O início dos trabalhos da CPI das Pirâmides Financeiras foi marcado pela aprovação de diversos requerimentos para pessoas irem ao Congresso falar aos deputados. Uma parte delas foi convidada na condição de especialista para apresentar o mercado de criptomoedas aos parlamentares; outra foi convocada – seja como testemunha ou investigado dos esquemas que deixaram prejuízos para milhões de brasileiros.
No entanto, existem dúvidas sobre a boa vontade de alguns convocados de falar aos deputados, além de casos como o dos sócios da Braiscompany, que estão foragidos da Polícia Federal. Isso gerou dúvidas: caso algum convocado se recuse a ir, qual o procedimento a ser adotado? Existe uma punição? A pessoa pode ser obrigada a comparecer?
Até meados de 2018 era possível forçar um depoimento recorrendo a um juiz, que poderia emitir uma ordem de condução coercitiva. A Polícia Federal então levaria a pessoa — à força, se fosse necessário. Mas o Supremo Tribunal Federal decidiu em junho daquele ano que esse mecanismo fere o direito de a pessoa não se autoincriminar.
Desde então, é proibido que alguém na condição de investigado seja levado contra a sua vontade para uma CPI. Mas quando se trata de algum nome chamado na condição de testemunha, é uma área aberta para interpretações, com posições divergentes entre operadores do Direito.
Porém, o deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade/RJ), presidente da CPI das Pirâmides Financeiras, disse ao Portal do Bitcoin que tem uma visão clara do tema: “A testemunha é obrigada a vir. Se não comparecer, a CPI pode solicitar que ela seja conduzida coercitivamente”.
Perguntado se irá ao Judiciário pedir uma condução coercitiva para uma testemunha que se recuse a comparecer, Ribeiro afirma que vai analisar a situação junto ao relator, Ricardo Silva (PSD/SP), e ao colegiado de deputados que formam a comissão.
Já quando for o caso de um investigado que se recuse a ir, o deputado afirma que existem muitos meios de lidar com a situação.
“Se o convocado estiver na condição de investigado e não comparecer, não podemos solicitar a condução coercitiva, mas a CPI tem outros instrumentos: quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico ou dependendo do caso podemos solicitar ao Poder Judiciário a busca e apreensão na residência e empresas dos convocados”, afirma.
Caso Moro e Lula
Por lei, uma Comissão Parlamentar de Inquérito tem o poder de investigação típico de autoridades judiciais. Assim, pode inquirir testemunhas, ouvir suspeitos, quebrar sigilos bancário, fiscal e de dados, convocar testemunhas e investigados e até mesmo prender (mas somente em casos de flagrante delito).
Quanto aos convocados, resta um debate jurídico sobre como proceder caso algum deles se recuse a ir. A condução coercitiva é o único meio legal de obrigar uma pessoa a ir para um depoimento.
Esse método ficou famoso quando o então juiz Sergio Moro usou o utilizou para obrigar Luiz Inácio Lula da Silva a prestar depoimento em um processo da “Operação Lava Jato” em março de 2016.
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Lula foi condenado e preso nesse processo. Mas em junho de 2021, o Supremo Tribunal Federal considerou que Moro foi parcial no julgamento e anulou as condenações. Em 2022, o petista se elegeu presidente da República pela terceira vez, posto que ocupa atualmente.
Esse episódio aqueceu o debate, que chegou ao STF em junho de 2018 em processo iniciado pela Ordem dos Advogados do Brasil. Os ministros decidiram por 6 votos a 5 que um investigado não pode ser conduzido coercitivamente para depor.
No caso de a pessoa ser uma testemunha, está em aberto se pode ocorrer a condução coercitiva. O Portal do Bitcoin conversou com dois criminalistas para entender onde está o debate nesse momento.
Debate jurídico
De acordo com o criminalista André Damiani, sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados, a testemunha é obrigada a comparecer e dizer a verdade. Se não for, pode ser levada à força.
“Inclusive, poderá ser conduzida coercitivamente se, devidamente intimada, não comparecer ao ato e não apresentar justificativa para tanto (artigo 206 do CPP). Além disso, caso não compareça, poderá ser aplicada multa, sem prejuízo de eventual processo penal por crime de desobediência, nos termos dos artigos 218 e 219 do mencionado Código”, afirma Damiani.
Porém, o advogado aponta que, muitas vezes, as autoridades designam uma pessoa como testemunha, quando ela está sendo investigada, justamente para pode usar a condução e forçar um depoimento.
“O estratagema consiste em rotular o investigado como se testemunha fosse buscando-se impor, ainda que ilegalmente, a obrigação de comparecer e prestar depoimento, inclusive, para execrá-lo publicamente”, destaca.
Já o criminalista Daniel Bialski entende que mesmo a condução coercitiva de uma pessoa como testemunha é “absolutamente discutível”. O advogado afirma que a decisão do STF fez com que na prática, esse método de agir não conste mais na legislação brasileira.
“O Supremo disse que é inconstitucional isso, pois viola o direito da pessoa”, diz Bialski. Mas ele lembra que não ir é algo que irá gerar consequências: “A pessoa pode ser acusada do crime de desobediência. Mas condução coercitiva não pode existir”.
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*Texto alterado às 20h12 do dia 24 de julho de 2023 para correação. A primeira versão informava o nome “André Bialski”. O nome correto é Daniel Bialski.