Quando a suposta pirâmide financeira Trust Investing foi derrubada na operação La Casa de Papel em outubro de 2022, a Polícia Federal (PF) encontrou no escritório de Diego Chaves, o CEO da empresa, um documento que descrevia o plano de manipular o preço do token Truster Coin (TSC), usado para pagar os investidores.
As provas vieram à tona na quinta-feira (3) durante o interrogatório de Diego Chaves e Fabiano Lorite de Lima, os principais líderes da Trust Investing. O Portal do Bitcoin acompanhou a audiência comandada pela 3ª Vara da Justiça Federal de Campo Grande/MS, na qual os empresários tiveram a chance de se defender das acusações de terem aplicado um golpe de R$ 4 bilhões por meio da oferta fraudulenta de investimentos em criptomoedas.
Fabiano e Diego participaram de forma virtual no interrogatório, já que seguem presos em São Paulo e Tocantins, respectivamente, desde outubro de 2022. Durante a operação da PF, outros líderes da Trust Investing também foram presos, incluindo o marido da cantora Perlla, Patrick Abrahão, o pastor Ivonélio Abrahão (pai de Patrick) e Diorge Chaves (pai de Diego).
Na época da prisão, completava um ano que a Trust Investing havia deixado de pagar os clientes que investiram Bitcoin na empresa na expectativa de receber lucros de 300% ao ano através do suposto trade de criptomoedas.
Na denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF), os líderes do esquema respondem pelos crimes de integração de organização criminosa internacional, crimes contra o sistema financeiro nacional, operação ilegal de instituição financeira, crimes contra o patrimônio da união e crime ambiental, bem como lavagem de dinheiro.
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Durante o interrogatório de quinta-feira, Diego e Fabiano optaram por manter silêncio parcial, respondendo apenas aos questionamentos da juíza Júlia Cavalcante Silva Barbosa, responsável pelo caso, e de suas próprias defesas. Eles se negaram a responder às perguntas do MPF.
No interrogatório, a juíza apresentou diversas provas documentais obtidas pela PF que apontam as irregularidades nas operações da Trust Investing.
O plano de saída da Trust Investing
Uma dessas provas é um documento encontrado no escritório de Diego Chaves, no qual é descrito todo um esquema de manipulação de preço da Truster Coin (TSC), criptomoeda criada pela Trust Investing que passou a ser usada para pagar os clientes pouco antes do colapso completo da empresa.
A moeda era apresentada neste documento como uma forma “mágica” da Trust Investing se livrar da obrigação de devolver o dinheiro dos investidores ao usar esse novo token manipulável para pagá-los. O esquema era descrito da seguinte forma:
“Fase 1: O saldo no sistema se transforma em Truster Coin obrigatoriamente. A Truster Coin é pareada com outras moedas na corretora. Ele [cliente] saca em Truster Coin; Truster Coin vale 1 dólar; essa Truster Coin, ele liquida na corretora. Aí vem o ponto de virada: a partir do momento em que a rede começa a indexar/parametrizar seus ganhos em uma criptomoeda, os administradores podem pagar a rede impondo um valor a essa criptomoeda. Esse valor imposto precisa ser SOBREvalorizado para diluir o passivo”, diz um trecho da prova.
A nota traz ainda um “caso de sucesso” em que a mesma estratégia de manipulação foi usada por Antônio Silva, presidente da Credminer. Como noticiou o Portal do Bitcoin em 2019, a Credminer foi uma pirâmide financeira do Ceará que operava de forma similar a Trust Investing: também tinha a própria criptomoeda, a LQX, que foi empurrada aos clientes em meio ao bloqueio de pagamentos.
A Credminer criou a moeda LQX valendo R$ 4 e alegou ter “quitado” os contratos dos clientes com esse ativo. Quando a moeda, sem liquidez, foi lançada ao mercado, seu preço caiu para R$ 0,30.
A nota de Diego Chaves então descreve que a Trust Investing também poderia utilizar a mesma estratégia para fazer a mágica de multiplicação de dinheiro através da Truster Coin: “O valor da moeda é 1 dólar. Um afiliado que investiu 100 dólares, sacará no final 200 moedas (duzentos dólares). SUCESSO total, satisfação da rede que dobrou seu capital investido”.
O documento ainda descreve como a manipulação se daria na prática: “No começo a empresa compra 100% das moedas disponíveis para venda. Mas só no começo. No momento que a empresa não compra, o valor começa a cair. Manipulação de preço na veia”.
Ao que tudo indica, esse era o plano de saída da Trust Investing no momento em que a empresa não conseguisse mais atrair clientes, cujo dinheiro era necessário para pagar quem estava no topo da pirâmide.
À medida que a Trust Investing adotasse um token – que poderia manipular – para pagar os clientes, a empresa deixaria de se responsabilizar da promessa de “dobrar” o capital, jogando a culpa na desvalorização da moeda, que num segundo momento, começaria a oscilar pelas fluxos de oferta e demanda do mercado.
“A síntese é: quando o fluxo de caixa ficar negativo, você deixa de garantir a liquidez da moeda na corretora e transfere, de forma gradual, essa responsabilidade para a própria rede”, termina a nota.
Conforme noticiou o Portal do Bitcoin em abril de 2022, a Truster Coin atingiu um topo histórico de US$ 0,20 quando foi lançada em julho de 2021, mas rapidamente desvalorizou 95%, para US$ 0,01 na época da reportagem. Nos dias de hoje, a criptomoeda praticamente não tem valor de mercado e vale apenas US$ 0,00001.
Diego Chaves nega manipulação
Ao ser questionado sobre essa prova, Diego Chaves disse que o documento não era dele, dando a entender que a prova foi implantada no seu escritório. “Desconheço 100%, é inaceitável saber que colocaram isso na minha mesa”, disse.
Ele então se estendeu ao explicar para a juíza que “não existe a possibilidade de manipular o mercado” com a criptomoeda que ele mesmo criou, comparando a variação de preço da Truster Coin com a do Bitcoin.
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“Eu fiquei chocado ao ver depoimento de policiais federais dizendo que a gente manipulou o mercado e mexemos no valor da criptomoeda. Isso é inexistente, qualquer pessoa que conheça o mercado de criptomoeda vai ver que não teve manipulação”, afirmou.
Apesar do que alega, a manipulação de preço de criptomoedas por seus próprios criadores, que concentram a oferta, não apenas é possível como é uma prática muito comum adotada por golpistas do setor em fraudes de rug pull e pump and dump.
Não à toa, diversas empresas brasileiras investigadas de serem pirâmides financeiras, como Atlas Quantum, Genbit e BlueBenx, também lançaram suas próprias criptomoedas para se livrar do dever de devolver o dinheiro dos investidores.
Líderes da Trust Investing culpam hack
Tanto Diego Chaves quanto Fabiano Lorite afirmaram que a Trust Investing nunca foi uma pirâmide financeira e seguiram a mesma história de que só pararam de pagar os clientes por causa de um ataque hacker que alegam ter sofrido em outubro de 2021.
“Foram os programadores cubanos que fizeram o hack. A internet de Cuba é muito lenta, então os programadores de lá, pela lentidão da internet, conseguiam fazer transferências [dentro do sistema da Trust] de vários computadores. Eu não sei exatamente como, porque eu não entendo muito de programação, mas eles duplicavam dentro do sistema esse saldo. Esses hackers cubanos fizeram mais ou menos 80 mil posições”, disse Lorite para justificar o sumiço de cerca de R$ 4 bilhões das contas da empresa.
A juíza então pediu para Lorite explicar como o plano Trust Diamond operava para poder pagar o lucro prometido de 300% ao ano aos investidores, oferecendo esmeraldas como garantia.
Ele corrigiu a juíza dizendo que a Trust Diamond não era uma empresa, e sim um “conceito”. Segundo ele, o serviço era diferente dos planos normais da Trust Investing, em que o Bitcoin do cliente era supostamente passado para traders operarem no mercado de criptomoedas para gerar o lucro prometido.
Na Trust Diamond, o lucro vinha das negociações de esmeraldas, que seria gerado por uma empresa parceira chamada Victory. Essa empresa, apontada pelo MP como sendo “de fachada”, era propriedade de Cláudio Barbosa, o diretor de tecnologia da Trust Investing e o terceiro sócio da empresa, atualmente foragido da PF.
Lorite disse que não sabia explicar como esse serviço gerava rendimentos para os clientes: “Não sei explicar porque eu não entendo de pedras preciosas. O pouco que eu entendo é que se comprava a pedra na região, lavava, lapidava e elas aumentavam de valor. Podia chegar até 1.000% ao ano esse valor”, disse.
Vale lembrar que a Trust Investing começou a ser investigada no final de 2020, quando Fabiano Lorite e Cláudio Barbosa foram presos em flagrante portando meio milhão em esmeraldas com nota fiscal fraudulenta e sem apresentar concessão de lavra da Agência Nacional de Mineração (ANM) — por isso na acusação da MP eles também são acusados de crimes ambientais.
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A falta de registros da Trust
Quando Diego e Fabiano foram questionados no interrogatório se a Trust Investing tinha alguma autorização do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ou consultaram as entidades antes de captar dinheiro de investidores no Brasil, eles alegaram que, por se tratar de criptomoedas, não tinham obrigação alguma de buscar registro no país.
Para argumentar em favor da Trust Investing, Lorite disse à juíza que nem a Binance, que é a maior corretora de criptomoedas do mundo, tem registro para operar no Brasil.
Em um segundo momento do interrogatório, quando Lorite era questionado por sua própria defesa, ele sugeriu que veículos da imprensa, citando o Portal do Bitcoin, mentiram sobre o fato da Trust Investing já ter sido alvo de reguladores em diferentes países no mundo.
A alegação de Lorite, no entanto, é falsa. Tanto os órgãos reguladores da Espanha, quanto do Panamá, citados em reportagens passadas do Portal do Bitcoin, emitiram alertas sobre as irregularidades encontradas na Trust Investing, e confirmaram que a empresa não estava autorizada a operar nos respectivos países. Os alertas são públicos e podem ser checados no site dos órgãos CNMV da Espanha e SMV do Panamá.
A defesa de Lorite ainda questionou se ele tinha conhecimento de algum cliente que foi prejudicado por investir na Trust Investing, e ele respondeu: “Não. Pelo contrário, tem muitas pessoas que obtiveram lucro”.
A mesma história se repetiu com Diego Chaves. Quando ele foi interrogado por sua própria defesa, afirmou que a “Trust Investing sempre honrou os pagamentos com os investidores”.
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No final dos interrogatórios, as defesas de Fabiano e Diego pediram a suspensão da prisão preventiva de ambos. A promotora do Ministério Público Federal, Julia Rossi, disse que não houve mudanças nos fatores que exigiram, em um primeiro momento, o encarceramento dos acusados, de forma que o órgão defende a manutenção das prisões preventivas.
A juíza responsável pelo caso informou que só analisará novos pedidos de liberdade após a conclusão da tomada de todos os depoimentos ligados ao processo.
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