Imagem da matéria: É extremamente improvável que os clientes da Braiscompany recuperem o dinheiro | Opinião
Antônio Neto Ais, lider da Braiscompany (Foto: Reprodução/Instagram)

Recentemente, após o calote, circulou a informação de que a Braiscompany, empresa de Antonio Neto e Fabricia Ais, estaria devendo aos seus clientes cerca de R$ 600 milhões.

Particularmente, acredito que essa seja uma aproximação conservadora. Eu acredito que eles captaram algo mais próximo de R$ 1 bilhão, podendo até ter ultrapassado essa cifra.

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A GAS Consultoria, de Glaidson Acácio dos Santos, o chamado Faraó do Bitcoin, captou mais de R$ 1 bilhão – a título de exemplo.

Dentro desse contexto, tenho recebido muitas mensagens por meio das redes sociais de amigos e até de desconhecidos, que estão desesperados com o calote, querendo saber se eles receberão ou não o dinheiro de volta.

A minha resposta é pragmática, objetiva e curta: eu acredito que é extremamente improvável que o dinheiro seja recuperado.

Talvez seja possível recuperar uma pequena parte, se as autoridades competentes agirem muito rápido e com toda a força que a Lei permite. Força máxima, não força mediana.

Nas próximas linhas, eu apresentarei uma análise contábil das informações que estão públicas. Com base nas informações contidas nas demonstrações contábeis, aparentemente a Braiscompany, no período analisado, nunca teve efetiva capacidade de pagar o “aluguel” dos Bitcoins de seus clientes.

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Por questões didáticas, tratei o tema em formato de perguntas e respostas:

Existe uma conta no passivo da Braiscompany com o saldo devido aos clientes?

Infelizmente as demonstrações contábeis da Braiscompany são pouco informativas. Eles não dão a devida transparência que se exige, por exemplo, com o uso das notas explicativas, que fazem parte do conjunto completo das demonstrações financeiras, conforme a norma contábil vigente no Brasil.

De qualquer forma, parece não haver qualquer registro contábil do dinheiro dos clientes, pois a conta de “Contratos de ativos digitais a pagar”, que era de R$ 674 mil no ano anterior, no último ano divulgado estava curiosamente zerada.

O que mais se parece com uma tentativa de registrar contabilmente o dinheiro dos clientes é uma conta de compensação, com quase R$ 170 milhões lançados.

Até onde eu sei, contas de compensação não devem ser utilizadas na contabilidade formal de uma empresa. Elas são usadas apenas para controle gerencial e de uso obrigatório apenas por algumas empresas que são de setores regulados ou para elaboração de notas explicativas. Opa… eles não têm notas explicativas.

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Para fugir da regulação, a Braiscompany diz que não atua em um setor regulado. Por outro lado, a sua contabilidade agora parece dizer outra coisa: pelo uso de contas de compensação, eles estão em algum setor regulado que exige isso. A administração da Braiscompany precisa se decidir.

Dessa forma, a contabilização desses R$ 170 milhões está errada e, sendo feita em forma de uma conta de compensação, não permite mostrar aos “investidores” a verdadeira situação patrimonial e financeira da empresa. Os indicadores de liquidez, endividamento e solvência calculados não dizem nada, porque os números estão errados.

Aos mais curiosos, recomendo a leitura da ITG 2000 (R1), que trata da escrituração contábil e foi editada pelo Conselho Federal de Contabilidade – norma esta que a Braiscompany deveria seguir.

Esse tipo de conta era divulgada na época do Decreto-Lei 2.627/1940. Com o advento da Lei 6.404/1976, seu uso caiu. Para uma empresa que se diz tão inovadora, eles parecem estar bem desatualizados em sua contabilidade.

A Lei 6.404/1976, conhecida como a Lei da Contabilidade, nem sequer cita contas de compensação, para se ter uma ideia mais objetiva.

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A transparência passou longe daqui.

A Braiscompany tem dinheiro para devolver os R$ 600 milhões?

Considerando as informações contidas no último Balanço Patrimonial divulgado pela empresa, a Braiscompany tinha cerca de R$ 26 milhões em recursos disponíveis para se usar a qualquer momento.

Todavia, 98,5% desses recursos estavam aplicados em ativos digitais – provavelmente Bitcoins, ou não… vai saber.

A denominação de Ativo Disponível não está mais correta desde quando eu ainda estava na minha graduação de contabilidade – e eu me formei em 2011!

A denominação correta para os recursos que estão disponíveis a qualquer momento (QUALQUER MOMENTO) é “caixa e equivalentes de caixa”, segundo o Pronunciamento Contábil CPC 26 (R1) que trata da apresentação das demonstrações contábeis,.

Para estar dentro do grupo de “caixa e equivalentes de caixa”, erroneamente chamado de “disponível” na contabilidade da Braiscompany, é preciso que o recurso financeiro tenha as seguintes características:

  1. Seja caixa (dinheiro, “bufunfa”, “capim”) ou dinheiro em contas bancárias que podem ser usados a qualquer momento, sem restrições; ou
  2. Sejam aplicações financeiras, de liquidez imediata e com risco próximo de zero.

Vejamos se as contas do “disponível” da Braiscompany têm características de “disponível”. Mas lembre-se: o nome correto para o grupo de contas é CAIXA E EQUIVALENTES DE CAIXA!

“Caixa”, imagino que seja dinheiro em espécie guardando em algum lugar. “Bancos conta movimento” imagino que seja alguma conta bancária que eles possam movimentar sem restrições. “Aplicações financeiras liquidez imediata” eu espero que seja o que o nome diz.

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Agora “Ativos digitais”? Peraí. Ativos digitais ainda não são considerados dinheiro, de forma generalizada, para você comprar qualquer coisa que você quiser. O risco? Nem se fala. E liquidez, Toim do Bitcoin, o CEO da Braiscompany, já disse que não tem, porque não está conseguindo “resgatar”. Ou seja, a classificação daqueles R$ 25.150.940 está errada.

Mas qual é o problema disso? O problema é que a empresa diz ter, em suas demonstrações contábeis, com responsabilização dos que assinaram, uma liquidez que ela não tem e muita gente “investiu” com eles acreditando haver muito lastro, como forma de segurança.

No lugar de ter R$ 25.553.176 de dinheiro disponível, na verdade eles tinham R$ 402.236!! Dessa maneira, eles enganaram os seus investidores, dizendo que havia “lastro” e liquidez para os seus investimentos quando não havia.

Veja com atenção: vamos considerar que o total do que eles chamam de “contratos de locação” fosse R$ 169.366.010 (valor que está na conta de compensação) e que eles tinham que pagar 6% ao mês de juros… digo aluguel de criptoativos… a essas pessoas.

Dessa forma, eles teriam que distribuir R$ 10.161.960 em aluguel por mês. Mas como eles conseguiriam, se havia apenas R$ 402.236 de caixa e equivalente de caixa (dinheiro realmente disponível)?

Mais um gol de mão de Toinho do Bitcoin e seus amigos.

O que justifica o aumento expressivo de investimentos em empresas coligadas?

Essa é muito difícil de responder porque a empresa, infelizmente, não segue o que define a norma contábil atualmente vigente e não tem notas explicativas.

Antes de entrar nos detalhes, vale uma explicação inicial para entender o contexto: conforme o Pronunciamento Contábil CPC 18 (R2), coligadas são empresas investidas em que a empresa investidora tem influência significativa. E influência significativa nada mais é do que o poder de influenciar as decisões da empresa investida sem ser o “dono” ou “sócio majoritário”.

Para responder a essa pergunta, eu usei toda a minha criatividade como contador e investidor fundamentalista que analisa números contábeis há mais de uma década.

Não sendo suficiente a minha criatividade, eu conversei com amigos que são contadores muito mais experientes do que eu. E mesmo assim não conseguimos entender de forma alguma.

Partindo do pressuposto de que a contabilidade não foi feita da forma adequada, mas também poderia ter sido feita, questionei-me:

  • Caramba, eles têm R$ 45 milhões em investimentos em coligadas. O que é isso?
  • Quando olhei para o ano anterior, pensei de novo: Caramba! Eles saíram de R$ 25 milhões em investimentos em coligadas para R$ 45 millhões!!
  • Como analista de balanços há mais de uma década, fui dissecando as contas, dentro das limitações da “transparência” da Braiscompany. Todas as contas do ativo que eles chamam de “disponível” cresceram os saldos, exceto aplicações financeiras (mas é pouco dinheiro).
  • Não encontrando nada no balanço patrimonial que pudesse me dar uma dica, resolvi dar uma checada na Demonstração dos Fluxos de Caixa (DFC). Na DFC, o fluxo de caixa das atividades de investimentos trazia que houve “aquisição de ações/cotas” de R$ 324.850, apenas. Não R$ 20 milhões.
  • Após isso eu pensei: será que eles classificaram nos fluxos de caixa das atividades de financiamento ou operacional? Nenhuma dica no fluxo de caixa de financiamento. Eles dizem que pagaram empréstimos de quase R$ 3 milhões, mas nem sequer tem uma conta de empréstimos e financiamentos no passivo (deve ser pagamento de “investidores”).
  • Por fim, nenhuma dica também no fluxo de caixa operacional. Chamou a atenção o fato de terem mais de R$ 1 milhão em despesas financeiras, mas eles não têm empréstimos e financiamentos no balanço. Além disso, eles geraram fluxo de caixa operacional de R$ 15 milhões. Se considerássemos que eles usaram esse caixa gerado nas atividades operacionais exclusivamente para investir nas coligadas, ainda assim faltaria dinheiro.

Após tudo isso, não sei como eles fizeram esse investimento de R$ 20 milhões em empresas coligadas. As demonstrações contábeis não são suficientemente transparentes. Será que eles contabilizaram criptoativos que valorizaram 100% como coligadas? Não tenho como saber com as informações divulgadas.

É possível confiar nos números que estão reportados no balanço da Braiscompany?

Conforme já vimos nas outras perguntas, os números da empresa são pouco transparentes. Para piorar a situação, as demonstrações contábeis não foram auditadas.

O caso da Americanas está muito em evidência neste momento. Mesmo com auditoria de uma das quatro maiores empresas de auditoria do mundo, a empresa foi acusada de fraude contábil. Sem auditoria, temos que ter mais cuidado ainda com os números divulgados.

A Braiscompany tem autorização para fazer o que diziam fazer?

No início de tudo, a Braiscompany se vendia como uma gestora de recursos de terceiros (atividade regulada). Como se fosse um fundo de investimentos em que as pessoas colocavam seu dinheiro e esperavam a valorização de acordo com a habilidade do gestor tomar as melhores decisões de investimentos.

Porém, a casa caiu quando a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) soltou uma nota de esclarecimento dizendo que a Braiscompany não era autorizada a funcionar pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e nem era associada ou tinha selo da Anbima.

Após isso, eles fizeram a virada de chave para o atual modelo de “aluguel de criptoativos”. Apesar de ainda dizerem que são uma “gestora de criptoativos” (atividade regulada).

Além do fato de não estarem em compliance com a CVM, Anbima ou Banco Central, olhando o CNAE da Braiscompany, acredito que ela não poderia prestar os “serviços” que presta também, conforme dados do Informe Cadastral.

Para finalizar as respostas sobre os mistérios contábeis da Braiscompany, é importante ressaltar que tudo isso foi baseado nas Demonstrações Contábeis de 2021, dado que até 08/02/2023 as Demonstrações Contábeis de 2022 ainda não foram publicadas.

Existem outras contas importantes que chamam a atenção, mas eu não explorei aqui:

  • O que seriam os R$ 215 mil de “Créditos a pessoas ligadas”, no ativo circulante, e R$ 758 mil no ativo não circulante? Emprestaram dinheiro aos sócios? São partes relacionadas, cadê as informações obrigatórias como prazo de pagamento, juros e quem recebeu o dinheiro?
  • Por que houve essa evolução tão forte na depreciação acumulada? Só por causa do avião que foi comprado? Em 2020 a depreciação acumulada representava 7% do ativo imobilizado, no ano seguinte passou para 12% (ainda que o imobilizado bruto tenha saído de R$ 562.919 para R$ 6.355.607, um crescimento violento de 1.029%). O imobilizado bruto de 2020, quando subtraída a depreciação acumulada, deu uma diferença de R$ 1,00 – deve ter sido por aproximação.
  • Por falar nisso, por que eles precisam de um avião?
  • Me chamou a atenção a conta de “Dividendos, part. e juro sobre o capital” que está no passivo não circulante (isso é bem incomum). Mais estranho ainda é que esse dividendo representou 20% do patrimônio líquido ajustado (adicionando o dividendo de volta) e 25% do patrimônio líquido reportado no balanço. O valor desse dividendo é 2x o lucro líquido do ano! Com que base o dividendo foi distribuído, se eles não tinham reservas suficientes?
  • Eles ainda tiveram um aumento de capital de quase R$ 20 milhões, aumentaram a reserva de lucros em R$ 280 mil, distribuíram dividendos aos sócios em quase R$ 6 milhões (conforme a DMPL, porque na DFC tem uma saída de R$ 600 mil em dividendos). Alguém mais inteligente do que eu consegue montar o quebra-cabeça? A conta não fechou para mim.
  • Não tem amortização nenhuma de intangíveis?
  • Quem pagou por toda a ostentação e regalias de Toinho e Toinha do Bitcoin?

Não fiz comentários específicos sobre as outras demonstrações contábeis (DRE, Fluxo de Caixa, DMPL e DVA). Vou deixar outros contadores se divertirem também. Estão todos convidados a analisar os números divulgados aqui neste link: https://braiscompany.com/static/DEMONSTRACOES-CONTABEIS-2021-618df9d7bdf67e8193f9e3d9f45e47d8.pdf

Depois disso tudo o que eu comentei, somei o saldo das contas no balanço para ver se o saldo do ativo total batia com o saldo do passivo total no balanço. Bateu? Descubra!

Sobre o autor

Felipe Pontes é doutor em contabilidade, foi professor de finanças da Universidade Federal da Paraíba e atualmente é COO da Economatica

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