Quem vê o Instagram do influencer Leonardo Faria pela primeira vez pode nem perceber que ele era o principal divulgador da Goeth, uma suposta pirâmide financeira que prometia pagar 200% em três meses sobre o Ethereum (ETH) dos investidores.
Como esperado, a promessa de lucro era boa demais para ser verdade e logo a plataforma travou os saques dos clientes. Léo foi rápido em apagar do seu Instagram, onde tem mais de 200 mil seguidores, qualquer ligação com o projeto do qual era garoto-propaganda.
Agora ele promete dinheiro fácil através da Gluck.Bet, um cassino online que, segundo sua bio na rede social, rende-lhe mais de R$ 100 mil por mês.
“Cansei de cripto, isso aqui é muito mais fácil”, diz ele em um stories salvo no Instagram em que mostra seu dinheiro multiplicado quase três vezes na Gluck. Em outro vídeo, ele diz: “R$ 500 jogando, deixa para lá esse Bitcoin”.
As propagandas da Gluck dominam o Instagram do influencer. Ele mostra como ganhou R$ 4 mil em uma única jogada, ensina os seguidores a transformar R$ 40 em R$ 1 mil por meio do seu grupo de sinais e ostenta casa na praia que alega ter pago com o lucro da Gluck.
“Eu ainda não acredito que faço dinheiro jogando! A ficha não cai. Tem gente que trabalha o mês inteiro para receber R$ 1.300 e eu nos meus horários vagos fiz R$ 40 virarem R$ 1 mil, jogando! Você tem noção?”, diz o influencer.
Os problemas da Gluck
A Gluck, no entanto, não parece ser as maravilhas que Léo Faria divulga. O Instagram do cassino online, que não é atualizado desde março, está repleto de reclamações de usuários. Parte se queixa que depósitos não são creditados, alguns dizem que os saques não caem há mais de um mês e outros alegam que seus ganhos foram “apagados” da plataforma.
Um desses usuários é Alan Jhones, que contou para a reportagem que ganhou R$ 720 em duas jogadas, mas que esse dinheiro simplesmente sumiu da conta.
“Meu dinheiro ficou perdido lá e eles não depositaram na conta. Eu ganhei R$ 270 em um jogo e depois mais R$ 480 em outro, valores que nunca caíram na minha conta.” Quando ele foi procurar ajuda da plataforma, outra surpresa: o suporte havia sido tirado do ar. No site da Gluck, o menu “suporte” não leva a página alguma.
“Quem criou isso aí nos roubou. Tiraram até a opção de suporte para que nós não conseguíssemos reclamar e sei que muitas pessoas estão com o mesmo problema. Pensei até em processo só que não adianta nada, não sei nem quem é dono”, reclama o investidor.
O site da Gluck.bet não dá qualquer pista sobre quem está por trás do negócio, nem indica se faz parte de uma empresa registrada no Brasil ou no exterior. No feed do Instagram do cassino online, a única pessoa que aparece é Léo Faria:
Um passado obscuro
Enquanto Léo Faria promove o cassino online para os seguidores, outros que no passado ouviram as “dicas” do influencer para enriquecer de forma rápida e sem esforço, amarguraram o investimento perdido na Goeth.
Um deles é Vinicius Guilherme, do Pará, que perdeu R$ 16.550 no esquema. Ele começou investindo R$ 550 na Goeth em junho de 2021, após ver no Instagram de Léo Faria os lucros que o esquema alegava ser capaz de gerar.
“Ele conseguiu me influenciar. Hoje, vendo por fora, vejo o tanto que ele foi manipulador”, diz o investidor que, na expectativa de ganhar ainda mais dinheiro, vendeu o próprio carro para conseguir investir mais R$ 16 mil na Goeth, em agosto daquele ano.
Esse dinheiro ele enviava direto para a conta bancária de Léo Faria, via Pix, como era orientado em trocas de mensagens com ele por Instagram. Isso mostra que, além de divulgador da Goeth, Léo também atuava como captador de dinheiro do esquema.
Um mês depois, em setembro de 2021, a Goeth simplesmente bloqueou os saques de todos os clientes, deixando de mãos vazias o paraense que hoje trabalha em uma loja de material de construção.
“Eu fiquei na merda, pois o dinheiro que investi foi do carro que vendi, era tudo o que eu tinha. Isso me causou muita ansiedade e nervosismo”, recorda o investidor. Quando percebeu que tinha caído em um golpe, ele abriu um boletim de ocorrência contra Léo Faria.
“Quando eu falei para o Léo que ia procurar Justiça e abrir boletim de ocorrência, ele surtou. Me xingo muito, falou que eu era um ingrato e que poderia esquecer ele para tentar resolver qualquer coisa. Agora não tenho mais contato com ninguém, só notícias que ele continua nesse mercado com outros segmentos, com certeza para dar golpe em mais gente”, critica o investidor.
Ele disse que quando procurou a polícia, foi aconselhado a ajuizar uma ação na Justiça contra Léo Faria, mas não seguiu com o plano. “Sozinho eu não consigo pagar honorário de advogado, nunca consegui juntar esse dinheiro”, lamentou.
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Outros cinco investidores lesados pela Goeth que foram consultados pela reportagem alegam que Léo Faria era o principal garoto-propaganda da empresa.
Assim como no caso da Gluck.bet, os criadores da Goeth nunca vieram à público. O site se limitava a informar que “a comunidade não tem dono, é uma rede descentralizada de participantes que juntos constituem o movimento GOETH”.
As falsas promessas da Goeth
Sem operação mas com o site ainda no ar, Goeth se descreve como um sistema projetado para “multiplicar o Ethereum dos usuários e permanecer ativo enquanto houver participantes em busca de alavancagem financeira no mercado cripto”.
A empresa vendia um “bônus de alavancagem” no qual o participante receberia diariamente um rendimento de 1,12% sobre o valor depositado na plataforma, podendo sacar o investimento completo apenas 90 dias após o aporte.
Em nenhum momento o site informava que tipo de operação fazia para ser capaz de gerar um retorno de 200% em três meses para os investidores. Isso, no entanto, nunca impediu Léo Faria de arrastar o máximo de pessoas possível para o esquema.
Em um Instagram antigo do influencer há vídeos salvos em que ele fala orgulhoso sobre já ter atraído mais de mil pessoas para a Goeth.
“Eu vou mostrar para vocês a quantidade de pessoas que entram na Goeth através de mim. Olha só, no meu time tem 1.097 pessoas que fazem parte desse movimento através do Léo Faria e que estão faturando ethereum todos os dias”, diz ele no vídeo (veja abaixo).
Léo Faria afirma que começou a investir no negócio em janeiro de 2021. Nesse meio tempo, ele atraia pessoas ao esquema prometendo, além dos 200% em três meses, um bônus de 10% do depósito de cada nova pessoa indicada ao esquema, além de mais 15% de bônus no sistema binário — estratégias clássicas de pirâmides financeiras.
Um investidor que pediu para não ter seu nome divulgado, disse ao Portal do Bitcoin que resolveu investir na Goeth após ver vídeos do Léo Faria em que ele alegava que era possível lucrar um salário por mês com o negócio.
Ele então entrou em contato com Léo. Mais uma vez, o influencer pediu para ele fazer um Pix para a sua conta bancária do valor que pretendia investir na Goeth.
Inicialmente, esse investidor colocou R$ 145 e depois, mais R$ 2,5 mil. Para aumentar os supostos ganhos, ele foi incentivado a trazer mais pessoas para o esquema e por isso, recomendou o negócio para seus próprios pais, que juntos investiram mais R$ 12 mil.
No Goeth, os investidores eram incentivados a colocar mais dinheiro todo mês, já que a cada 30 dias o esquema liberava um novo pacote de investimentos cujo valor mínimo do aporte era o múltiplo do valor do pacote do mês anterior.
Janeiro começou com um pacote de investimento de US$ 25, que subiu para US$ 50 em fevereiro, US$ 100 em março, e assim por diante. Em outubro, o pacote de investimento seria de US$ 12,8 mil — mas o esquema não iria sobreviver até lá.
A queda da Goeth
Quando os aportes eram baixos, a Goeth conseguia pagar os rendimentos a fim de ganhar a confiança dos investidores. Porém, à medida que os pacotes de investimentos iam ficando mais caros e caia o número de investidores injetando dinheiro no esquema, o negócio se tornou insustentável e desmoronou em setembro de 2021.
“Quando a pirâmide caiu, eles inventaram uma história de que pararam os saques porque as taxas do Ethereum estavam muito altas e que, para resolver isso, iriam migrar para um token próprio chamado Liberthereum”, relembra o investidor que teve seu saldo na Goeth transformado em Liberthereum — um token que sequer existia na época.
Os investidores então foram transferidos para um site chamado liberthereum.io — hoje fora do ar — onde conseguiam ver o saldo, mas não realizar saques. O investidor relembra que nessa plataforma, conseguia ver o ‘preço’ do token Liberthereum e o site exibia uma suposta valorização de mais 3.000% do ativo.
Se tornou comum que pirâmides financeiras criassem tokens do zero para “ressarcir” investidores. Atlas Quantum, Trust Investing e Bluebenx são apenas alguns exemplos de golpes brasileiros que seguiram essa estratégia.
“Na época, a equipe do Léo me colocou num grupo da Liberthereum no Telegram que tinha mais de 1,5 mil pessoas. Lá, ele disse que o roadmap da Goeth tinha sido antecipado e que isso era ótimo, pois iriamos lucrar mais.”
A promessa era que o token Liberthereum fosse lançado em fevereiro de 2022, mas isso nunca aconteceu.
“As pessoas, já desconfiando que ia dar problema, começaram a tentar vender os “tokens” Liberthereum entre si já que na plataforma havia essa opção. Dava até para colocar mais dinheiro e comprar novos tokens, para atrair mais uns bestas, quem sabe. Chegou fevereiro, março, e nada do token ser lançado. Depois de um tempo, o Léo sumiu e hoje nem o grupo existe mais”, diz o investidor lesado.
Léo Faria foi procurado pelo Portal do Bitcoin para comentar sua participação nos esquemas da Goeth e o cassino online Gluck.bet, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.
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