Os criptoativos e os smart contracts, apesar de serem ferramentas tecnológicas capazes de tornar o mundo mais eficiente, também podem ser usados como catalizadores para corrupção e desvios de conduta de funcionários públicos do Estado.
A afirmação foi feita nesta terça-feira (22) pelo delegado da Polícia Civil de Goiás, Vytautas Fabiano Silva Zumas, durante o primeiro painel do seminário online ‘Combate à Corrupção e Recuperação de Ativos’, promovido pela Escola da Advocacia-Geral da União (AGU).
Segundo o delegado, algumas características de contratos inteligentes — como falta de regulamentação, sistema de pagamento descentralizado, pseudoanonimato e transacionalidade — poderiam gerar desvios em governos, uma prática chamada por ele de ‘tokenização da corrupação’.
Zumas usou um cenário hipotético para ilustrar como criminosos e agentes públicos poderiam tirar vantagem de uma licitação tokenizada, por exemplo.
De acordo com ele, um grupo de empresas poderia se organizar e combinar preços para que uma vencesse a disputa com ajuda de um agente público de uma estatal, que em troca da particpação receberia criptomoedas por meio de uma blockchain.
“O servidor conseguiria receber os ativos em um endereço pré-determinado, trocá-los por outros, como privacy coins, cuja rastreabilidade é impossível, e receber uma propina devido a um contrato inteligente que se auto-executou”, falou.
De acordo com acordo com o delegado, casos de corrupção em licitações públicas tokenizadas – que ainda não ocorrem no Brasil – seriam complexos de apurar. “É difícil falar de territorialidade, competência e de atribuição para investigação”, disse.
Como lidar com a tokenização da corrupção
A previsão de um cenário de possíveis crimes com smart contratcs dentro de governos, segundo o delegado, não é novidade.
Lá em 2018, a Europol – serviço europeu de polícia – apontou no relatório Internet Organized Crime Theat Assessment que nos próximos anos o mundo “verá um aumento nos ataques de suborno e fraudes baseados em contratos inteligentes”.
Para Zuma, os governos precisam preparar seus funcionários públicos para lidar com esse novo cenário.
“É muito importante que o Estado comece a capacitar seus agentes a entender e compreender que essa tecnologia não vai sair daqui. É importante também que nós agentes nos adaptemos a toda essa novidade e toda essa tecnologia, porque felizmente – e infelizmente também – não temos como fugir dela”.
Lado positivo
Apesar do possível surgimento de uma ‘tokenização da corrupação’ no estado, a tecnologia de registro distribuído também pode gerar benefícios para governos, segundo o delegado.
“Toda essa catálise fornecida pelos criptomoedas para o mal, nós podemos utilizar também como catalizadores do bem”, falou.
Um dos exemplos citados por Zuma é o GOV Token, projeto de desenvolvimento de blockchain voltada para transparência nos gastos públicos e combate à corrupção no Rio de Janeiro. O investimento é de R$ 1 milhão.
Além do Rio, o governo do Paraná também desenvolve uma ferramenta baseada na tecnologia blockchain para combater a corrupção em licitações públicas. O investimento estimado é de R$ 25 milhões.
Seminário continua
Além de Zuma, na manhã desta terça-feira o seminário contou com palestras de outros agentes públicos que trabalham de alguma forma com criptomoedas.
São eles a procuradora da Fazenda Nacional Ana Paula Bez Batti; o procurador da República Thiago Augusto Bueno e o delegado de polícia federal Guilherme Helmer. A medição ficou por conta do promotor de Justiça de Minas Gerais Fabrício Pinto.
As palestras continuam nesta tarde. Na quinta-feira (25), segundo a AGU, ocorrerá o segundo dia do evento, com seminários proferidos por outros agentes públicos.
Veja o seminário completo: