Há um ano morria Guto Schiavon, empresário pioneiro do mercado brasileiro de criptomoedas

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Guto Schiavon foi um dos pioneiros do Bitcoin no Brasil (Foto: Foxbit)

“Workaholic” e multitarefa são palavras que definem bem Guto Schiavon e sua breve mas intensa trajetória no embrião do mercado brasileiro de criptomoedas. Foram apenas cinco anos entre a adesão definitiva ao bitcoin, em 2013, e o acidente de carro que tirou sua vida em 25 de dezembro de 2018, aos 24 anos.

Tempo suficiente para fazer do empresário natural de Marília (SP) e criado em Pompeia (SP) um dos nomes mais conhecidos e dedicados da comunidade no Brasil.

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“Bot humano”

A relação de Guto com o mundo cripto é bem exemplificada pela criação da Foxbit, exchange que fundou junto com João Canhada e Felipe Trovão em 2014 e da qual foi diretor de operações. 

Ou melhor dizendo, Guto era o próprio “bot” da corretora.

“Ele tocava o operacional, era o robô da Foxbit. Era muito dedicado ao trabalho e isso também estressava muito ele. Até teve uma lesão na mão por tanto trabalhar”, lembra Neto Guaracy, editor do portal Cointimes — idealizado pelo próprio Guto.

Gabriela Cervantes Silva, Head de Marketing, Mobile(app) e CX da Foxbit, é outra a recordar do estilo multitarefa do ex-chefe. 

“Eu admirava muito a habilidade que ele tinha de fazer muitas coisas ao mesmo tempo, e a interação e responsabilidade que ele tinha em diversas áreas da empresa. Era um tal de Guto pra cá e Guto pra lá o dia inteiro. Ele era muito humano, divertido, brincalhão e muito  humilde”, lembra ela, que entrou para a exchange em fevereiro de 2018.

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Homenagem de funcionários da Foxbit a Guto Schiavon.
(Foto: Divulgação/Foxbit)

Defeito ou qualidade?

Amigos e colegas de Guto ouvidos pela reportagem são unânimes nas qualidades associadas ao cofundador da Foxbit.

“O Guto era muito simples e muito acessível a todos. Ele sempre estava disposto a ensinar, conversar sobre o mundo das criptomoedas, ajudar os outros”, lembra a psicóloga Ariadny Rinolfi, colega dos tempos de colégio que mais tarde se tornou namorada do empresário.

O cofundador da Foxbit e a psicóloga estavam junto há dois anos e tinham planos de morar juntos em São Paulo em 2019 — o que acabou frustrado pela tragédia que abreviou a vida de Guto.

Para João Canhada, CEO da Foxbit, essa dedicação de Guto a outras pessoas era uma virtude da qual, inclusive, algumas pessoas tentavam tirar proveito.

“Guto era um cara incrível, um gênio e de coração enorme. As pessoas usavam isso contra ele. Tivemos essa conversa em algumas oportunidades. Seria a única coisa a ser dita sobre melhoria — e nem se trata de um defeito, mas sim uma super qualidade”.

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Luta contra pirâmides

Praga que assolou o mercado brasileiro em 2019, Guto Schiavon criticava os esquemas de pirâmide financeira — e procurava combatê-los com as ferramentas que tinha à mão.

Usava sua própria didática e os canais de comunicação para falar a amigos e clientes sobre os riscos e prejuízos potenciais dos potenciais golpes.

E o crescimento dessa prática era algo que chegava até mesmo a afetar seu entusiasmo com as criptomoedas — tantas vezes usadas como chamariz pelos piramideiros.

“Ele amava o que fazia, mas era muito mais empolgado quando o ecossistema não estava contaminado com pirâmides”, disse Canhada.

Para Neto, um dos legados deixados pelo antigo “bot humano” é justamente a luta contra esquemas financeiros fraudulentos.

“Esses piramideiros atacam diretamente o que o Guto trabalhou tanto para fazer. E o mercado está lotado de pirâmides”, destaca. 

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Um estudo divulgado no começo de dezembro pelo SPC aponta que um em cada dez brasileiros já se viu em meio a um esquema de fraude financeira — dentre eles, mais metade é de pirâmides financeiras.

Falta de um conciliador

Pessoas próximas a Guto avaliam que sua morte tirou da comunidade uma pessoa de perfil conciliador. Algo que vem fazendo falta. 

Em uma consequência direta dos males gerados pelas pirâmides, a impressão é que essa comunidade não está mais tão unida como antes.

Canhada critica a atenção de clientes a esse tipo de esquema, apesar das informações disponíveis contra as pirâmides: 

“A gente vivia na briga eterna de orientação aos clientes, mas algumas pessoas parecem que querem ser enganadas e até defendem os golpistas que surgem”.

Briga com piramideiros que chegou a incomodar Guto até mesmo depois de sua morte — ele foi processado postumamente pela Zero10 club junto com outras pessoas que atuam no mercado de criptomoedas.

Aposta, ‘Toca da Raposa’ e ciclovia

A curta trajetória de Guto Schiavon foi suficiente para gerar várias histórias curiosas. Uma delas, relembrada pela ex-namorada, se refere à própria formação da Foxbit. 

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“Os sócios se conheceram pelo Facebook [em uma comunidade]. O contrato social rodou via sedex e eles só se conheceram depois, em um evento. Mas um tempo depois todos se reuniram em São Paulo e foram morar juntos, na “Toca da Raposa” [uma alusão ao nome da corretora].

Outra história famosa é a da aposta feita entre Guto e Canhada sobre quem conseguia emagrecer mais. O vencedor levaria um bitcoin como prêmio. No entanto, ambos fracassaram na missão.

A história de empresário ainda teve espaço em setembro para uma homenagem póstuma. A prefeitura de Pompeia (SP), cidade onde foi criado, deu à recém-inaugurada pista de cooper e ciclovia da cidade o nome de Luis Augusto Schiavon.

Nos bastidores, Guto também atuava em favor de ONGs da cidade que o adotou, especialmente a de proteção aos animais.

Pista de Cooper e Ciclovia Luis Augusto Schiavon, inaugurada em setembro/2019 em Pompeia (SP), cidade onde Guto cresceu.
(Foto: Divulgação/Prefeitura de Pompeia)

Legado de disseminar o mundo cripto

Guto falava de forma constante e com entusiasmo sobre criptomoedas, especialmente o bitcoin. Uma característica que, segundo os entrevistados, é um importante legado a ser preservado.

“Ele acreditava que o bitcoin era o futuro do mercado financeiro mundial. E tinha como objetivo expandir conhecimento sobre um mercado ainda tão desconhecido, plantando sementes por onde passava”, comenta Gabriela.

Entre as pessoas que conseguiu trazer para a comunidade está a própria Ariadny, que mantém o hábito de acompanhar as movimentações da comunidade:

“Antes de conhecê-lo, eu não sabia nada sobre o universo das criptomoedas, nem fazia ideia disso. Foi ele que me apresentou e teve a paciência de me explicar e me influenciar a ter uma visão mais aberta e sobre o mundo das criptos e dos investimentos”.

Há lições ainda deixadas pelo “bot humano” da Foxbit junto a seu círculo mais próximo.

Canhada cita a própria Foxbit como principal legado, mas acrescenta outros. “A lembrança da sua resiliência frente aos problemas do dia a dia e seu carinho com as pessoas, clientes e funcionários é o que fica e deve ser honrado no dia a dia.”