*Erramos: Diferente do informado anteriormente no título, a empresa não diz que a criptomoeda (token) lançada será lastreada em ouro, e sim dará direito a uma participação da fazenda. O preço do token, no entanto, “equivale a aproximadamente um grama de Ouro”, segundo documento oficial do projeto. O título foi alterado.
A Cryptau vem anunciando investimento, via tokenização, em uma fazenda no sul do Amazonas que supostamente pode ter ouro e outros minerais de valor comercial. No entanto, o formato, os valores potenciais do negócio e a falta de dados acessíveis sobre os responsáveis pelo projeto deixam margem para uma série de dúvidas.
Segundo a empresa, estudos técnicos apontam para a possibilidade de haver ouro, diamantes e cassiterita na Fazenda Dois Irmãos, localizada no município de Nova Aripuanã. Quem acredita nessa aposta pode adquirir pequenas parcelas da propriedade — os tokens, chamados de Cryptaus — que dariam ao investidor o direito a lucrar com uma hipotética exploração comercial da área.
Ao todo, a fazenda foi dividida em 100 milhões de tokens, cotados hoje a R$ 237,96 cada — o valor é atualizado semanalmente, às segundas-feiras. No entanto, a Cryptau diz permitir aportes no negócio a partir de R$ 50.
No site da Cryptau o valor estimado da propriedade é de R$ 100 bilhões, em razão do potencial de mineração. Caso todos os tokens sejam vendidos pelo seu valor atual, a fazenda captaria um total de R$ 23,796 bilhões.
Ainda segundo a empresa, as emissões dos tokens são registradas por meio da tecnologia blockchain — neste caso, a rede usada é a Ethereum.
Atrativos x transparência
Apesar da existência de ouro e outros minerais se basear apenas nos estudos prévios, a empresa defendeu no comunicado à imprensa que há um duplo atrativo no negócio. Para o empreendedor, seria o acesso a recursos de maneira mais fácil e barata do que nas fontes de financiamento tradicionais; já o investidor teria segurança e privacidade nas transações por meio da blockchain, além do acesso facilitado a um tipo de aplicação geralmente restrita a grandes investidores.
O site oficial da Cryptau conta com uma série de informações sobre como investir e de vantagens do empreendimento. No entanto, há poucos detalhes acessíveis sobre a empresa que capitaneia o negócio e seus responsáveis.
Apesar de a Cryptau pregar transparência por meio de blockchain, quem quiser conhecer mais detalhes da companhia precisa mergulhar nos documentos em PDF que discriminam a propriedade.
Somente por meio deles é possível saber que a razão social por trás da Cryptau é a Teodoro Neto e Simões Solução Digital Ltda, com sede em Curitiba e aberta em maio de 2019. Com capital social de R$ 100 mil, tem como sócios os empresários José Marcelino Teodoro Neto e José Roberto Simões.
Valor mobiliário?
Segundo advogados consultados pela reportagem, o modelo de investimento da Cryptau com a fazenda tem alta probabilidade de ser entendido como valor mobiliário. Em caso positivo, tal oferta precisaria de aval ou dispensa da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), autarquia responsável por regular o setor no Brasil.
Uma oferta de investimento fora dos padrões da CVM pode render um alerta ao mercado de atuação irregular — um aviso conhecido como “Stop Order”. A permanência de tal situação é ainda passível de processo administrativo sancionador e, em alguns casos, de prática criminosa.
Só no ano de 2020, segundo levantamento do Portal do Bitcoin, a CVM já emitiu 15 Stop Orders, com a grande maioria sendo de empresas de Forex e criptomoedas que ofertam investimentos sem aval da autarquia.
A CVM foi questionada se o modelo de investimento propagandeado pela Crypatu necessita de sua autorização. A autarquia, contudo, não respondeu até a publicação.
O que diz a empresa
A reportagem questionou a Cryptau sobre os responsáveis pelo projeto e se ele estaria sujeito às normas da CVM, bem como a origem desse modelo de investimento.
Embora Teodoro Neto e Simões sejam os sócios administradores da Cryptau, quem respondeu aos questionamentos foi o advogado Fernando Santos Lopes. Ele consta em um dos documentos disponíveis no portal da empresa como parecerista jurídico responsável pela adequação do produto à legislação brasileira.
“Em sentido estrito não se trata de investimento, mas simplesmente da venda de direitos de propriedade, só que por meio de blockchain ao invés de um contrato digital ou em papel”, disse o advogado. Ele negou que o projeto necessite de autorização da CVM.
Ainda segundo o advogado, a compra e venda dos direitos de propriedade por meio de blockchain trazem segurança e garantia para a negociação e afastam a probabilidade de o projeto ser um scam [fraude].