Imagem da matéria: Banco Central do Brasil tentou esconder a compra de toneladas de ouro
Foto: Shutterstock

O Banco Central do Brasil comprou a maior quantidade de ouro das últimas duas décadas em apenas três meses. Na época que as compras aconteceram entre maio e julho de 2021, o BC se negou a responder aos questionamentos da imprensa sobre as aquisições do metal precioso, escapando até mesmo da Lei de Acesso à Informação com um suposto sigilo bancário que lhe dá carta branca para segurar informações de interesse público.

Apesar da indisposição que a administração de Roberto Campos Neto pareceu ter com a transparência, dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostraram que o Banco Central foi o terceiro país do mundo que mais comprou ouro em 2021, atrás apenas da Hungria e Tailândia.

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Tudo começou em maio, quando o Banco Central comprou 11,7 toneladas de ouro na primeira aquisição do tipo desde novembro de 2012. Em junho o BC adquiriu uma quantia ainda maior de 41,8 toneladas do metal precioso, e em julho, adicionou mais 8,5 toneladas à reserva.

Em apenas três meses, o BC realizou a maior compra de ouro vista desde o ano 2000. Neste ritmo, as reservas internacionais do Brasil fecharam julho com cerca de 129 toneladas de ouro (4.168 milhões de onças-troy). Esse é o maior quantidade de ouro em posse do país desde novembro de 1999, uma quantia que equivale a R$ 39 bilhões.

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Variação na reserva de ouro do Brasil em 2021. Fonte: FMI

Falta de transparência

A movimentação do Banco Central foi notada pela primeira vez em 14 julho quando o analista do World Gold Council, Krishan Gopaul, divulgou no Twitter que o Brasil havia comprado 41,8 toneladas de ouro. 

O Portal do Bitcoin entrou em contato com a assessoria do BC para confirmar e obter mais detalhes sobre a aquisição. No entanto, o órgão se negou repetidas vezes a passar qualquer dado oficial. Também não quis confirmar as informações do FMI, se limitando a mandar o link de um relatório de Gestão das Reservas Internacionais, com dados de 2020.

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A reportagem recorreu à Lei de Acesso à Informação para conseguir as informações solicitadas, enviando um pedido em 16 de julho. Com o fim do prazo de resposta no dia 9 de agosto, o Banco Central mais uma vez não respondeu nenhuma pergunta sob a alegação de que os dados estariam protegidos pela lei de sigilo bancário. O BC disse ainda que a divulgação sobre as compras de ouro poderia ser “prejudicial e revelar estratégias da gestão das reservas internacionais”.

Resposta do BC a pedido de informação pela LAI.

Por fim, a reportagem teve acesso a uma planilha pública que apresenta um demonstrativo da variação das reservas internacionais do BC. O documento traz informações atualizados de julho que ainda não estavam disponíveis no banco de dados do FMI.

Embora o documento estivesse “escondido” no site do Banco Central, ele derrubou o argumento genérico de que a divulgação de tais informações seriam prejudiciais — se de fato fossem, não estariam públicas.

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Demonstrativo de variação das reservas internacionais. Fonte: Banco Central

Gustavo Inácio de Moraes, professor de economia da PUC-RS, disse à reportagem que o Banco Central poderia estar evitando tocar no assunto para não provocar especulação no mercado.

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“Talvez eles não queiram induzir o mercado de modo que os investidores tentem antecipar o movimento do BC,  que vai ser no sentido de comprar mais ouro. Existe um efeito manada no mercado onde investidores tendem a copiar os movimentos de um player importante, como o Banco Central”, explica. 

Essa postura, no entanto, pareceu se limitar ao Brasil. Outros países que estavam entre os maiores compradores de ouro em 2021, como Tailândia e Hungria, foram transparentes em relação às suas aquisições.

O BC da Hungria, por exemplo, chegou a incluiu fotos da reserva de ouro quando noticiou uma grande compra do ativo em 2018. Mais uma vez em março de 2021, o órgão adotou a mesma postura de transparência quando adquiriu mais 63 toneladas.

Confirmação, um ano depois

O Banco Central do Brasil só veio a confirmar a compra de ouro quase um ano após a aquisição, no Relatório de Gestão das Reservas Internacionais, publicado em março deste ano.

No documento, o BC informa que fechou 2021 com 2,25% das reservas internacionais investidas em ouro. “Por suas características anticíclicas em momentos de estresse, a posição em ouro foi elevada, passando a representar 2,25% do portfólio”, justifica o relatório.

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O Banco Central também mudou a alocação das reservas internacionais para além do ouro, diminuindo a exposição ao dólar e ao euro e aumentando as compras de dólar canadense e australiano (com participações de aproximadamente 1% em cada moeda), e no renminbi chinês, que passou a representar cerca de 5% das reservas internacionais do Brasil.

Distribuição por moedas das reservas internacionais do Brasil
Distribuição por moedas das reservas internacionais do Brasil (Fonte: Banco Central)

Onde está o ouro do Brasil?

Mesmo com a quantia e as datas das compras esclarecidas, ainda ficam no ar questões relevantes que o BC se nega a responder: De quem esse ouro foi comprado? São barras de ouro ou apenas títulos? Se o ouro é físico, está sob a custódia de qual instituição? Onde está armazenado? O que motivou a compra?

O analista de metais preciosos do Bullinstar, Ronan Manly, fez uma investigação sobre a reserva brasileira do ouro e acredita que ela esteja armazenada em Londres. Ele cita um relatório de 2002 como a última confirmação do BC de onde o ouro brasileiro estava armazenado.

Naquela época, a reserva era formada 41% em ouro monetário (ouro físico em posse do BC) e 59% em depósitos de ouro (ouro emprestado para outras instituições financeiras). Do total, 98% do ouro monetário era mantido no Brasil, sendo 2% na Inglaterra. Já todos os depósitos de ouro estavam em bancos nos Estados Unidos e no Canadá. 

Reservas de ouro do Brasil em 2002
Reservas de ouro do Brasil em 2002. Fonte: Banco Central/Bullinstar

O que leva a acreditar que a reserva de ouro está agora na Inglaterra é um relatório de 2018, no qual o BC descreve que precisou adaptar o estoque do metal precioso aos padrões internacionais do Banco de Compensações Internacionais (BIS), antes de realocá-lo.

“Por meio dessas operações, as barras de ouro no padrão doméstico e o ouro não padronizado foram remetidos ao BIS para processamento e posterior envio das barras de ouro padronizadas para custódia no Bank of England (BoE)”, diz trecho do relatório.

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De acordo com o especialista Ronan Manly, o ouro armazenado no Brasil provavelmente tinha uma pureza inferior a 99,5% e por isso foram enviados para refinarias suíças para derretimento, antes de partir para Inglaterra.

O Portal do Bitcoin também conseguiu a confirmação que o Banco Central não faz mais a custódia de ouro no Brasil. Na resposta ao pedido de informação da LAI, o BC disse que não adquire ou negocia ouro no mercado local. “Toda a armazenagem e negociação do ouro são feitas no mercado externo e seguem os procedimentos compatíveis com o padrão internacional”. 

Banco Central atrás do ouro

Apesar dos problemas de transparência, o economista Gustavo Inácio de Moraes acredita que as compras de ouro pelo Banco Central são positivas no sentido de proteger a reserva nacional.

“Diante do cenário de pandemia e o enfraquecimento da economia americana nos últimos anos, o dólar se mostra bastante instável. Isso desenhou um cenário de necessidade de diversificação das reservas, então é nesse sentido que o Banco Central começa a diminuir sua exposição ao dólar e comprar outros ativos como o ouro”, explica.

O relatório de Gestão das Reservas Internacionais publicado em março de 2021, indicava que dos US$ 355 bilhões que o Brasil possuía no tesouro até o final de 2020, 86,03% estava alocado em dólar, enquanto a porcentagem do ouro era de apenas 1,19%.

Já em 31 de dezembro de 2021, as reservas internacionais totalizavam US$ 362,2 bilhões, um pouco mais que o registrado no final de 2020, com a porcentagem de ouro dobrando em um ano para 2,25%.

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