Entrevista: economista Carol Alexander fala sobre manipulação da Binance e quando o Bitcoin retornará aos US$ 50 mil

Em entrevista ao Portal do Bitcoin, especialista em finanças diz que a corretora favorece os grandes traders em detrimento dos pequenos e explica por que está mais otimista com o Ethereum do que com o Bitcoin
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Carol Alexander (Foto: Divulgação)

O mercado cripto assistiu nessa semana uma ofensiva de processo dos reguladores norte-americanos — e agora brasileiros — contra a Binance por sua suposta oferta irregular de derivativos. No entanto, uma especialista há tempos já alertava sobre os problemas existentes na corretora que lidera o mercado de criptomoedas.

Trata-se de Carol Alexander, economista e professora de finanças da Universidade de Sussex, no Reino Unido. Com um extenso currículo no mercado financeiro, a profissional tem uma vida corporativa tão bem-sucedida quanta a acadêmica, sendo a responsável por criar e implementar modelos matemáticos para precificação, negociação e avaliação de risco para grandes corporações, incluindo a Bolsa de Valores de Nova York (NYSE).

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Com a popularização das criptomoedas, Carol começou a estudar por meio de pesquisas com seus alunos o surgimento dessa nova economia e seus problemas, principalmente como empresas e traders “tubarões” usam uma série de artimanhas para se alimentarem das “sardinhas” que são os pequenos investidores.

Ao conversar com o Portal do Bitcoin, Carol compara esse mercado com uma “partida de futebol sem árbitro”, em que traders profissionais e exchanges “autorreguladas” mudam as regras do jogo quando lhes convém.

Ela relembra o fatídico dia 19 de maio de 2021, quando US$ 3 bilhões foram liquidados da Binance em 20 minutos, causando uma queda no preço do Bitcoin e limpando a conta de milhares de investidores alavancados.

Nessa data, usuários assistiam impotentes suas posições sendo liquidadas na plataforma travada da Binance, que os impediu de agir para fechar suas posições, fosse para salvar fundos ou realizar o lucro que acreditavam terem ganho. 

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Além de debater os conflitos de interesse de corretoras que “apostam” contra os próprios clientes, Carol debate as expectativas para o preço do Bitcoin ao longo do ano, bem como o que acha que vai acontecer com a regulação das criptomoedas no âmbito global, e por que acredita que o atual modelo de finanças descentralizadas (DeFi) e as stablecoins podem protagonizar a próxima onda de colapsos no meio cripto.

PORTAL DO BITCOIN: Você possui uma carreira consolidada e é especialista em diferentes áreas das finanças, mas o que te chamou sua atenção no setor das criptomoedas a a fez começar a pesquisar essa nova área?

Carol Alexander: Eu sempre gostei de novos desafios. Durante toda a minha vida acadêmica, eu fui pulando da teoria algébrica dos números à teoria dos jogos, à econometria, à gestão de riscos, e por aí vai. A cada poucos anos, tendo a me mover para uma área diferente.

Em 2014, ouvi alguém falando sobre o Bitcoin e quando eu me aprofundei no assunto, pensei: “meu deus, isso vai ser algo enorme no futuro devido à economia digital”. Eu também aplaudi a filosofia de oposição ao status quo proposto pelas finanças descentralizadas.

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Seu trabalho foca em como os traders de alta frequência começaram a olhar para as criptomoedas. Quando esse fenômeno começou e qual a diferença entre operar no mercado tradicional em comparação com cripto?

É um fenômeno incrivelmente interessante porque os mercados de cripto são muito diferentes dos mercados tradicionais. No tradicional, você normalmente tem apenas um produto em um mercado, enquanto em cripto os mercados são muito fragmentados.

É muito mais difícil estudar o comportamento, em particular as operações de manipulação de preço, como spoofing e layering ou manipulação de volume, como wash trading. Cripto é um mercado muito ativo, aberto 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano. 

O que é evidente é que a maior parte das negociações no setor acontece nas chamadas exchanges “autorreguladas”, com a maior delas sendo de longe a Binance, que representa cerca de 75% das negociações de derivativos e cerca de 55% das negociações à vista. 

Como são autorreguladas, essas exchanges não veem a necessidade de impedir manipulação ou outras más condutas, e não o fazem. Então é muito difícil acompanhar o que parece ser traders profissionais jogando um jogo de futebol sem árbitro, onde eles podem fazer o que quiserem.

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Quanto os mercados de derivativos de Bitcoin influenciam os preços à vista e por que a Binance é tão importante nesta área de “descoberta” de preço?

A Binance não influencia só o preço, mas também a transmissão de volatilidade. Não é surpreendente que a maior parte das informações seja processada muito mais rapidamente por lá, pois o volume de negociação é muito maior. 

Mesmo que as pessoas não estivessem fazendo trades de manipulação, a Binance ainda seria a líder em termos do que chamamos de “descoberta de preço”, ou seja, como as notícias afetam os próximos preços da criptomoeda.

São os contratos perpétuos de Bitcoin e Tether (USDT) que os traders mais usam para manipular os preços na Binance. Traders profissionais não se importam se os preços sobem ou descem. Eles querem que os preços se movam, porque para jogar esse jogo de futebol, precisam de muita volatilidade.  

Desses traders, a Binance não cobra as taxas que precisa para seu negócio sobreviver. Esse dinheiro vem dos peixes pequenos, os traders varejistas que acabam perdendo muito dinheiro porque uma hora ou outra chegam os tubarões e os comem todos.

Mesmo assim, no momento acho que os preços do Bitcoin estão se mantendo em um nível capaz de atrair investidores de volta para cripto. 

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Na sua visão, essa recente alta do bitcoin tem mais relação com a especulação no mercado ou é um reflexo da crise bancária nos EUA, que faz as pessoas olharem para os fundamentos do Bitcoin como reserva de valor?

Houve definitivamente especulações nas altas do íncio do ano, quando houve um grande aumento no preço do Bitcoin. Mais recentemente há muita confusão em todos os mercados dos EUA, tesourarias, ações ordinárias, ações bancárias. Então isso tem algum efeito sobre as pessoas que as fazem mover fundos para criptomoedas, mas eu não acho que isso tem uma influência tão grande assim. 

Sua expectativa é que o preço do Bitcoin se comporte de que forma ao longo de 2023?

No ano passado, quando o preço do Bitcoin estava perto de US$ 70 mil, eu previ que ele voltaria a cair para quase US$ 10 mil. Chegou a US$ 15 mil, então eu estava bem perto. 

Já no início deste ano, eu previ que o preço do Bitcoin teria um bull run controlado até a Páscoa, e ficaria em torno de US$ 30 mil. Mais tarde no ano, em setembro, se tudo permanecer igual — dependendo se os reguladores tiverem algum controle sobre as atividades da Binance de alguma forma, no momento eles não parecem ter muito — acho que o preço pode bater US$ 50 mil.

Mas, no longo prazo, eu não vejo o Bitcoin valendo alguma coisa, para falar a verdade. É um instrumento de especulação. Sei que tudo segue o Bitcoin, mas o Ethereum está com seu volume de opções subindo e ele sim tem um valor de utilidade real. Então, eu sou muito mais otimista com o Etherem do que com bitcoin.

Qual estratégia os traders de alta frequência empregam para identificar possíveis oportunidades no mercado de cripto? Como eles normalmente operam para ganhar dinheiro com manipulações de preço?

Uma estratégia padrão é colocar uma ordem de venda, em talvez outra exchange, no mesmo produto. Você pode até mesmo colocar no mesmo livro de ordens que está manipulando, mas é um pouco menos seguro.  Lembre-se, você quer volatilidade. Então você tem que segurar para vender na alta e em seguida, empurrar o preço para baixo para comprar novamente e então vender na alta. 

O que você faz é colocar uma ordem de compra muito, muito, muito grande logo abaixo do preço atual, para parecer que há muita pressão de compra, e então, mais pressão de compra entra. Essas ordens de spoofing no lado da compra, no entanto, nunca são atendidas e logo depois são canceladas. 

Mesmo assim, toda essa pressão de ordens faz com que o preço suba, porque terá outras pessoas comprando. Quando isso acontece no Binance, por exemplo, as outras exchanges seguirão esse preço, e então o trader que começou a manipulação pode vender seus ativos a preços muito maiores. Essa é a estratégia típica de usar spoofing em várias exchanges.

Você analisou de perto os eventos de maio de 2021, quando a Binance travou os traders na sua plataforma.  Pode relembrar o caso e porque ele é um exemplo dos riscos do mercado de derivativos para o pequeno investidor?

Naquele dia, o fundo de seguros da Binance liquidou aproximadamente US$ 3 bilhões de posições de longo prazo em menos de 20 minutos no meio da noite. É uma história complexa, mas em resumo, eles nunca deveriam ter feito isso. 

A Binance tem um sistema de liquidação e compensação completamente diferente. Essas exchanges não são apenas uma plataforma de negociação eletrônica, eles têm trading de ordem limitada, tem custódia, tem plataforma de staking e NFT, tem sua própria blockchain, stablecoin e token nativo, tem empréstimos e shadow banks, e assim por diante. Embora todas essas atividades sejam diferentes, nenhuma delas é separada. É loucura.  

A pior parte é a liquidação e a compensação. Na Binance, ninguém recebe chamada de margem (margin call), portanto, há liquidações automáticas. Se você não estiver acordado às 2h da manhã olhando para sua posição e monitorando o que eles chamam de preço de liquidação, você pode ficar completamente falido. Não apenas em uma posição, mas sua conta inteira pode ser limpada sem aviso.  

A Binance tem esses tokens de alavancagem variável, que são produtos altamente tóxicos,  irresponsáveis ​​e que realmente não deveriam ser permitidos. E isso é o que aconteceu quando eu disse que os fundos de seguros liquidaram quase US$ 3 bilhões em posições.

Esses tokens de alavancagem são similares a ETFs de alavancagem, que são altamente regulados nos EUA. Mas esses produtos da Binance fazem o que querem.

Naquele dia, os market makers, que tentavam reequilibrar as negociações, desestabilizaram todos os mercados da Binance e varreram centenas de traders do varejo. Market makers empurraram o mercado para baixo, tomando aquelas posições longas com prejuízo e depois fazendo dump de tudo isso de volta no mercado em um espaço de 20 minutos, criando um crash.  

São os pequenos investidores que são continuamente afetados por isso tudo e é por isso que eles não devem negociar derivativos. No final, a classe de ativos se estabilizará. Mas agora, os riscos operacionais em cripto são enormes e muitas pessoas estão jogando sujo, há esquemas Ponzi por toda parte.

Para resolver esses problemas você acredita que os reguladores deveriam agir mais? Que tipo de regulação o mercado cripto precisa agora?

Dentro dos Estados Unidos existe a SEC e o Departamento de Justiça (DOJ), que têm feito muito. Mas dentro da DOJ, há muita divergência. A CFTC até recentemente também estava falando sobre regulamentar cripto. 

Mas quem paga por isso? Os mercados tradicionais. A SEC é financiada por uma taxa cobrada do trade de ações. Então são profissionais que operam em finanças tradicionais que estão pagando pela regulação do setor cripto. 

Comparado com os países europeus, os EUA estão muito à frente. Na Europa, temos um novo marco de regulamentação de cripto que foi colocado em lei no ano passado, mas financiar isso e encontrar pessoas que realmente saibam o que está acontecendo em cripto é muito, muito difícil.

No momento, o Conselho de Estabilidade Financeira (FSB) e o Federal Reserve (Fed) estão começando a ampliar seu foco para alcançar algo global. Eu acho que é isso que precisamos. De um novo tipo de Acordo de Basileia para que os países coloquem em suas próprias leis. 

Infelizmente, isso ainda está longe de acontecer porque os mercados são tão diferentes e as instituições operam de formas diversas e com múltiplos papéis, como dei o exemplo da Binance: dez empresas diferentes sob um mesmo teto. Então não há resposta. Vai levar tempo e vamos ter mais e mais problemas antes que isso seja resolvido.

Como uma estudiosa do mercado cripto, você acredita que há no setor alguma tecnologia que poderia levar à adoção em massa ou que possa se tornar mainstream? 

Muitas das ideias de cripto, especialmente as relacionadas a pagamentos e liquidações, agora estão sendo implementados em blockchains privadas. Elas ainda têm consenso, mas não através de uma rede peer-to-peer e sim através de uma espécie de prova de autoridade: pessoas cujas funções específicas são validar as transações.

Há muitas dessas blockchains privadas em bancos e consórcios. Portanto, estamos nos movendo cada vez mais em direção a contratos inteligentes para coisas como permutas de taxas de juros, liquidação imediata usando sistemas de pagamento e assim por diante. 

Tudo está ótimo em termos da evolução da economia digital. Mas o que me interessa mais é como a geração mais jovem está se comportando. Aqueles que foram criados com dispositivos desde bebês.

Muitos deles estão dentro da realidade virtual cada vez mais e isso fornece uma fuga de um mundo que está cada vez mais assustador, com guerras, aquecimento global, e claro, a morte do capitalismo, com o Federal Reserve simplesmente injetando mais e mais e mais dinheiro no sistema. 

Então há uma enorme quantidade de ansiedade entre os jovens e eles estão se retirando para o metaverso e é por isso que me tornei muito interessada em tokens não fungíveis (NFTs), em particular aqueles usados para identidades virtuais.

Você disse no passado que DeFi vai entrar em colapso em 2023. Por que você acha que isso vai acontecer e o que esse colapso significaria?

Os ataques à (criptomoeda falida) Terra (LUNA) ocorreram nos pools de liquidez de DeFi. Aconteceu uma retirada coordenada de toda a liquidez de Terra dos pools e a moeda LUNA desabou. Naquele momento, muitas pessoas também fizeram dinheiro ao shortar LUNA durante o colapso. Enfim, o evento mostrou como essa é um área vulnerável a ataques, particularmente com esses pools de liquidez. 

Mas há também algo mais acontecendo em DeFi que merece atenção na área de staking. Quando você obtém seu token de staking, ele não é apenas como um ticket de lavanderia que você segura por um tempo e em seguida devolve para pegar suas roupas.

Se você faz staking de Ethereum ou outra rede proof-of-stake, você pode ganhar um token de staking e usá-lo como garantia em qualquer outro lugar e obter empréstimos com base nessas garantias.

Então é uma espécie de árvore da fortuna. Você coloca seu ETH em um serviço de staking líquido, como o Lido, por exemplo, e ganha stETH. Então, você vai para um shadow bank, como era a Celsius e Voyager — ambas já colapsaram — e deposita stETH como garantia para um empréstimo de ETH, que depois você pode colocar de novo no Lido por mais stETH, e ir repetindo e repetindo, como uma árvore de dinheiro mágico.

E quanto você faz isso, só precisa cruzar os dedos para que o stETH e o ETH permaneçam um para um, o que, claro, nem sempre é o caso.

Você é muito crítica da Tether (USDT), stablecoin que está mais forte do que nunca nesse começo de 2023. Em contrapartida, esse ano vimos USDC, considerada mais transparente, perder sua paridade. Você acha que as grandes stablecoins no mercado correm risco de desabar eventualmente?

Existe muita fragilidade no mercado de stablecoins, não apenas nas algorítmicas. A perda de paridade da USDC da Circle, que é respaldada por fiat, respingou também na DAI — que é minha stablecoin favorita —, o que mostra que todo o sistema de stablecoin pode ser perturbado. 

Desde então, a capitalização de mercado da USDC desabou para os atuais US$ 35 bilhões, sendo que era US$ 45 bilhões algumas semanas atrás, à medida que o valor da USDT disparou de volta para US$ 70 bilhões, o dobro da concorrente.

Tether é simplesmente assustadora. A falta de transparência, suas auditorias, o discurso de que “Tether mantém o dólar forte”, e agora estão trabalhando lado a lado com o governo dos EUA, com grande exposição a títulos do Tesouro. Hoje você pode basicamente segurar ativos com o Federal Reserve de forma indireta apenas comprando uma dessas stablecoins garantidas por moeda fiduciária. 

Eu ainda não tenho certeza do que vai acontecer com as stablecoins. É por isso que digo que, no final deste ano, se tudo continuar como está, sem que os reguladores ajam desestabilizado as coisas, 2023 será mais um ano de grandes mudanças para o setor cripto.

*Colaborou de Cláudio Goldberg Rabin.

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