Em vídeo, Arthur do Val promoveu empresa suspeita de pirâmide que sumiu com R$ 1 bilhão

Empresa foi proibida pela CVM em 2019 e deixou de realizar os saques dos clientes
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Esquema divulgado por Arthur do Val pode ter lesado milhares de pessoas em R$ 1 bilhão (Foto: Reprodução/Facebook)

O candidato à prefeitura de São Paulo Arthur do Val (Patriota) divulgou uma empresa suspeita de pirâmide financeira que prometia lucros milagrosos com bitcoin. O esquema lesou milhares de pessoas que somadas podem ter perdido mais de R$ 1 bilhão.

Em um vídeo publicado no início de 2018, ele convoca os seguidores a investirem na Atlas Quantum: “Conheci a empresa. O pessoal é maravilhoso, é de credibilidade. Vou deixar inclusive o link aqui para você se cadastrar e comprar bitcoin pela Atlas e vou deixar o link para você investir em pessoas que investem em bitcoin pela plataforma”.

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Porém, no dia 13 de agosto de 2019, a mesma empresa recebeu uma notificação de proibição de oferta de investimento coletivo pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Houve então uma corrida de saques e quase ninguém conseguiu retirar o dinheiro.

Ou quase ninguém. O Portal do Bitcoin teve acesso aos pedidos de saques nos meses que se seguiram à crise. São centenas de tabelas que registram o nome, o telefone (ainda hoje o mesmo usado pelo político) e o endereço da carteira de criptomoedas. Das 13.800 solicitações, somente 102 foram atendidas — duas delas de do Val, que conseguiu sacar um total de 0,47 BTC, o equivalente a R$ 36 mil nos dias de hoje.

Os dados do controle de pagamentos da empresa mostram que a solicitação foi feita no dia 23 de agosto de 2019 e o bitcoin foi depositado no mês seguinte, semanas depois que a suposta empresa havia publicamente suspendido os saques.

Procurado pela reportagem, o candidato disse, por meio da assessoria de imprensa, que o pedido de saque demorou. “Eu tinha pouco Bitcoin, demorou uns 4 meses para eles sacarem. Eu pedia, eles esqueciam, até que eu fui ver depois de fazer uma pressão que eles me devolveram”, afirmou.

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Conforme análise feita pela lawtech C²LAW utilizando a ferramenta de rastreabilidade de bitcoins da Chainalysis, o deputado estadual também conhecido como Mamãe Falei, após receber os bitcoins de um dos endereços da Atlas, enviou-os para a corretora Foxbit. A partir daí, o rastro do dinheiro não aparece na Blockchain e fica restrito ao sigilo da corretora.

O valor não consta na declaração de bens do candidato ao Tribunal Superior Eleitoral, mas é possível que ele tenha vendido o ativo.

Os que não tiveram a mesma sorte do candidato do MBL, entraram com processos na Justiça para tentar reaver o dinheiro perdido. No momento, são milhares de processos por todo país.

Nomes conhecidos como o apresentador Marcelo Tas e o ex-CNN Leandro Narloch também divulgaram a empresa. Ambos estão na mesma lista e confirmaram ter perdido dinheiro. No caso de Tas, o prejuízo chega a quase R$ 1 milhão.

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Artêmio Picanço, um advogado envolvido com o caso, tem 400 processos que somam um valor total de R$ 70 milhões.

“Só não tenho clientes no Acre e Roraima. De fora do país, tenho gente em Espanha, Israel, Portugal, Chile, Cuba, Estados Unidos, França e Itália”, diz Picanço.

Durante a crise, ainda em agosto de 2019, a empresa de contabilidade Grant Thornton produziu um relatório no qual atestou que a Atlas tinha um total de 15.226 bitcoins — R$ 1,17 bilhão na cotação atual.

Atualmente, a Atlas Quantum quase não existe. Dos tempos gloriosos com mais de 300 funcionários espalhados por quatro andares de um edifício nos arredores da Avenida Paulista não resta nada. O site segue funcionando, mas os clientes não têm acesso aos fundos. Sobrou um funcionário no suporte que responde a alguns emails.

O criador da empresa, Rodrigo Marques, está desaparecido e não foi possível contatá-lo. Seu antigo sócio saiu da suposta empresa um ano antes da crise após uma ação fracassada de marketing que contou com os atores Cauã Reymond e Tatá Werneck, e se tornou CEO de uma fintech chamada Mutual. Ambos têm centenas de processos nas costas.

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Conteúdo do vídeo

O vídeo original tem 11 minutos e foi divulgado nas redes sociais do candidato. No início há uma explicação sobre o funcionamento do bitcoin e depois a convocação para que todos invistam na plataforma da Atlas.

Arthur do Val promoveu empresa suspeita de pirâmide que lesou milhares de pessoas

A Atlas Quantum dizia ter um robô que fazia rápidas negociações de bitcoin em corretoras espalhadas no mundo inteiro. No chamado processo de arbitragem, o sistema encontrava os melhores trades e assim obtinha lucro. Todos os meses os clientes tinham rendimentos positivos que variavam entre 2% e 5%.

“É um puta ganho, mais que o dobro dos melhores investimentos do mercado financeiro normal”, comemora no vídeo de divulgação o Mamãe Falei.

No depoimento a favor do que se revelou um grande esquema, ele é enfático na defesa:

“Eu indico você a investir em bitcoin. Tive contato com uma ideia que é a ainda melhor: você investir em pessoas que investem em bitcoin. A ideia é a seguinte: eu vou comprar bitcoin pela Atlas. Tive contato com o pessoal, conheci a empresa, achei maravilhoso. Pessoal é de credibilidade, é legal. Vou deixar inclusive o link aqui para você se cadastrar e comprar bitcoin pela Atlas. E vou deixar o link da plataforma Quantum, que eu achei uma boa ideia”, diz.

Na abertura do vídeo, um pouco antes de começar a explicar o que é a tecnologia por trás do bitcoin, ele diz: “Eu só vou divulgar algo no meu canal se eu verdadeiramente acredito”.

Questionado sobre o apoio, ele afirmou em nota: “Me arrependo de ter apoiado, porque parecia uma empresa saudável, confiável, inclusive patrocinou vários eventos liberais, inclusive a LibertyCon, inclusive foi lá que conheci alguém que disse para fazer um video assim assim assado para ajudar o Bitcoin. Eu fiz”.

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Ele também negou saber que a empresa fosse um esquema de pirâmide: “Eu nunca recomendei pirâmide nenhuma, recomendei uma empresa para que você investisse em bitcoins. Em nenhum momento foi pirâmide, eu nunca ganhei dinheiro com isso. Nunca fiz parte, nunca, nada”.

Vítima e Justiça

O professor universitário paulistano Evandro Teruel tinha 1,57 bitcoin na plataforma — valor que também consta na tabela de saques a que a reportagem teve acesso. A diferença é que ele não conseguiu sacar:

“Liberaram os saques de quem poderia ser um risco ao golpe que eles aplicaram. As pessoas comuns é que se deram mal”, disse ao saber que um político havia recebido.

Ele conta que foi conhecer a empresa e se sentiu confiante em investir ao ver o ambiente, conversar com os funcionários e ver a divulgação na TV — Atlas teve propagandas veiculadas até na Rede Globo.

É de Teruel a denúncia aceita pelo Ministério Público Estadual de SP e incialmente investigada pela Polícia Civil. No relatório final das autoridades, a conclusão é que, por se tratar de um caso de crimes contra o sistema financeiro nacional, o julgamento compete à Justiça Federal. A investigação está no colo da Polícia Federal, mas não foi possível saber quem é o responsável.

O professor hoje coordena um grupo de WhatsApp com 250 vítimas e outro no Telegram, com 600.

“Todos os dias vejo histórias horríveis de pessoas que perderam tudo. É muito triste, você nem consegue imaginar”, disse.