2000. Quando começamos a desenvolver nossos próprios jogos, tivemos muito sucesso na China e na Coreia do Sul. No início de 2018, começamos a olhar para a blockchain, um pouco antes do que outros players no mercado, pensando que era um momento oportuno para trazer essa tecnologia ao mundo dos jogos.
Naquela época, percebemos que precisávamos de uma plataforma de jogos exclusiva para os títulos baseados em blockchain. Como no início nosso time de blockchain era muito pequeno e não tínhamos recursos suficientes, usamos a rede Klaytn, que tinha uma equipe coreana, o que facilitava a comunicação.
Quando lançamos o Mir4 em 2021, o jogo ficou muito popular, atingiu 1,4 milhão de usuários simultâneos. Com mais jogadores, precisávamos de melhorias em termos de escalabilidade. Foi quando construímos nossa própria blockchain, a Wemix 3.0, lançada há cerca de seis meses. É um fork do Ethereum, mas é nossa própria blockchain com regras específicas, ainda compatível com a Ethereum Virtual Machine (EVM) e os tokens ERC-20.
O Mir4 é muito elogiado pela qualidade e diversão, algo que nem todos os jogos play-to-earn conseguem unir. Atrair jogadores pela qualidade ao invés da recompensa é o caminho?
Sim, nossa visão é na qualidade de jogo. Temos desenvolvido jogos há 23 anos e acreditamos que os jogos baseados em blockchain são, em primeiro lugar, jogos. Por isso queremos poder oferecer jogos de alta qualidade aos usuários, sem colocar uma barreira de entrada.
A maioria dos jogos baseados em blockchain exigem que você já tenha uma carteira cripto e compre um NFT de algumas centenas de dólares para começar a jogar. Nós não temos esse tipo de requisitos. Você só precisa baixar o jogo, criar uma conta e começar a jogar. Quando os jogadores quiserem usar os componentes Web3, como comprar ou vender tokens e NFTs, eles terão a opção de fazê-lo, mas não será forçado.
A forma como implementamos NFTs nos nossos jogos é um pouco diferente. Na maioria dos jogos são os desenvolvedores vendendo NFT para jogadores. Mas em Mir4 e no nosso jogo mais recente, Mir M, funciona assim: os usuários começam a jogar e aumentar os níveis de seu personagem, os tornando mais fortes. E então, se quiserem, eles podem transformar seu personagem em NFT usando nossa blockchain e vendê-lo para outros jogadores em nosso marketplace.
Portanto, são os usuários dedicando seu tempo e esforço ao jogo para criar valor sobre seus personagens. Há também muitos jogadores interessados em comprar esses NFTs. Alguns preferem pagar do que passar meses jogando para obter um nível mais alto. E isso cria um benefício tanto para quem compra como para quem vende. É a transação entre usuários. Nós, os desenvolvedores, tomamos uma pequena porcentagem da taxa de transação, mas a maioria dos lucros vai para o usuário que vende seu NFT.
A maioria dos jogos NFT que surgiram nos últimos tempos revelaram ter uma vida útil muito curta. Você acha que o modelo play-to-earn pode ser algo sustentável a longo prazo? Como?
Eu acho que esse ecossistema é mais sustentável se você tiver um ótimo jogo. O que os jogadores não gostam, com base na nossa experiência, é um obstáculo de entrada. Por exemplo, ser obrigado a comprar um NFT. Não queríamos seguir essa tradição.
E eu também acho que não é sustentável, pois nesse modelo você sempre precisa trazer constantemente outros usuários para poder emprestar esse NFT, ou programas de “escolinhas” para ganhar benefícios. E isso pode ser visto mais como um esquema Ponzi.
Outro problema desse modelo é que a qualidade dos jogos geralmente não é tão boa. Não quero ser negativo, mas alguns desses jogos não são realmente jogos, mas sim ferramentas para apenas continuar recompensando a si mesmo com tokens.
O modelo “jogar para ganhar” exige que você faça uma compra inicial para participar e os usuários não têm muito controle sobre os resultados do jogo. É basicamente apertar play e o jogo vai jogar sozinho.
Queremos nos diferenciar disso com o novo conceito “jogar e ganhar”, focando na qualidade dos jogos, o que eu acho que é mais sustentável. Mir4, por exemplo, mesmo dois anos após o lançamento, ainda tem cerca de 300 mil jogadores simultâneos nos dias de hoje. Então é por isso que acreditamos que o jogo deve ser o foco. A blockchain e os componentes Web3 devem ser apenas um benefício adicional para a base de jogadores.
Pode explicar como o ecossistema da Wemix funciona? Todos os jogos construídos pela Wemade estão sendo integrados à blockchain?
Atualmente, os jogos da Wemade estão sendo desenvolvidos em duas versões. Uma versão coreana e uma global. A versão coreana é uma versão sem blockchain, já que o governo de lá não permite jogos play-to-earn. Para as versões globais dos jogos, nós implementamos o Wemix.
Nós não publicamos apenas nossos próprios jogos na plataforma Wemix, mas também jogos de outros desenvolvedores. Temos ajudado a implementar esses componentes de Web3 em jogos tradicionais.
Nesse ecossistema da Wemix, temos o token de nível de plataforma que também se chama WEMIX. Já cada um de nossos jogos possui seu próprio token específico de jogo, que é emitido em uma sidechain. Esses tokens de jogo podem ser negociados entre si usando nossa carteira, e nós fornecemos a liquidez. Esses tokens podem também ser convertidos em WEMIX, que já está listada em cerca de 25 exchanges diferentes.
Aqui no Brasil o token foi listado recentemente no Mercado Bitcoin. Fizemos isso porque percebemos que temos muitos jogadores no Brasil que querem converter os ativos da nossa blockchain para fiat, então queríamos dar a eles a chance de fazer isso.
O governo sul-coreano parece ser bem rígido. Como você disse anteriormente, jogos play-to-earn não podem ser lançados lá e o próprio token da Wemix enfrentou problemas com as corretoras centralizadas. O que aconteceu na época e como é o mercado de criptomoedas na Coreia do Sul?
Quatro exchanges do mercado coreano removeram nosso token no ano passado. O problema era a oferta de tokens em circulação. Nós resolvemos isso e fomos listados novamente na Coreia do Sul há cerca de três semanas. Então, essa questão já foi resolvida.
Naquele momento, percebemos que não podíamos depender dos mercados coreanos para listagens. Na Coreia, a regulamentação cripto não é clara. Estamos em uma área cinzenta, sem regras definidas. Justamente por isso estamos expandindo para mercados globais.
O Brasil é um mercado muito interessante. Existe uma grande adoção para blockchain e criptomoedas, além de muitos jogadores na região. Por isso buscamos a listagem no Brasil para que os jogadores negociem o token com suas moedas locais. Outro alvo nosso foi a Índia. Lá também listamos a WEMIX na maior corretora do país.
Quais são os planos para o futuro da Wemix e como você imagina que será o mercado de jogos NFT no futuro?
Nossa visão é nos tornarmos uma espécie de Steam dos jogos blockchain. Atualmente temos 24 jogos em nossa plataforma e 35 trabalhando na integração. Recentemente, assinamos acordos com mais 25 jogos. Então temos o plano de fechar o ano com 100 jogos na plataforma. E acho que estamos no caminho certo para cumprir essa meta.
Ao mesmo tempo, nós da Wemade, como estúdio de jogos, estamos nos concentrando em criar títulos de boa qualidade. Os dois maiores jogos que vamos lançar este ano se chamam Night Crows e Legend of Ymir. Esses serão jogos com uma qualidade muito maior em termos de gráficos, porque usamos a tecnologia Unreal Engine para nossos títulos Triple A. São jogos como esses que acreditamos que vão ajudar na adoção Web3 por jogadores tradicionais. O que eles querem no final do dia são bons jogos.
Eu comecei minha carreira no meio de games há 17 anos, trazendo jogos free-to-play da Coreia para o mercado dos EUA. Na época, a recepção a esse formato de jogos era muito similar à situação atual. Alguns diziam que jogos de graça eram jogos de baixa qualidade, mas com o passar do tempo, o mercado mudou e a maioria dos jogos agora são free-to-play com micropagamentos.
Por isso acho que, no futuro, o jogo que usa blockchain será o padrão. Por enquanto, vemos muita resistência aos jogos Web3 por parte da comunidade tradicional de desenvolvedores e jogadores. Mas com o passar do tempo, os jogadores vão se acostumar e abraçar a novidade, porque esse modelo, da forma como implementamos, só traz benefícios aos usuários.
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