A moeda digital chinesa é uma ameaça ao dólar? Veja o que dizem especialistas

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Uma moeda digital emitida por um Estado de grande peso no cenário internacional. Esses elementos estão juntos quando se fala de China e do e-RMB, versão digital do yuan que foi anunciada em maio passado pelo governo de Pequim. E uma das hipóteses mais debatidas é se esse movimento pode configurar uma ameaça à predominância do dólar americano na economia internacional.

Essa impressão é reforçada pela crescente na disputa entre China e Estados Unidos pela hegemonia global.

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Para o cotidiano do cidadão chinês o yuan digital — ou DCEP, sigla para Digital Currency Electronic Payment pode ser considerado uma evolução natural do que já acontece em seu mercado. A difusão de meios digitais de pagamento, fornecidos basicamente pelos aplicativos WeChat e Alipay, tornam a China praticamente um país que quase não usa mais o dinheiro de papel.

No entanto, são os impactos internacionais desse movimento, que já vinha sendo ensaiado nos últimos anos, que esquentam esse debate.

Ameaça ou não?

O yuan digital não é o primeiro adversário que o dólar enfrenta, mas talvez o mais desafiador. Para Josh Lipsky, diretor de políticas do Programa Global de Negócios e Economia do Atlantic Council, a moeda digital chinesa é uma ameaça ao domínio do dólar a longo prazo:

“Um yuan digital poderia ser usado para ajudar os países a evitar sanções dos Estados Unidos e limitaria a capacidade dos reguladores de monitorar fluxos financeiros ilícitos”.

Lipsky vê a possibilidade de a China usar essa nova moeda digital para atrair outros países para sua zona de influência econômica e política.

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“Nos próximos anos, podemos ver um cinturão digital e uma estrada, onde a China muda a dívida denominada em dólar atual para a dívida em yuan digital. Isso traria toda uma gama de economias emergentes e em desenvolvimento à órbita econômica da China. Tudo isso limitaria a influência do dólar na economia global”, diz o especialista, que também trabalhou no Departamento de Estado americano.

Já Luiza Peruffo, professora no Departamento de Economia e Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), crê que tal transformação no sistema financeiro internacional, se vier, não será rápida. Segundo ela, tais mudanças são muito lentas, o que beneficia a moeda que ocupa a liderança entre as demais moedas — ou seja, o próprio dólar.

“A moeda chinesa provavelmente representa o rival mais perigoso que o dólar já enfrentou. Mas estamos apenas no início do que pode vir a ser uma mudança no sistema”, analisa a professora, que em maio passado escreveu um artigo junto com outros dois pesquisadores sobre o yuan digital.

Peruffo, no entanto, ressalta um dos pontos que levam a iniciativa de Pequim a pelo menos despertar a atenção de Washington. “Parece que a China deu um passo à frente dos EUA ao lançar a primeira moeda digital estatal, o que eventualmente pode significar que ela vai ocupar alguns espaços que o dólar não tem como ocupar”.

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De olho no mercado interno

Para Rodrigo Zeidan, professor da New York University Shanghai (China), a teoria de concorrência do yuan com o dólar não está no horizonte. Segundo ele, a China tem controle de capitais e o objetivo do governo de Pequim é desestimular ainda mais o uso de cédulas por causa do Covid-19, além de ter mais controle sobre potenciais sonegações de impostos.

“Ou seja, a moeda digital visa dar mais poder para o governo chinês taxar seus cidadãos, além de diminuir o potencial contágio por coronavírus. Nada mais que isso”, diz o economista.

A chinesa Beibei Liu, CEO da corretora de criptomoedas NovaDAX, vê o yuan digital pelo menos como um sinalizador de que Pequim deseja ter uma maior independência em relação ao dólar — e aos Estados Unidos, por consequência.

“Do ponto de vista do governo e legisladores, uma moeda digital soberana fornece uma alternativa funcional ao sistema de liquidação do dólar. O que não é apenas uma ferramenta eficiente para fazer política monetária e analisar a circulação monetária, mas também importante para apoiar a segurança soberana”, afirma.

Bitcoin e blockchain

Embora seja entusiasta da tecnologia blockchain, sobre a qual se acentua a criação de Satoshi Nakamoto, o governo de Pequim não vê da mesma forma a mais conhecida das criptomoedas.

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Essa política é exemplificada pela narrativa “Blockchain, não Bitcoin”, professada pelo governo chinês. O presidente do país, Xi Jinping, pede que a China se envolva cada vez mais com as tecnologias baseadas em blockchain, ao mesmo tempo que criminaliza as criptomoedas.

Liu descarta que a chegada da moeda digital chinesa exerça grande efeito sobre o bitcoin. “Na China, o bitcoin nunca foi considerado uma solução de pagamento, então sua proposta de mercado é muito diferente do DCEP. O DCEP é 100% apoiado pelo Estado, pelo fundo de reserva do governo. O preço do DCEP nunca flutuará como o Bitcoin”.

Peruffo já vê um impacto potencial ao bitcoin com a chegada do yuan digital, por conta do peso estatal que carrega — especialmente em um país no qual o Estado não faz cerimônia em marcar presença.

“Ninguém é obrigado a operar em moedas privadas, mas todos os agentes privados são obrigados a utilizar uma moeda emitida por um estado para pagar impostos. A moeda digital chinesa entra com esta vantagem para competir com as moedas privadas”.