O Tether (USDT) é uma stablecoin com pretensão de paridade com o dólar dos Estados Unidos. Uma stablecoin é uma criptomoeda ou um ativo digital com lastro físico. É o equivalente a pegar um ativo físico: dólares, reais, diamantes, cobre, ouro, trancar em um cofre e emitir equivalências criptografadas para esse ativo que está guardado.
No caso do Tether, a proposta é que para cada Tether emitido tenha um dólar equivalente em caixa. Pode ser em cash ou Treasury Bills, que são os títulos do governo americano, equivalente ao nosso tesouro direto, ativo ideal para garantir passivos em dólar.
Através do Tether, os usuários conseguem fugir da volatilidade de outros ativos, enquanto realizam as suas operações com criptoativos e conseguem movimentar o “dólar” para quaisquer exchanges do Mundo que aceitam a stablecoin. Por isso, a Tether acabou se tornando uma opção muito útil para transferências entre sistemas e com diferentes criptomoedas.
Com isso o Tether ganhou uma relevância crescente nos mercados, a praticidade de ter uma moeda pareada ao dólar americano fez aumentar a demanda pela moeda.
A velocidade de emissão do Tether nos últimos anos impressiona, de dezembro de 2019 para julho desse ano, a emissão passou de US$ 4 bilhões para US$ 62 bilhões e a stablecoin já é a terceira maior criptomoeda em valor de mercado.
Ou seja, para garantir uma paridade, a empresa emissora deveria ter em caixa esses 62 bilhões de dólares, mas teria mesmo a Tether Unlimited, empresa emissora do Tether, todo esse valor lastreado?
Desde o seu lançamento, em 2014, existe uma eterna desconfiança sobre esse lastro, já que a empresa não mostra provas, de maneira transparente de que segue esta paridade. Como parte de um acordo recente com a procuradoria do estado de Nova York, que investiga a empresa desde 2018, a empresa se comprometeu a divulgar um relatório trimestral com a comprovação de todo esse lastro bilionário.
Em maio de 2020, foi publicado o primeiro relatório, confirmando as suspeitas do mercado da não existência do lastro, acentuando ainda mais as preocupações e desconfianças sobre o ativo. De acordo com o relatório da empresa, apenas 6% do lastro que ela diz ter, está em caixa ou títulos do governo americano e 65% está denominado como “Commercial Paper”, que seria uma espécie de letra de crédito.
Porém o relatório não detalha os prospectos desses títulos e quem são os credores. Desse modo, fica impossível saber qual a real liquidez desses papeis e qual o grau de qualidade e confiabilidade desses ativos.
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Com base no volume de negociação da Tether, o mercado acredita que os principais credores são as grandes exchanges que dependem desse ativo, como a Binance, Huobi e a Bitfinex, empresa irmã da Tether Unlimited. Ter Commercial Paper desse tipo, garantindo um mercado de mais de US$ 60 bilhões é algo bem preocupante e é preciso desconfiar de que não exista reservas suficientes, caso ocorra um pedido de saque para todos os tethers emitidos.
Como a Tether infla os mercados?
Comparando a emissão de dólar-Tether com a alta dos preços dos criptoativos, principalmente o bitcoin, acaba sendo inegável que existe uma correlação positiva. É difícil saber o tamanho da influência, mas sem dúvida um dos fatores que explicam a alta dos preços dos criptoativos nos últimos dois anos é a emissão de USDT, que gera liquidez e infla os mercados.
Estima-se que o free float do bitcoin, a proporção dos bitcoins emitidos que estão em constante negociação, seja de no máximo 20%, o que equivale a US$ 40 bilhões. Imagina o que a emissão sem lastro de mais de US$ 60 bilhões pode causar em um mercado de US$ 40 bilhões?
Um eventual colapso do Tether poderia causar, além da perda de paridade com o dólar americano, uma espécie de “corrida bancária pelo Tether” e ter consequências diretas sobre o preço das criptomoedas, e sobre grandes exchanges. Por isso o ideal é evitar deixar criptoativos parados em exchanges que dependem do Tether.
Em um cenário extremo, os investidores vão tentar vender a qualquer custo e de forma simultânea o USDT e a demanda vai rapidamente cair para zero, fazendo com que o seu preço vire “pó”, afetando outras criptomoedas, como o bitcoin, devido sua importância para o mercado e à crise de confiança que esse episódio pode gerar.
Eu acredito que o caso dólar/Tether pode entrar para história como um dos maiores golpes financeiros de todos os tempos, com repercussões no mundo digital e analógico, e posteriores filmes e documentários tentando explicar tamanha proporção que isso tomou.
Sobre a autora
Marina Luz, CFP®, é economista, com experiência de 8 anos no mercado financeiro e trabalhou no Itaú BBA. É especialista em finanças pessoais e mantém o canal no Youtube Mais Dinheiros, sobre educação financeira e investimentos