A não ser que o seu objetivo sincero e honesto seja destruir – em médio e longo prazo – ou atrasar o desenvolvimento do mundo crypto (dinheiro digital privado descentralizado) e também distorcer o seu propósito inicial, vou provar neste artigo que investir ou promover altcoins é puro masoquismo e, eu diria, até irresponsabilidade. Pretendo também rebater as propagandas mais comuns dos altbugs, e agora uma nova categoria: forkbugs.
Fazia tempo que estava querendo escrever este artigo, pra encerrar de vez qualquer dúvida que alguém tenha eventualmente sobre o assunto. Muitos irão, de forma depreciativa, tachar-me de “Bitcoin maximalista” ou até mesmo de “xiita”, como chamou João Paulo de Oliveira em seu vídeo “[opinião] Devo investir em bitcoin cash?”aqueles que acreditam que o BCash é um ataque à rede do Bitcoin. Aliás, esse vídeo, e também muitos comentários bastante equivocados que andei vendo ultimamente nas comunidades de Bitcoin e crypto me motivaram a não adiar mais a escrita deste artigo, que se faz bastante necessária para a clarificação do óbvio diante de tanta propaganda infundada.
Consequências de um investimento
Antes de aprofundar no assunto, gostaria de explicar que nenhum investimento é inofensivo. Todo investimento, e toda troca, tem uma consequência. Essa consequência pode ser boa para si, mas pode ser ruim para o outro, ou pode ser ruim para todos em longo prazo, ou pode ser boa para todos, e assim por diante. Darei exemplos a seguir.
Entendendo isso, talvez fique mais clara a minha preocupação com o “investimento alheio” já que muitos irão argumentar: “o dinheiro é meu, eu faço o que quiser com ele” ou então a ladainha de que “isso é livre mercado, você é contra o livre mercado?”. Eu sou a favor do livre mercado, mas sou contra a ignorância e propagação de informações falsas. Sabendo que há uma responsabilidade envolvida, um investimento ou até uma comunicação influente deixa de ser algo aparentemente inócuo, como muitos gostariam que fosse, para uma ação que pode trazer sérias consequências em médio e longo prazo. Não só para si, mas para todos.
Toda troca entre qualquer produto, bem, ativo ou serviço sinaliza que cada parte envolvida considera, naquele momento, que a troca está sendo vantajosa para ela. Se isso não fosse verdade, a troca não ocorreria. Muitas variáveis influenciam no “preço” de cada coisa, entre elas: a procura e escassez (demanda e oferta), a preferência temporal, entre outras. Uma grande procura a um produto escasso faz com que o seu preço de mercado aumente.
O Fabuloso Queijo da Vaca Mimosa
Imagine que João fabrica um queijo especial, com o leite da famosa “Vaca Mimosa”, e que sua produção é de apenas um queijo por mês, e o seu custo total de produção é de apenas R$ 3,00. E agora imagine que o único interessado no tal queijo da Vaca Mimosa é Paulo. Paulo oferece R$ 50,00 pelo queijo e, como não há mais nenhum interessado, João aceita, pega os R$ 50,00 e entrega o queijo. Paulo quer experimentar o queijo, e João visualiza fabricar mais 3 com o dinheiro recebido nos próximos três meses. Agora, imagine que além de Paulo, o Oliveira, o Eduardo, o Araújo, o Murilo e o Noguerol também querem experimentar o tal queijo. Afinal, é o famoso queijo da Vaca Mimosa. Paulo então oferece R$ 50,00, mas Oliveira oferece R$ 80,00, e o Eduardo R$ 100,00. Os outros desistem. É claro que, feliz da vida, João vai vender o queijo para o Eduardo. E assim se define o preço das coisas. Lembrando que, apesar de João não conseguir “consumir” os reais recebidos, ele está apostando que no futuro ele irá conseguir, com aqueles reais, produzir ainda mais queijos e até, quem sabe, aumentar sua capacidade de produção. Ao oferecer R$ 100,00 por um queijo, Eduardo está sinalizando ao mercado que aquele é o preço atual de mercado do queijo. Aparentemente um preço exorbitante por um queijo, porém se não fosse pago isso, provavelmente ele iria ficar sem experimentá-lo, pois o queijo é um só no mês e as pessoas interessadas são muitas. O interesse de Eduardo e sua disposição em desembolsar R$ 100,00 no queijo contribuíram para que o queijo de João ficasse ainda mais famoso. Agora, imagine que Paulo, que é pobre e não pode arcar com mais de R$ 50,00, quer o queijo de qualquer maneira, e não vê problema ético nenhum em inventar uma mentirinha (que pode até ser uma meia verdade) para denegrir o queijo de João e fazer com que a procura por ele diminua, dando uma oportunidade para ele comprar o queijo a um preço bem mais barato. Paulo então descobre que o queijo da “Vaca Mimosa” é um pouco mais calórico que um queijo comum. Pra ser mais convincente, Paulo afirma que fez testes com o queijo e descobriu que ele é 3x mais calórico que um queijo comum. Como a maioria das pessoas não vão atrás dos fatos, se Paulo é uma pessoa influente, o que ele disser seus seguidores irão acreditar. Depois de um mês seguido postando em seu twitter que o queijo da “Vaca Mimosa” é gordurento demais e faz mal pra saúde, Eduardo, natureba que é, perde o interesse pelo queijo, assim como Araújo e o Noguerol. O único que não acreditou nessa história foi o Murilo, pois ele sabe que, mesmo que fosse verdade, ser um pouco mais calórico não ia matar ninguém, e isso não diminui todas as qualidades do queijo. Agora, estão disputando no mercado apenas Murilo e o próprio Paulo. Mas Murilo não tem os R$ 50,00 que Paulo ofereceu, pode gastar só R$ 40,00. Dessa forma, Paulo leva o queijo por R$ 50,00.
Note que o Eduardo, ao oferecer R$ 100,00 pelo queijo, influenciou e sinalizou para o mercado que aquele era o valor do queijo. Eduardo não precisou dizer uma palavra. Da mesma forma, quando Eduardo perdeu o interesse, assim como os outros, eles deixaram de procurar o queijo e, também mesmo sem dizer uma palavra, influenciaram no seu preço. Já Paulo, que não podia influenciar investindo ou deixando de investir, usou sua grande influência para convencer os mais incautos. Ele também contribuiu para a alteração do preço final do queijo, mesmo que indiretamente. Poderíamos usar outro exemplo em que Paulo não estivesse diretamente interessado no queijo mas, por algum motivo qualquer, tem um interesse enorme em fazer com que o preço do queijo diminua, a ponto de não valer sua produção. Paulo poderia ser o fabricante de um queijo de pior qualidade, por exemplo, que seria concorrente direto de João. Ou ainda Paulo poderia ser um ferrenho defensor dos animais interessado apenas em proteger a pobre Vaca Mimosa tão explorada no processo.
Outros exemplos bastante enfáticos
Investimento e influência podem não só afetar o preço das coisas como também outros fatores externos aos dos envolvidos na troca em si. Por exemplo, se alguém demanda pornografia infantil, faz com que o seu preço aumente no mercado, criando incentivos indiretos para “caçadores de recompensa” sem ética ou escrúpulos produzirem cada vez mais conteúdo. Aquele que acha que comprar pornografia infantil, ou incentivar o seu comércio, não traz consequências graves, acaba fazendo o papel de um idiota útil, contribuindo para um mundo muito pior e injusto.
Há também quem diga que entrar em esquema fraudulento de pirâmide é um “investimento”. Você investe X e pode sair com X+Y. Porém, a custas de quê? De enganar outras pessoas para entrar no esquema.
Agora que ficou bem claro que um investimento ou troca traz consequências e impacto no mercado como um todo, basta convencê-lo de que investir ou recomendar altcoins ou forks significa a auto-destruição e a tragédia dos comuns em longo prazo. Investir e recomendar alts significa atrasar ou até mesmo impossibilitar o principalpropósito do dinheiro privado descentralizado: o de ser um ativo útil pra armazenar riqueza em longo prazo, livre das garras tiranas de governos ou quaisquer atacantes externos. Para que seja um ativo útil para armazenamento de riqueza, ele deve ser escasso, ter o poder de compra estável ou crescente, ser confiável e seguro. E existem algumas formas de contribuir para que o Bitcoin se torne cada vez mais útil: comprando e guardando, produzindo informação verdadeira e útil sobre o ativo, rejeitando alternativas e forks.
Quais são as consequências de investir em ou promover altcoins e forks?
Quando falo “investir” não significa comprar um punhado de Dogecoins. Mas sim investir uma quantia significativa. Quanto mais, pior. Trocar sua Ferrari ou seu jatinho particular por Dogecoin certamente faria um estrago maior do que trocar aquelas moedinhas esquecidas em cima da sua mesa.
Possíveis consequências:
- Mais volatilidade.
- Menos escassez.
- Menos segurança.
- Menos inovação.
- Mais desconfiança.
- Menos liberdade.
Mais volatilidade
Ao investir em ou promover uma altcoin inédita, você contribui para que as outras cryptos que vieram antes tenham um menor marketcap. Um menor valor de mercado significa maior volatilidade, diminuindo a utilidade do ativo. Isso significa que todas as cryptoscriadas depois do Bitcoin que receberam investimento significativo, fizeram com que o Bitcoin não atingisse seu potencial máximo de valor de mercado. Estima-se que, se todos os potenciais investidores crypto focassem no Bitcoin, ele poderia valer o dobro do que vale hoje e ter uma volatilidade bem menor. Quanto maior o valor de um ativo, mais difícil é mover o seu preço para cima ou para baixo.
Menos escassez
O Bitcoin surgiu inicialmente como o “The Digital Asset”™, ou seja, o único ativo descentralizado privado puramente digital disponível no mercado. Um dos motivos de sua criação foi o de ter uma oferta de moedas previsível e limitada para evitar a inflação, tão comum em moedas fiduciárias. No momento de sua criação, haviam 21 milhões de tokens digitais máximos possíveis (pra ser mais preciso são 2,1 quatrilhões de Satoshis, a menor unidade indivisível do Bitcoin). A primeira altcoin a ser criada, o Litecoin, foi criada 3 anos após a publicação do paper do Bitcoin. A partir de então, até os dias de hoje, já foram criadas centenas de alternativas (1.319 com valor maior que zero de mercado, pra ser mais exato, no momento da publicação). E, na prática, qualquer um pode criar uma moeda nova a qualquer momento apenas clonando uma existente ou criando um hard fork não consensual.
Apenas criar tokens novos não faz com que o “The Digital Asset”™ atual (que representa a soma de todas as cryptosexistentes) se torne menos escasso, ou que esse novo token tenha automaticamente algum valor de mercado. Mas, se o mercado dá qualquer atenção a esses novos tokens, aí sim eles efetivamente diminuem a escassez dos demais tokens existentes. O número absoluto pouco importa, o que importa é onde a riqueza está alocada. No momento da publicação deste artigo o Bitcoin representa aprox. 56% (aproximação bem grotesca, diga-se de passagem) e isso significa que é como se não existissem somente 21 milhões de moedas, mas sim 30,24 milhões. O mercado crypto alocou 44% de sua riqueza em tokens digitais que não são os 21 milhões inicialmente criados. O mercado foi inflado e inundado com shitcoins que, infelizmente, ganharam mais atenção do que deveriam.
Mas eu espero que, com o amadurecimento do mercado, os indivíduos consigam entender que investir em alts diminui a escassez do que já existe e voltem a alocar a grande maioria da riqueza no Bitcoin. Esse movimento de “volta” já está acontecendo. A menor fatia que o Bitcoin já chegou em relação ao mercado todo foi de aprox. 38%, e agora retornou para 56%.
Como comparativo dessa proporção, o ouro possui marketcap aprox. de 7,7 trilhões de dólares, enquanto o mercado de prata representa apenas 20% disso. Não é a toa que entre os metais preciosos, um deles se destacou ao longo da história e dominou mais de 70% da preferência desse mercado para a finalidade de armazenamento de riqueza em longo prazo.
Exemplificando melhor como isso acontece, vamos imaginar uma situação hipotética onde exista apenas o token A com 1.000 moedas no mercado de tokens. O mercado de tokens aloca então 100% de US$ 1.000,00 nesse token. Sendo assim, cada token vale US$ 1,00. O token B então é lançado, do nada, valendo US$ 0,00. Alguém decide então trocar 1 token A por 10 tokens B. O token B passa a valer então US$ 0,10, totalizando US$ 100 (todos os tokens B). Sendo assim, o mercado de tokens de US$ 1.000,00 passa ter alocado US$ 900,00 em A e US$ 100,00 em B. Note que A perdeu valor porque surgiu uma alternativa, uma concorrente direta, em que o mercado não desprezou.
Menos segurança
Eu já ouvi de altbugs que a proliferação de alts contribui para uma descentralização do mundo crypto. Essa visão está totalmente equivocada. Pelo contrário, uma nova alt que recebe atenção do mercado contribui para que todas as cryptos anteriores se tornem mais centralizadas e menos seguras. Esse tipo de descentralização é tudo que os governos tiranos querem. Já ouviu falar em “dividir para conquistar”? Uma forma muito eficiente de enfraquecer o inimigo é fortalecendo seus principais concorrentes.
Imagine o seguinte cenário: existem 300 nós de Bitcoin, 100 PHz de poder computacional direcionado à rede e 300 usuários. Imagine agora que a propaganda dos altbugs funcionou e o mercado diluiu toda a riqueza e atenção igualmente entre todas as 100 cryptos disponíveis. O resultado disso? 100 cryptos com 3 nós cada uma, com 1 PHz de poder computacional e 3 usuários cada. Qual cenário parece mais frágil? Obviamente o cenário das 100 cryptos igualmente fracas é catastrófico, seria o pior cenário possível. Seria muito fácil destruir as 100 cryptoscom 3 nós, 1 PHz e 3 usuários cada do que 300 nós de uma crypto com 100 PHz e 300 usuários. Note que o Bitcoin já é de natureza descentralizada, portanto é correto afirmar que quanto mais nós, mais usuários, mais riqueza alocada, mais descentralizado e forte ele se torna. E é errado afirmar que realocar riqueza para alts gera algum tipo de descentralização. Pelo contrário, gera divisão e enfraquece todos.
Menos inovação
Talvez um dos principais argumentos dos altbugs é o de que as altcoins são necessárias para trazer inovação. Embora isso possa ser verdade, em parte, é necessário se atentar para dois fatos importantes: 1) a real inovação, ou seja, o abismo tecnológico, se deu na criação do Bitcoin. A alternativa para os que queriam fugir do controle e inflação estatal, ou seja, das velhas moedas fiduciárias, eram apenas o ouro e metais preciosos. Mas o Bitcoin surgiu para corrigir um bug importante do ouro. Essa é a inovação que importa e que realmente faz diferença na vida das pessoas. As inovações de alts, embora algumas realmente interessantes, não chegam nem perto do tamanho e importância da inovação do Bitcoin. 2) não é necessário que uma alt receba tanto investimento para que prove alguma possível inovação.
Muitas inovações importantes no Bitcoin, como soluções criativas em second layer, acabam sendo atrasadas devido ao desvio de foco e às promessas milagrosas de alts.
Mais desconfiança
Muitos altbugs argumentam que o Bitcoin é como o MySpace e será inevitavelmente superado por uma tecnologia melhor. Eles só esquecem que o Bitcoin não é uma rede social, mas sim um dinheiro. Imagine que, a cada mês, surgisse uma nova crypto que superasse tecnologicamente (mesmo que a inovação seja mínima ou irrelevante na prática, como é em 99,9% dos casos) e o mercado realocasse toda a sua riqueza para essa nova crypto, abandonando a anterior. Se isso fosse um fato e sempre acontecesse de forma recorrente, em qual crypto você investiria? Eu: em nenhuma, nem mesmo no Bitcoin.
Se eu soubesse que o mercado iria optar por uma outra alternativa no mês seguinte, eu jamais iria guardar alguma coisa sabendo que ela iria perder valor. Isso geraria desconfiança no mercado e criaria um efeito bola de neve em que, no fim, nenhuma crypto teria valor algum, ou nenhum valor relevante na economia mundial. Por esse motivo, a tradição do dinheiro, tão aplicada em ativos milenares como o ouro, é importante. Uma propriedade do dinheiro muito importante é a tradição e confiança. Não é a toa que o Bitcoin tem ainda somente 1% do mercado do ouro, mesmo sendo uma tecnologia muito superior e corrigindo um bug importantíssimo do ouro. E, sinceramente, duvido que o Bitcoin superará o ouro em valor de mercado enquanto eu ainda estiver vivo. Isso só é possível devido ao fator tradição.
Menos liberdade
Por fim, uma consequência inevitável de enfraquecer o Bitcoin é diminuir a liberdade individual. Muitos oportunistas que só querem pegar carona na tecnologia ou no preço do Bitcoin e gostariam muito de ignorar sua origem: fóruns cypherpunks. Sua definição inicial era a de um “papel moeda eletrônico”. Apesar de, em português, soar meio estranho, é exatamente isso: electronic cash, ou seja, uma analogia direta ao papel moeda, só que puramente digital.
Quem promove alts é inimigo da liberdade.
Toda altcoin é ruim? Altcoin não deveria existir?
Não, nem toda altcoin é prejudicial. Só não deveriam receber tanta atenção do mercado. A demanda de alts deveria sem bem menor do que é hoje. Seu valor está inflado por propagandas ostensivas e desonestas. Isso mudará com o tempo e educação.
Eu acho que é importante que existam algumas alternativas fortes no mercado como backup do Bitcoin. Assim como a prata foi um backup importante do ouro quando o governo dos EUA declarou guerra contra o ouro.
Uma vez, o Bitcoin ficou 6h “fora do ar” por conta de um hardfork involuntário. Até que tudo voltasse ao normal, a rede sofreu uma instabilidade. Em momentos assim, ter algum Litecoin poderia ser útil.
Conclusão
Pare de comprar tanta altcoin e atrasar ainda mais a expansão do The Digital Asset™.